Carta 26

TERMINO sem concluir estes fragmentos ainda que sem ordem, mas é como os devaneios me vêm, dizendo de como a intensidade do que vivo me é mais preferível que a extensividade que falta ao que vivo. Digo de como a intensidade é por mim transformada em consolação a todo o sofrer, causado quase sempre pelo que me dedicam superficialmente, quando sempre recebem de mim a minha mais interior verdade.

É intenso e por isso verdadeiro tudo que meu coração é chamado a responder. Entrego-me ao bel-prazer do que pode ser, se assim não for, sinto-me como não tendo vivenciado com inteireza tudo aquilo que no conjunto, é do meu existir o motivo maior. Do contrário, seria mais preferível não ter me rebentado do ventre daquela que me fez luzir e, dormir para sempre seria mais viver.

Já que somos seres desejantes e todo sofrer nasce do espaço deixado entre o desejo e a realização, então que eu sofra por acreditar, e nunca, por me negar a crer. Pois, já não basta que sejamos todos guiados pela razão e tampouco tangenciados pela paixão. É preciso que nos entreguemos mais que a plenitude e extensão que a causa exige é preciso que nos entreguemos na amplitude que nosso coração e mente não conseguem antever.

Só assim, conseguiremos transformar as utopias em um lugar existente de fato, só assim, seremos capazes de vivenciar a utopia do amor livre e limpo das impurezas dos preconceitos, das vicissitudes dos humores, dos individualismos, das disputas, das possessividades, das dissimulações, dos medos e das vaidades vulgares que nos faz ser sempre menos que somos.

É preciso que sejamos e nos entreguemos por inteiro, pois creio ser cada momento que se vive, único e irreversível e por isso mesmo exclusivo e sublime e, só poderá ser sentido por quem vivê-lo intensamente, sem deixá-lo se perder no passado e tão-pouco perdê-lo para o futuro.

Já que a felicidade entre os homens é impossível de se atingir, que ao menos, tentemos não sofrer, contendo pelo nosso egoísmo o que é por natureza, feito para fluir.

Que cada um cultive seu próprio jardim*, mas que seja para trocar flores com seus vizinhos.

* Voltaire (filósofo Francês – iluminista) em sua obra “Cândido”

Dezembro, de 2002

Westerley

Carta Filosófica Nº 26

A paixão finda-se no abraço frio

de tânatus travestido de razão...