Schopenhauer por Rudinei Borges

Schopenhauer

Alemanha, 1788.

O que você responderia se alguém perguntasse: a vida é essencialmente um sofrimento? No sistema de Schopenhauer, a vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana; ao mesmo tempo, é a fonte de todos os sofrimentos. Ou seja, todos nós somos donos de uma vontade insaciável. Desejamos o tempo todo. Sua filosofia é, assim, profundamente pessimista, pois a vontade é concebida em seu sistema como algo sem nenhuma meta ou finalidade, um querer irracional e inconsciente. Sendo um mal inerente à existência do homem, ela gera a dor, necessária e inevitavelmente, aquilo que se conhece como felicidade seria apenas a interrupção temporária de um processo de infelicidade e somente a lembrança de um sofrimento passado criaria a ilusão de um bem presente. Para Schopenhauer, o prazer é momento fugaz de ausência de dor e não existe satisfação durável. Todo prazer é ponto de partida de novas aspirações, sempre obstadas e sempre em luta por sua realização: “Viver é sofrer”. Schopenhauer influenciou uma geração de artistas, como o cantor e compositor brasileiro, Renato Russo. O líder do Legião Urbana revelava em várias de suas músicas, o que podemos chamar de “dor de viver”. Em discos aclamados pela crítica musical, como o famoso “Cinco” e “A tempestade” as composições de Renato Russo, Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá são permeadas de um pessemismo arrebatador. Na música “Quando o sol bater na janela do teu quarto”, Renato Russo cita Schopenhauer literalmente: “tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”.

Mas, apesar de todo seu profundo pessimismo, a filosofia de Schopenhauer aponta algumas vias para a suspensão da dor. Num primeiro momento, o caminho para a supressão da dor encontra-se na contemplação artística. A contemplação desinteressada das idéias seria um ato de intuição artística e permitiria a contemplação da vontade em si mesma, o que, por sua vez, conduziria ao domínio da própria vontade. Na arte, a relação entre a vontade e a representação inverte-se, a inteligência passa a uma posição superior e assiste à história de sua própria vontade; em outros termos, a inteligência deixa de ser atriz para ser espectadora. A atividade artística revelaria as idéias eternas através de diversos graus, passando sucessivamente pela arquitetura, escultura, pintura, poesia lírica, poesia trágica, e, finalmente, pela música. Em Schopenhauer, pela primeira vez na história da filosofia, a música ocupa o primeiro lugar entre todas as artes. Liberta de toda referência específica aos diversos objetos da vontade, a música poderia exprimir a Vontade em sua essência geral e indiferenciada, constituindo um meio capaz de propor a libertação do homem, em face dos diferentes aspectos assumidos pela Vontade.

Schopenhauer nasceu em 1788 e faleceu em 1860. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação, embora o seu livro Parerga e Paralipomena (1851) seja o mais conhecido. Foi o pensador que mais atacou Hegel. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo e entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão. Schopenhauer também combateu fortemente a filosofia hegeliana e influenciou fortemente o pensamento de Friedrich Nietzsche.

O pensamento de Schopenhauer parte de uma interpretação de alguns pressuposto da filosofia de Kant, em especial de sua concepção de Fenômeno. Esta noção leva Schopenhauer a postular que o mundo não é mais que Representação. Mas será que o mundo e tudo que existe é apenas representação? Vamos entender o que afirmou o engmático Schopenhauer. Esta conta com dois pólos inseparáveis: por um lado, o objeto, constituído a partir de espaço e tempo; por outro, a consciência subjetiva acerca do mundo, sem a qual este não existiria. Contudo, Schopenhauer rompe com Kant, uma vez que este afirma a impossibilidade da consciência alcançar a Coisa-em-si, isto é, a realidade não fenomênica. Segundo Schopenhauer, ao tomar consciência de si, o homem se experiencia como um ser movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade da Vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana. Você entendeu? O que norteia a nossa vida é a nossa vontade. Voltando o olhar para a natureza, o filósofo percebe esta mesma Vontade presente em todos os seres, figurando como fundamento de todo e qualquer movimento. Para Schopenhauer, a Vontade corresponde à Coisa-em-si; ela é o substrato último de toda realidade.

A vontade, no entanto, não se manifesta como um princípio racional; ao contrário, ela é o impulso cego que leva todo ente, desde o inorgânico até o homem, a desejar sua preservação. A consciência humana seria uma mera superfície, tendendo a encobrir, ao conferir causalidade a seus atos e ao próprio mundo, a irracionalidade inerente à vontade. Sendo deste modo compreendida, ela constitui, igualmente, a causa de todo sofrimento, uma vez que lança os entes em uma cadeia contínua de aspirações sem fim, o que provoca a dor de permanecer algo que jamais consegue completar-se. Você ouviu? Desejamos constantemente, mas quando alcançamos o que queríamos, já temos outro desejo em vista. Segundo tal concepção pessimista, o prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor; esta é a única e verdadeira realidade.

Contudo, há alguns caminhos que possibilitam ao homem escapar da vontade, e assim, da dor que ela acarreta. A primeira via é a da arte. Schopenhauer traça uma hierarquia presente nas manifestações artísticas, na qual cada modalidade artística, ao nos lançar em uma pura contemplação de Ideias, nos apresenta um grau de objetivação da vontade. Partindo da arquitetura como seu grau inferior, ao mostrar a resistência e as forças intrínsecas presentes na matéria, o último patamar desta contemplação reside na experiência musical; a música, por ser independente de toda imagem externa, é capaz de nos apresentar a pura Vontade em seus movimentos próprios; a música é, pois, a própria vontade encarnada. Tal contemplação, trazendo a vontade para diante de nós, consegue nos livrar, momentaneamente, de seus liames.

A arte representa apenas um paliativo para o sofrimento humano. Outra possibilidade de escape é apontada através da moral. A conduta humana deve voltar-se para a superação do egoísmo; este provém da ilusão de individuação, pela qual um indivíduo deseja, constantemente, suplantar os outros. A compreensão da Vontade faz aparecer todos os entes desde seu caráter único, o que leva, necessariamente, a um sentimento de fraternidade e a uma prática de caridade e compaixão.

Entretanto, a suprema felicidade somente pode ser conseguida pela anulação da vontade. Tal anulação é encontrada por Schopenhauer no misticismo hindu, particularmente o Budismo; a experiência do Nirvana constitui a aniquilação desta vontade última, o desejo de viver. Somente neste estado, o homem alcança a única felicidade real e estável.

O pensamento de Schopenhauer foi fonte decisiva para a obra de um dos mais importantes filósofos da Idade Contemporânea, Nietzsche.

Local original do artigo