NO TEMPO DAS BANANEIRAS

NO TEMPO DAS BANANEIRASOU

DA BANALIZAÇÃO DO SENTIMENTO

Longe de qualquer tipo de moralismo e tentando chegar mais próximo de uma leitura reflexiva sobre o sentimento entre os homens e mulheres na sucessão das gerações, esse artigo pretende lançar um olhar crítico sobre a prática do “ficar” dos adolescentes deste tempo.

Não é do tipo de “ficar” que traz em si a intenção do namoro, que escrevo. Pois este pressupõe uma vontade de compromisso inicial que é, antes, o compromisso com o sentimento do outro. O “ficar” de que trato é aquele descompromissado com o sentimento alheio que visa tão-somente a satisfação dos desejos mais primitivos dos homens e que nos assemelha aos animais.

Não se pode negar que na história das gerações passadas, sempre houve um tipo qualquer de “ficar” nas relações entre os gêneros. Só para lembrar, mais recentemente tínhamos a chamada “amizade colorida”; neste caso, diferentemente de hoje, o afear acontecia entre amigos. Houve também, num tempo mais remoto, o chamado “caso”; era comum a expressão: - estou tendo um caso com fulano ou fulana - e não podemos nos esquecer a milenar relação entre os chamados “amantes” - Cleópatra e Marco Antônio que nos digam!

Pois bem, então onde está o problema do “ficar”? O problema está justamente na exacerbação, na desmedida, na efemeridade, na matematização daquilo que não se pode quantificar; o sentimento. É ele que cria a disposição vital e imediata do nosso espírito em direção ao outro, que abre nossos poros em calafrios súbitos, e nos faz abrir todas as portas do nosso ser, a começar pelas portas do olhar fixo em flertes desconcertantes convidando o outro para que entre e ocupe um espaço sublime em nosso coração. É contra a banalização que destrói este sentir, antes mesmo dele nascer de verdade, que falo nesta crônica-filosófica.

Há na prática do “ficar” de hoje, uma deformação dos sentimentos verdadeiros aqueles que em essência são duradouros e comprometidos com o bem-estar e sentir do outro e nosso. É o hedonismo dos corpos em detrimento da estima dos corações, é mais a satisfação dos prazeres Narcísicos, que a do Deus Eros; do amor.

Mas para dizer do “ficar” dessa geração, prefiro narrar um hábito comum dos adolescentes de gerações passadas: Em meados dos anos setentas os adolescentes, educados em plena ditadura, traziam em seus hábitos, as marcas da repressão, e em seus costumes, o culto do machismo; mas também a ingenuidade e os ritos da paixão.

Era comum entrarem em verdadeiro pânico ante a confirmação do primeiro encontro com o garoto ou garota pretendidos. Apavoravam-se ante a possibilidade do primeiro beijo, pois temiam não saber beijar; tremiam por inteiro ante o primeiro abraço mais demorado, pois receavam não saber onde colocar as mãos; ressentiam-se ante as primeiras carícias e quase se desvaliam na iminência da primeira transa, pois julgavam não saber transar. Havia um pavor de ser por demais ousados nos primeiros encontros e por isso perder de vez, o jovem ou a jovem desejada. Então o que fazer para não transparecer inicialmente inepto na arte de amar?

A solução era prática e objetiva. Às vésperas ou na semana do encontro tão esperado, os garotos se reuniam em um lugar afastado e como uma confraria construiam o grande plano. Quase como uma manada descontrolada invadiam o primeiro bananal que avistavam, e lá, logo escolhiam uma bananeira que recebia imediatamente o nome de sua amada, e sem nenhuma cerimônia, iam logo abraçando e beijando, alisando e ousando nas carícias mais íntimas com suas queridas... E ali, passavam horas, e por dias visitavam suas amantes secretas, cada vez mais íntimos, cada vez mais soltos e descontraídos.

A intimidade ia aumentando, na mesma medida em que a inibição ia diminuindo, e assim, as carícias iam se intensificando e as mãos, antes sem lugar, agora já deslizavam certeiras e vagarosas por todo corpo roliço e macio daquela que era mais que uma imaginação, era a própria amada em plena realidade. E, se um dos colegas sequer tocasse na garota do outro, já era motivo o suficiente para que os primeiros impulsos de proteção e ciúme, posse e propriedade se aflorassem e, daí para as brigas ferrenhas, era pequena a distância.

Com o passar dos dias, a relação entre os enamorados ia ficando tão séria e verdadeira que só os beijos e os calorosos abraços não eram mais suficientes para saciar tão crescente desejo e, o ato de sua realização já não era mais evitável. Os impulsos sexuais tomavam a frente de todos os desejos de outrora.

No fogo do desejo mais forte, uns mais afoitos e atabalhoados, outros mais tímidos e românticos, demoravam mais ou menos no ritual da conquista, e todos levados mais pelos hormônios que pelos neurônios, utilizavam para sua estréia sexual, um buraco feito a canivete no tronco da bananeira-amada. Era o êxtase total! A mais fantástica experiência jamais vivenciada, a comprovação há tanto esperada de uma virilidade por muito guardada... E o melhor! Romanticamente com aquela que tanto se esperou. - A primeira vez a gente nunca esquece! Contudo, havia ainda o respeito e o cuidado de não revelar a ninguém os detalhes daquela conquista. Pois aquela poderia vir-a-ser a sua futura namorada.

Pois é, por incrível que possa parecer, as coisas não mudaram muito de lá para cá. É possível que tenham se depreciado, ou melhor, se banalizado um tanto mais. Antes, até se fazia o objeto de humano para realizar os sonhos com o outro, hoje; faz-se o humano de objeto para realizar os desejos individuais. Antes, visionava-se em corpos vegetais, hoje visita-se corpos humanos. Antes coisificar era uma relação com as coisas, hoje coisi(ficar) é usar as pessoas.

Westerley A. Santos

Prof. Filosofia

28-junho-2011

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