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Os animais vivem em harmonia com sua própria natureza. Isso significa que todo animal age de acordo com as características de sua espécie quando, por exemplo, se acasala, protege a cria, caça e se defende. Os instintos animais são regidos por leis biológicas, de modo que podemos prever as reações típicas de cada espécie. Os animais vêm ao mundo com impulsos altamente especializados e firmemente dirigidos, e por isso vivem quase que completamente determinados pelos seus instintos e cada espécie vive no seu ambiente particular (mundo dos cavalos, dos gatos, dos elefantes, etc.). A etologia é a ciência que se ocupa do estudo comparado do comportamento dos animais, indicando a regularidade desse comportamento.

É evidente que existem grandes diferenças entre os animais conforme seu lugar na escala zoológica: enquanto um inseto como a abelha constrói a colméia e prepara o mel seguindo os padrões rígidos das ações instintivas, animais superiores, como alguns mamíferos, agem por instinto mas também desenvolvem outros comportamentos mais flexíveis e portanto menos previsíveis.

Essas habilidades, porém, não levam os animais superiores a ultrapassar o mundo natural, caminho esse exclusivo da aventura humana.

O ser humano, ao contrário, é imperfeitamente programado pela sua constituição biológica. Sua estrutura de instintos no nascimento é insuficientemente especializada e não é dirigida a um ambiente que lhe seja específico. Sugar e chorar são das poucas coisas que sabemos quando nascemos. O mundo humano é um mundo aberto, isto é, um mundo que deve ser construído pela própria atividade humana.

Como os outros mamíferos, estamos num mundo que é anterior ao nosso aparecimento. Mas, diferentemente deles, este mundo que nos precede não é simplesmente dado, colocado à nossa disposição para um relacionamento imediato. O ser humano precisa "organizar" o mundo para superar o "caos", necessita construir um mundo para si, um mundo que tenha um sentido humano, e, nesse processo, construir a si mesmo.

Karl MARX (1980, p.202) consegue colocar essa idéia de uma forma extraordinariamente clara, quando faz a distinção entre o trabalho humano e a atividade instintiva do animal:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isso é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais.

É como se pelo trabalho o homem, na condição de transformador da natureza, pudesse atingir seu mais elevado ideal de realização, com consciência e liberdade. Quando o homem age, cria e empreende, produzindo objetos e saberes, bens materiais e simbólicos, está atuando não somente no campo do fazer, isto é, no âmbito do trabalho, mas também no campo do saber e do poder, ou seja, no campo da cultura e da política. Tais dimensões estão entrelaçadas e carregam uma forte componente ética.

EVOLUÇÃO DO TRABALHO

A origem da palavra trabalho deriva do latim vulgar tripalium, que era o nome de um instrumento formado por três paus aguçados, com o qual os agricultores batiam o trigo, as espigas de milho, o linho, para rasgá-los, esfiapá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra tripalium como um instrumento de tortura, o que teria sido no início ou se tornado depois. O fato é que este termo está ligado à idéia de tortura e sofrimento, sentido esse que se perpetua até hoje, principalmente nos povos de língua latina.

De uma forma muito simplificada, podemos entender o trabalho como sendo a aplicação da energia humana (física e mental) em uma atividade determinada e útil. Pelo trabalho, como já dissemos, o homem se torna capaz de modificar a própria natureza, colocando-a a seu serviço.

O trabalho exercido de forma qualificada, mediante um preparo técnico-científico, específico para determinada atividade é comumente chamado de profissão. A profissão supõe continuidade e não uma atividade ocasional e também status social. A atividade de um engenheiro, por exemplo, é uma profissão, pois exigiu a capacitação de alguém para exercê-la.

Na linguagem bíblica, a idéia de trabalho também está ligada a do sofrimento e de punição: "Ganharás o seu pão com o suor de seu rosto" (livro do Gênese). Assim, é por um esforço doloroso que o homem sobrevive na natureza. Os gregos consideravam o trabalho como a expressão da miséria do homem, os latinos opunham o otium (lazer, atividade intelectual) ao vil negotium (trabalho, negócio). Mas será que sempre foi assim?

Podemos dizer que, considerado o "potencial de mão-de-obra" de uma sociedade, ou seja, suas forças produtivas, o trabalho usa para o desempenho de seu papel elementos materiais como a terra, animais, metais, ferramentas, energia, máquinas e outros insumos, também conhecidos como meios de produção. De acordo com a estruturação da propriedade e da manipulação desses meios de produção na sociedade em cada etapa histórica, configura-se o seu modo de produção, que, em outras palavras, se funda no tipo de relacionamento ou relações de produção existentes entre o trabalho e os detentores dos meios de produção.

Já nas sociedades primitivas o homem sentiu necessidade de lançar mão do trabalho que, em sua função mais primordial, era a defesa da unidade do clã, numa luta constante contra os perigos oferecidos pela natureza, seu clima hostil e os animais selvagens.

Foi pelo trabalho, ainda na era Neolítica, que o homem descobriu que agia melhor em comunidade do que sozinho ou em seu pequeno grupo familiar. Constatou que era um ser social, e adotou um estilo de vida comunitário, com fortes reflexos sobre a vida moral da época.

Há milênios, desde o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, a prática dominante nas relações de trabalho ocidentais foi o escravismo, ou seja, o emprego do trabalho escravo na agropecuária, extração mineral e comércio.

Os gregos antigos, desprezavam o trabalho, deixando-o para os escravos, valorizando a única atividade considerada digna de um homem livre, que era o ócio dos filósofos. Buscavam inclusive inúmeras justificativas éticas para a escravidão.

Para Aristóteles a diferença entre os homens era natural, não havendo qualquer contradição na divisão existente, entre o trabalho manual e as atividades intelectuais e políticas. Segundo o filósofo a superioridade dos cidadãos explicava-se pelo fato de que eles definiam o sentido das coisas, fossem elas econômicas, sociais ou políticas. O cidadão grego não exercia o trabalho braçal pois tinha de ter tempo livre para se dedicar à filosofia e ao exercício da cidadania. Para que isso fosse possível os escravos executavam todas as atividades inferiores determinadas pela vontade das classes superiores.

Durante cerca de mil anos, período que foi da desagregação do Império Romano à Idade Média, as relações de produção na Europa Ocidental evoluíram do escravismo puro ao servilismo, ou seja abrandava-se a sujeição homem-homem, passando-se a outra menos direta, transformadora do homem em "servo de gleba", virtual prisioneiro da terra em que vivia, consumindo quase tudo que produzia, e produzindo por suas próprias mãos quase tudo de que necessitava. A Igreja Católica, pregando a adoração a Deus defendia o desapego às riquezas terrenas. Preocupada em organizar e manter seu poder temporal, ela condenava o trabalho como forma de enriquecimento. O trabalho era visto apenas como meio de subsistência, de disciplina do corpo e purificação da mente. Assim servia como instrumento de dominação social e de condenação a qualquer rebeldia contra a ordem estabelecida.

A ociosidade entre as classes senhoriais, assim como ocorrera na Grécia antiga, não era sinônimo de preguiça, mas de abstenção às atividades manuais para se dedicarem a funções mais nobres como a política, a guerra, a caça, o sacerdócio e o exercício do poder.

A partir do século XI a sociedade medieval européia sofreu profundas transformações. O renascimento do comércio e das cidades afetou e foi afetado pelas transformações do trabalho e das relações de produção. Daí até os séculos XVI e XVII a economia ampliou-se sucessivamente do restrito âmbito local ao regional, deste ao nacional (com a formação dos chamados estados nacionais modernos) e ao internacional: do quase nenhum mercado e escassa circulação monetária da Idade Média, chega-se a economia do dinheiro e dos múltiplos mercados dos séculos XVII-XVIII, com base no crescimento agrícola, na exploração colonial da América-África-Ásia e na diversificação do artesanato, cada vez mais se diferenciando em indústria.

A crise da ordem feudal, fundada na subsistência e na servidão, e o desenvolvimento do comércio e das atividades manufatureiras deu origem a uma nova estrutura social: a sociedade capitalista.

O crescimento do mercado não só irá conviver por algum tempo com antigas formas de servidão, como fará renascer a escravidão: o trabalho compulsório de africanos nas colônias da América.

Mas, para as elites que comandavam a implantação desse sistema, o trabalho livre era a forma ideal.

Essa é por excelência a concepção burguesa da liberdade individual do homem: ele é livre para usar a força de seu corpo como uma máquina natural e para escolher de forma soberana o que deseja para si mesmo. Se ao escravo na América não era dada a oportunidade da escolha, ao trabalhador europeu era concedido o direito soberano da liberdade.

Porém a busca da produção de excedentes para a troca no mercado mediante a introdução de novas técnicas de produção e de organização do trabalho fazia desaparecer a propalada livre escolha. Afinal, como seria possível o trabalhador sobreviver numa economia de mercado, senão submetendo-se às imposições de quem detinha os recursos que o sistema exigia? Aquele artesão, que na manufatura medieval detinha as ferramentas e uma autonomia no uso de seu tempo, desaparece, submetendo-se ao capital.

Ocorre, portanto, a separação entre o trabalhador e a propriedade dos meios de produção (capital, ferramentas, máquinas, matérias-primas, terras). Desse modo, podemos afirmar que a essência do sistema capitalista encontra-se na separação entre o capital e o trabalho.

Essa separação criou dois tipos de homens livres: o trabalhador livre assalariado, que vive exclusivamente de seu trabalho, ou seja, da venda de sua força de trabalho, e o burguês, ou capitalista, proprietário dos meios de produção. A novidade em relação aos modelos anteriores de sociedade é que, ao conceder a liberdade para todos os indivíduos, a sociedade estabeleceu uma espécie de contrato social, em que ficavam definidos os direitos e deveres de cada parte.

A ÉTICA CAPITALISTA DO TRABALHO

Se o trabalho como fator de enriquecimento pessoal era proibido na Idade Média, legitima-se agora, na ética da sociedade capitalista, como tábua de salvação divina. A riqueza não é mais vista como pecado, mas como estando de acordo com a vontade de Deus. Trata-se de uma vontade que se confunde com os interesses do mercado e do lucro, e que valoriza o trabalho enquanto força passível de gerar riqueza. Ele deixa de existir apenas para atender às necessidades humanas básicas. Sua finalidade principal é produzir riqueza acumulada.

Max Weber, em sua "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" diz que esta necessidade de acumulação de riquezas ultrapassou os limites do bom senso comercial e passou a ser um fim em si mesmo, uma concepção de vida, um ethos.

Deixemos que ele fale:

De fato, o summum bonum desta "ética", a obtenção de mais e mais dinheiro, combinado com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida é, acima de tudo, completamente destituído de qualquer caráter eudemonista ou mesmo hedonista, pois é pensado tão puramente como uma finalidade em si, que chega a parecer algo de superior à "felicidade" ou "utilidade" do indivíduo, de qualquer forma algo de totalmente transcendental e simplesmente irracional. O homem é dominado pela produção do dinheiro, pela aquisição encarada como finalidade última de sua vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como meio de satisfazer as suas necessidades materiais. Esta inversão do que poderíamos chamar de relação natural, tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio orientador do capitalismo, tão seguramente quanto ela é estranha a todos os povos fora da influência capitalista. Mas, ao mesmo tempo, ela expressa um tipo de sentimento que está inteiramente ligado a certas idéias religiosas. Ante a pergunta: Por que se deveria "fazer dinheiro do ganho dos homens?" o próprio Benjamim Franklin, embora fosse um deísta pouco entusiasta, responderia em sua autobiografia com uma citação da Bíblia, com que seu pai, intransigente calvinista, sempre o assediou em sua juventude: "Se vires um homem diligente em seu trabalho, ele estará acima dos reis". (WEBER, 1974, p.187)

A ociosidade, mesmo entre as classes abastadas, passou a ser sinônimo de negação de Deus. Só se mostrava a verdadeira fé pelo trabalho incessante e produtivo. O trabalho era a oração moral burguesa e capitalista. Quem se resignasse à pobreza não merecia a salvação divina.

Teóricos do novo sistema descobriram no trabalho a fonte de toda riqueza individual e coletiva. Em 1776, Adam Smith (1723-1790), afirmava que a riqueza de uma nação dependia essencialmente da produtividade baseada na divisão do trabalho. Por essa divisão, as operações de produção de um bem, que antes eram executadas por um único homem (artesão), são agora decompostas e executadas por diversos trabalhadores, que se especializam em tarefas específicas e complementares.

Com a produção mecanizada, o trabalho é glorificado como a essência da sociedade do trabalho. Não se concebe mais a possibilidade de existir ordem social fora da moral do trabalho produtivo.

Segundo Adam Smith, uma das características do ser humano, capaz de diferenciá-lo dos outros animais é uma certa propensão para trocar coisas. Essa propensão torna necessária a divisão do trabalho.

Outra diferença apontada por Adam Smith é que o homem, contrariamente a maioria dos animais, que ao se tornarem adultos ficam auto-suficientes, é muito dependente de seus semelhantes.

Existindo a necessidade de cooperação, mas tendo de conviver com seus impulsos egoístas, as sociedades elaboraram regras e leis morais para regular as ações humanas. As bases para a construção dessas regras são criadas a partir de uma espécie de "jogo de interesses". Ou seja, se necessitamos da ajuda das grandes multidões para vivermos e é impossível fazer amizade com todos eles para obter sua benevolência, podemos então mostrar ao outro que lhe é vantajoso nos dar o que precisamos, num sistema de trocas.

A ética capitalista defende a idéia de que o bem estar da coletividade é melhor obtido se apelarmos não ao altruísmo das pessoas, mas à defesa de seus interesses em relações de mercado. Desta forma o egoísmo (defesa do interesse próprio) é apresentado como a melhor forma de solucionar os problemas de um grupo social.

A eficácia econômica do sistema de mercado passou a ser o critério supremo para todos os juízos morais. A eficácia (critério técnico) passou a ser o critério ético fundamental. A ética capitalista é uma "ética" reduzida a uma questão puramente técnica.

Também fica claro, que a revolução tecnológica dos séculos XVIII e XIX, mais do que um progresso, significou a generalização de um projeto de controle social. As teses das classes dominantes revelam que o desejo de expansão de mercado e de aumento de suas riquezas passava pela necessidade da universalização dessa nova ordem social.

O que estava em jogo era o fim da autonomia do trabalho artesanal e a reunião e domesticação dos trabalhadores na fábrica. A divisão do trabalho defendida por Adam Smith teria a função de destruir o saber-fazer do artesão, subordinando-o à nova tecnologia da maquinofatura.

Para que essa sociedade voltada para o trabalho se viabilizasse, houve necessidade de construir um corpo disciplinar que envolvesse todos os indivíduos dentro e fora da fábrica. A ordem burguesa da produtividade tornava-se a regra que deveria gerir todas as instâncias do social. Para isso, instituiu-se um discurso moralizante que visava cristalizar no conjunto da sociedade a ética do tempo útil.

O tempo útil do trabalho produtivo deveria funcionar como um "relógio moral" que cada indivíduo levaria dentro de si.

O uso do tempo que não de forma útil e produtiva, conforme o ritmo imposto pela fábrica, passou a ser sinônimo de preguiça e degeneração. Só o trabalho produtivo, fundado na máxima utilização do tempo dignificava o homem.

A empresa dos dias atuais é um imenso cosmos, no qual o indivíduo nasce, e que se apresenta a ele, pelo menos como indivíduo, como uma ordem de coisas inalterável, na qual ele deve viver. Obriga o indivíduo, na medida em que ele é envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras de ação capitalistas. O fabricante que permanentemente se opuser a estas normas será economicamente eliminado, tão inevitavelmente quanto o trabalhador que não puder ou não quiser adaptar-se a elas será lançado à rua sem trabalho. (WEBER, 1974, p.188)

Para tornar vitoriosa a nova ordem, procurou-se eliminar qualquer forma de resistência. Impôs-se um modelo de sociedade em que só o trabalho produtivo fabril imperava. Quem se encontrasse fora desse modelo era expurgado da sociedade. A grande massa de europeus que imigraram para América no século XIX pode ser tomada como exemplo desse expurgo.

A ÉTICA DO CONSUMO

Aristóteles afirmava que tudo que o homem precisava para ter uma vida cômoda já havia sido descoberto. O homem encontrava-se materialmente realizado e só lhe restava dedicar-se à elevação do espírito. Portanto, apesar de haver sentenciado a realização material, o filósofo grego indicava a impossibilidade da satisfação absoluta do homem.

No começo do século XX, os economistas mostravam-se preocupados com a possibilidade de chegar o dia em que as famílias seriam proprietárias de todos os bens disponíveis no mercado, pois assim o sistema entraria em colapso. Graças à impossibilidade da satisfação humana, a economia de mercado encontra-se hoje a pleno vapor.

Parece que, de algum modo, a idéia da realização sempre esteve ligada à satisfação material. Nas economias de mercado, ela em geral se reduz ao consumo de bens materiais, ou para proporcionar mais lazer, ou para ostentar a aparência de poder.

É comum ouvirmos que realização significa "vencer na vida". E esse "vencer" é basicamente acumular bens materiais e ostentar poder.

É "vencedor" aquele sujeito que possui carro do ano, veste-se com as melhores griffes e, de preferência, freqüenta os locais badalados.

Essa nova forma de encarar o mundo passou a ser hegemônica em nossa sociedade e já está interiorizada em cada um de nós, dentro de nosso processo de socialização. Os meios de comunicação de massa ainda reforçam esta dinâmica social como sendo "a realidade" e considerando absurdos e irracionais toda e qualquer proposta alternativa.

A obsessão pelo vencer - que é a mesma pelo poder - é uma das principais características das sociedades modernas. A partir dela, torna-se muito difícil qualquer ética de convivência solidária. A vontade individual de vencer predomina, não importando os meios para realizá-la. Símbolo da civilização moderna, o consumismo egocêntrico produz a barbárie, em que as relações sociais se transformam em uma arena - vence o mais forte ou o mais esperto. É a ética da "Lei de Gerson", onde quero tudo para mim, como o mínimo de esforço e no menor espaço de tempo possível.

Neste mundo de individualismo, a ética pode muito facilmente se transformar em "o que não prejudica ninguém está OK", ou, "o que os outros conseguem fazer impunemente deve estar certo", ou mesmo "se ninguém souber, está tudo bem". O que há de errado, por exemplo, se alguns atletas usam drogas (anabolizantes) para aumentar sua performance se não estão prejudicando ninguém, além deles mesmos? O que há de errado em receber seguro desemprego e trabalhar ao mesmo tempo? Afinal, o governo pode pagar por isso... O que há de errado em contratar um engenheiro só para assinar um projeto? Todo mundo faz isso e sai tão mais barato...

Mesmo que aceitássemos como válido esse estilo de vida, quantas pessoas em nossa sociedade conseguiriam acompanhá-lo? Como seria possível imaginar encontrar tal realização num país como o Brasil, onde a maioria da população vive abaixo da linha de pobreza? Não se percebe que, para a maioria da população, a possibilidade de vencer é uma ilusão construída e incentivada pela própria sociedade de consumo. A criação dessa expectativa esconde um fato fundamental: esse "paraíso dos vencedores" não é destinado a todos, mas apenas a uma minoria. Com certeza aos cinco ou dois por cento mais ricos da população.

De qualquer modo, será que esses "vencedores" encontram efetivamente uma realização no consumismo, ou apenas se submetem a uma angústia? Não seria por acaso essa a causa dos desajustes sociais nos países ricos?

O universo empresarial é o que mais reflete este modelo e muitas organizações, acreditam que devem ter como objetivo o lucro a qualquer custo, principalmente se puderem ser conseguidos em detrimento da concorrência e até mesmo dos clientes. E num ambiente em que vale tudo, como no competitivo mundo empresarial, as considerações éticas são as primeiras a perder o valor.

As administrações das empresas preocupam-se em verificar a precisão da contabilidade e tomar providências cada vez mais enérgicas para que haja qualidade em seus produtos e serviços, mas na maioria das vezes não procede a nenhuma revisão sistemática de sua ética onde essa revisão é muito mais necessária.

Na maioria das empresas, o simples levantar-se de uma consideração ética numa discussão, exige coragem, já que a questão costuma ser considerada pela administração mais como fonte de problemas que de oportunidades, pois existe a crença de que a conduta ética pode não ser a melhor para os negócios.

MUDANÇA DE PARADIGMAS

É exatamente esse individualismo e falta de ética predominante na sociedade contemporânea que está provocando uma nova corrida ao seu estudo. A ética está se tornando um tema corrente em nosso dia a dia, pois nossa sociedade, enfrentando esses graves desafios nos anos finais no século XX, precisa de visões do futuro que sejam atraentes, inspiradoras e vigorosas o bastante, para levar as pessoas a deixar de lado o seu costume atual de concentrar-se nas crises imediatas e a voltar-se com esperança para o futuro - um futuro em que a saúde e o bem estar da Terra e dos seus habitantes estejam assegurados.

Estamos mais sensíveis às questões de conservação, ao caráter sagrado da vida e cooperação global. As inúmeras conferências internacionais sobre ecologia, fome e direitos humanos são exemplos significativos da necessidade de uma mudança ética em todos os campos da vida social.

O debate sobre a Ética na política, nas questões sociais e econômicas, ressurgiu com muita força nos últimos anos. O estudo e a preocupação com questões éticas também passou a ser assunto de discussão nos meios empresariais. Já existe uma grande bibliografia sobre "Ética nas Empresas" e muitos cursos de Gestão de Negócios estão incluindo em seus currículos a disciplina "Ética".

Um bom exemplo foi a criação pela Universidade de Harvard (EUA) de um curso de "Ética para Executivos", onde se aprende a tomar decisões baseadas em critérios éticos.

A Sociedade industrial cresceu arraigada no materialismo e na supremacia do homem sobre a natureza. Vem daí a ênfase na competição, na autopreservação e no consumo, que levou a problemas atuais como poluição, o armazenamento de resíduos sólidos, o crime, a violência familiar, o terrorismo internacional, a destruição de espécimes animais, a devastação das florestas, os buracos na camada de ozônio e as milhares de pessoas que morrem de inanição todos os dias por conta do crescimento populacional fora de controle e de uma perversa distribuição de riquezas. Parece que perdemos a capacidade de agirmos eticamente e as aplicações irresponsáveis da ciência e tecnologia estão ameaçando a vida no planeta. Fritjof CAPRA (1986, p.19) em seu livro "O Ponto de Mutação" nos faz uma terrível advertência:

As últimas duas décadas de nosso século vêm registrando um estado de profunda crise mundial. É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas afetam todos os aspectos de nossa vida - a saúde e o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência sem precedentes em toda a história da humanidade. Pela primeira vez temos que nos defrontar com a real ameaça de extinção da raça humana e toda a vida no planeta [o grifo não faz parte do original].

Dentro desse novo contexto só teremos chances de sobrevivência se dedicarmos algum tempo a olhar por cima de nossos próprios ombros, se de fato nos preocuparmos com os outros e vivermos além dos limites de nossas próprias famílias e instituições. As necessidades de mudanças, que nos conduzam a uma nova visão de mundo são urgentes e, de certa forma, já estão ocorrendo. Hoje em dia, por exemplo, as exigências do cidadão não recaem apenas por produtos ou serviços de qualidade, mas são também de natureza ética. Ou seja: se vai comprar um carro, um sabonete, uma vasilha de refrigerante ou um serviço financeiro quer saber se aquela empresa recolhe seus impostos, remunera dentro do padrão de mercado seus empregados, polui o meio ambiente, trata a concorrência com lealdade, atende os eventuais reclamos da sua clientela e participa de forma positiva de sua comunidade. Muitas pessoas, em especial jovens, estão dispostas a contribuir com boas causas existirá uma procura crescente por empresas não apenas voltadas para a produção e lucro, mas que também estejam preocupadas com a solução de problemas mais amplos como preservação do meio ambiente e bem estar social.

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http://tpd2000.vilabol.uol.com.br/eticae.htm

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