Cartas Filosóficas

Poética

Fragmentos de uma utopia

Reflexões poético-filosóficas sobre as ilusões e desilusões dos sentimentos humanos.

- em cartas-

SOBRE A INSUFICIÊNCIA DAS PALAVRAS:

“E os poemas do cativeiro não quebram as correntes nem abrem as portas mas, por razões que não entendemos bem, parece que os homens se alimentam deles e, no fio tênue da fala que os enuncia, surge de novo a voz do protesto e o brilho da esperança”.

Rubem Alves

33 CARTAS FILOSÓFICAS ESTÃO DISPONIBILIZADAS

ANTES de se fazer saudade, a ausência é um vazio, ocupado pelo silêncio da solidão.

O que o leitor irá encontrar nestas cartas, são fragmentos de uma utopia. A utopia humana de ser feliz, de amar, de encontrar a verdade, a justiça, a saída para a solidão que habita em cada um de nós. Mas nessa busca, acaba experimentando a dor do desprezo, do abandono, da desilusão, do preconceito, da perda, da traição, da injustiça...

São cartas a quem se quer e que dizem das vicissitudes vividas por todos e qualquer um. São mais as expressões de um devaneio poético, ainda que conduzido por um sentido crítico, que reflexões propriamente filosóficas acerca do que buscamos, vivemos e sentimos. São cartas a quem se quer, sobre o que se vive. Nascidas da última fala antes da morte das palavras que se calaram ante o inevitável silêncio que quis se fazer ouvir mais forte que elas.

E tomando de assalto a poética, o silêncio escreveu sobre as páginas amareladas o abandono de uma utopia que não encontra ouvinte, por isso se tornou o silêncio.

Estes escritos podem ser vistos como uma só carta escrita em partes onde cada uma pode ser interpretada como reflexões poéticas daquilo que nos torna mais humanos ou devaneios sobre aquilo que nos faz parecer mais insanos, pois, são utopias. No entanto, todas realmente vividas e por isso mesmo destinadas a quem possa lê-las, não só como romance ou poesia, ou até como críticas filosóficas, mas como relatos da experiência humana no mundo. Já que somos os únicos seres que têm consciência da sua finitude, de ser um ser para a morte, mas com o desejo de vida. A esperança é que não deixem silenciar a voz do mais puro sentimento humano que renuncio pela ausência neste manifesto.

Os fragmentos destinam-se, principalmente, aos que têm a coragem de se assumirem utópicos e se permitirem. Digo isso, porque para amar é preciso antes, acreditar na utopia do amor, e para acreditar, é preciso se permitir, e se permitir, é mesmo ter coragem. E a coragem não é outra coisa, senão uma força que nos impulsiona à ação do coração, por isso, cor-agem.

Em tempos que o culto ao corpo prevalece sobre o cultivo da mente e das coisas do coração, em que a relação subjetiva é de somenos importância ante as relações utilitaristas, em que, o outro não é visto como parceiro ou companheiro, e sim, como adversário ou concorrente, ter coragem e se permitir à utopia do amor, para além da medida da reciprocidade, é ato de candura e crença na essência humana.

A angústia; que subjaz aos escritos desta coletânea desordenada, pois foram ditadas pelo coração, é a fala muda que tenta se manifestar para fazer ouvir o agonizar desse ideal de sobrevivência e convivência que cada um traz consigo em segredo e, que ao fim, diz do próprio significado da vida.

Ouve-se ao fundo, vindo do silêncio de cada um deles, o som dos últimos silvos de uma utopia que se vê vencida pela amargura dos dissabores das paixões narcísicas que não são as verdadeiras paixões da natureza humana.

Na justa medida em que nos afastamos uns dos outros, vamos nos recolhendo à solidão de nosso existir, ao escondermo-nos uns dos outros, por detrás do escudo das aparências, perdemo-nos de nós mesmos no escuro desta solidão.

No entanto, há nesses fragmentos um fio invisível que alinhava todas as cartas tentando costurar o pano de fundo que se descortina aos poucos, mostrando a cada linha, toda nudez do coração; é a alteridade, pelo amor autêntico.

A verdade; é por vezes aclamada, pois há nela uma missão irrefutável: a de desvelar o sentimento mais puro e genuíno - o sentimento universal - gênese de toda essência humana, aquele mais interior de cada um e de todos nós, que nos torna semelhantes por dentro. Há um grito incansável e ininterrupto clamando por ela, como fosse para não deixá-la se perder sob os escombros da mentira reinante – aquela que marcha vitoriosa sobre as ruínas da verdade.

Nestes tempos de dissimulação dos sentimentos, o falso tenta edificar-se no terreno onde a verdade jaz soterrada. Há que fazê-la emergir das trevas para fazer luzir nossas intersubjetividades a fim de evitar o triunfo do desamor.

A paixão; aparece como uma guerreira imortal que em sua presenticidade extemporânea, ressurge de página em página como o último soldado a combater o exército da razão instrumental, em seus modos de conduzir nossa emoção à racionalidade fria. Sua arma é ela mesma, seu alforje; o coração, sua saga, sobreviver para cumprir sua sina; a de permitir as diversas manifestações do amor.

A validade desta proposição se tornará ainda mais verossímil se, acordarmos que somos seres plurais: políticos, sociais, culturais, biológicos, psíquicos, passionais, se concordamos que não há conceito que determine o ser humano em sua unicidade, se assim o fizermos, então conscensuaremos que não há porque negar a pluralidade de sentimentos. É exatamente esta idiossincrasia da natureza humana que nos confere a capacidade de viver as várias realidades; racionais, espirituais e emocionais, se negarmos isso, estaremos negando, em essência, a própria vida.

Tendo o dito como válido, podemos inferir que: viver é deixar fluir todos os elementos constitutivos, formadores de nossa inata pluralidade, e entre eles, o mais essencial; a paixão, mãe de todos os sentimentos.

O sofrer; vê-se contra a luz, ao fundo de cada fragmento, como marca d’água, fazendo permanecerem úmidas, todas as páginas e letras destes escritos. Contudo, ele não está só, traz consigo sua companheira inseparável; a dor. - Um filósofo ainda desconhecido do grande público, foi às causas de todo o sofrimento e o descreveu em sua trajetória, em raro deleite poético-filosófico, como se vê na folha de rosto da carta vinte e três.

E neste caminho a utopia do amor, se faz ouvir em todas as letras de todas as frases que se uniram em todas as partes desta carta única, como se organizassem um motim para reivindicar e exigir em coro uníssono, sua libertação do cárcere do silêncio, que fica nos porões do presídio do medo.

– Uma confissão!

É que às vezes, me sinto mal, por acreditar no amor dos homens, mas em maior intensidade sento-me bem, por não ter perdido a capacidade de acreditar. Porém, ante aos desprazeres do desamor e aos dissabores da desilusão, o meu amor emudece e a voz do seu grito não é mais que um murmurar em gemidos inaudíveis, por ter sido condenado ao silêncio sepulcro de um lugar solitário que habita em mim.

À Filosofia; toda a responsabilidade por me permitir o gozo dos devaneios e por me fazer perceber as intrinsecabilidades das relações humanas e me fazer perturbar com a inatingibilidade das expectativas de cada um no encontro com o outro. A filosofia mostrou-me o que quero, ou pelo menos, o que não quero, possibilitou-me entender o que se passa no escuro do encontro do Eu com o Outro.

Por fim, concluo sem terminar que as relações humanas parecem repetir as fases psicológicas da vida: no início, impera a paixão da infância, que exige a presença, o colo, o alimento, a atenção permanente, e ante o perigo da perda, surge o ciúme, o desejo de exclusividade. A insegurança se instala e com ela, a necessidade de apreço. Não raramente, perdemo-nos na tentativa de nos encontrar. É quando substituímos nossa identidade pelas digitais do outro e passamos a habitar em um lugar desconhecido que fica entre a razão e o sentimento, entre o sono e o despertar – é o sono dos hípinos, é a dissonância da melodia que se quer construir em dueto.

Superada esta fase, que, no entanto não termina, eis-nos de ponta a cabeça na fase do não, da rebeldia, da vaidade travestida de liberdade, é quando queremos ser quem somos independentemente do outro, na expectativa de que ele nos queira e nos aceite assim como somos – como se fosse possível ser quem somos, sem o outro! É a adolescência da relação. Queremos sair e ao mesmo tempo ficar, contristamo-nos com nossas contrições, negamos a nós mesmos, negando o outro.

A rebeldia da relação adolescente é a revolução que proclamamos para mudar a mesmice do lugar comum, queremos o novo e o desconhecido, mas com quem nos é familiar.

Até este momento somos todos, crianças e adolescentes, buscamos a guarda, mas fugimos do abrigo. Por vezes, saímos de casa e às vezes, nunca mais voltamos, brigamos com o nosso passado, é quando levamos para o resto de nossas vidas a lembrança de um amor interrompido e a eterna vontade de um dia retomá-lo. Vontade esta, movida pela certeza da impossibilidade, pois não há retorno quando não se tem origem.

Eis o pior momento, aquele que nos dirá como será o nosso ser dali em diante. É a partir desse momento que escolhemos entre os elementos constitutivos de nossa inata pluralidade, aqueles que formarão o nosso caráter sentimental, ou seja; o conjunto de características que acentuará a nossa singularidade.

É a partir desse momento que somatizaremos todos os medos que carregaremos conosco e que poderá, no futuro, nos impedir à abertura para o outro e para a saída de nós mesmos, é a partir desse momento que poderemos nos fechar de vez para o encontro, ou então, tornarmo-nos, de vez, seres abertos ao amor. Será quando faremos nossas escolhas e renúncias mais importantes ou pela abertura ou pelo fechamento, mas, o pior é que nem mesmo assim, nos livraremos do arrependimento da opção tomada, ou da renúncia obrigada.

No entanto, se ultrapassada esta fase, que também não termina, entraremos, enfim, de pés no chão e corpo ereto, porém não sem marcas, na fase da maturação – é a maturidade da relação. Nessa fase findará a insegurança, o ciúme, a negação, a intolerância, e o medo da perda. E a melodia da relação fluirá, fazendo-se a si mesma.

Os acordes dissonantes da paixão da infância se encaixarão agora como complemento harmônico de toda a melodia, os de tônica invertida, da adolescência, agora serão a marcação do ritmo, e os acordes simples e perfeitos da maturidade, garantirão a harmonia da relação que se fará sentir como se sente um noturno de Chopin.

É justo, essa utopia que a filosofia me fez querer realizar que reclamo nos fragmentos, mas que também me fez renunciar, neste manifesto em carta, pela falta de quem a ouça, pois, são apenas silvos silentes de uma ausência.

E, se é verdade o que dizem; que a utopia é um lugar que não existe, também em verdade digo, que a ausência, é um lugar outrora ocupado.

Portanto, a utopia é mesmo um sonho indispensável aos que querem construir algures o real. E o princípio para tornar este sonho concreto é acreditar, pois toda utopia é um sonho verossímil, e como todo sonho, traz consigo a possibilidade do despertar.

E para terminar digo do que deve ser a medida de nossa humanidade; a justiça e, daquilo que devemos todos nos envergonhar, por ser o limite de nossa desumanidade; a miséria humana.

E, a quem dedico estes fragmentos peço, que os ouça como quem ouve o som do silêncio da ausência, executado por um piano, pois, há no tom destes desta poética, uma sinfonia inacabada que se fará ouvir eternamente, pela insuficiência da razão sobre toda a exigência da Paixão.

Westerley

O MANIFESTO DA PAIXÃO

NO PRENÚNCIO DE UMA RENÚNCIA

Por isso incansavelmente escrevo, até que meu intelecto não mais se desassossegue com as loucuras do meu coração, pois ele, não consegue aceitar passivamente as perturbações movidas incessantemente pelas minhas paixões, que por sua vez, sempre transformam em escritos, palavras que dizem de um sentimento de frustração diante da incapacidade de traduzirem todo meu amor.

A Autora