Educação e Distribuição de renda

Distribuição de Renda

O Brasil tem um dos piores índices de distribuição de renda do mundo. Nosso índice situa-se entre os 10 piores num ranking de quase 200 países. Todos nós estamos cansados de ouvir essa afirmação, pela mídia, quando da divulgação dos números, e pelos políticos, quando em campanha eleitoral.

Mas, o que é esse tão falado índice de distribuição de renda, qual seu significado e, mais importante, como promover a sua melhora?

O mais conhecido indicador de distribuição de renda é o Índice Gini, calculado por organismos internacionais, como a ONU e o Banco Mundial, e divulgado, anualmente, em seus relatórios.

Mais apropriadamente falando, o Índice Gini mede a concentração de renda na população de um país, expressa num índice que varia de “zero” a “um”. Se todas as pessoas recebessem renda igual, o índice seria “zero”. Por outro lado, se toda a renda fosse recebida por uma única pessoa, em detrimento de todas as demais, o índice seria “um”. Obviamente, as duas situações acima citadas são teóricas, servindo apenas para citar os dois extremos do indicador. Quanto mais próximo de “zero” estiver um índice, menos concentrada estará a renda, enquanto que quanto mais próximo de “um”, mais concentrada estará a renda.

Com importantes exceções, nos países desenvolvidos, esse índice costuma ficar em torno de 0,30, enquanto que em países subdesenvolvidos costuma ficar em torno de 0,60. Conforme consta do “Human Development Report 2007/2008”, do PNUD, o Índice de Gini para o Brasil é 0,57 ( referente ao ano de 2005), valor que corresponde a uma renda muito concentrada.

O cálculo é efetuado da seguinte forma: elabora-se um gráfico de freqüência acumulada da renda detida pela população, em percentual, da menor para a maior (x% da população com Y$ da renda), formando uma curva, conhecida como Curva de Lorenz. Essa curva é comparada com a curva de distribuição igualitária (cada percentual da população corresponde ao mesmo percentual de renda). Matematicamente, o Índice Gini é o resultado do cálculo da área entre as duas curvas. Quanto mais distante a Curva de Lorenz estiver da curva igualitária, maior será a área entre elas, representando uma maior concentração de renda e vice-versa.

A análise do indicador costuma ser efetuada comparando-se a distância entre percentuais de renda mais alta com percentuais de renda mais baixa. Por exemplo, no caso brasileiro, a relação entre os 10% de maior renda com os 10% de menor renda, é de 50 vezes. Essa relação, em países desenvolvidos costuma ser 8 vezes.

Embora seja freqüente a confusão de interpretações feitas a partir desse indicador, é importante ressaltar que o Índice de Gini NÃO é um indicador de pobreza, nem mesmo uma explicação para sua existência. O índice mostra, tão somente, o grau de concentração da renda entre a população. Um país pode ter uma renda alta muito concentrada e não ter parcela da população vivendo abaixo da linha da pobreza, como é o caso dos Estados Unidos (Índice Gini igual a 0,41), ou pode ter uma renda baixa, com baixa concentração, mas com 70% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, como é o caso de Bangladesh (Índice Gini igual a 0,31).

A análise dos indicadores de distribuição de renda requer, antes de tudo, que se ponha em perspectiva o tamanho da renda que está sendo analisada (o que raramente é feito).

O que gera pobreza é renda baixa. Se a renda for alta, dificilmente haverá pobreza, ainda que essa renda seja relativamente concentrada. Nos exemplos acima, os Estados Unidos tem um PIB per capita equivalente a US$ 42.000, contra US$ 2.000 em Bangladesh.

Um índice de concentração de renda reflete, principalmente, as diferenças de capacitação na população de um país, na medida em que são pessoas capacitadas e com alto grau de qualidade de educação que fazem com que um país cresça e se desenvolva.

Voltando ao caso de Bangladesh (que não é um caso único), com cerca de 150 milhões de habitantes, PIB per capita de US$ 2.000, 70% da população vivendo abaixo da linha internacional da pobreza (renda inferior a US$ 2,00/dia), 50% analfabetos e taxa de urbanização de 35%, tem um Índice Gini de 0,31.

O Reino Unido, com 60 milhões de habitantes, PIB per capita de US$ 33.000, população totalmente alfabetizada, ninguém vivendo abaixo da linha da pobreza, e taxa de urbanização de 90%, registra um Índice Gini de 0,36 (pior que o de Bangladesh).

Ambos os países tem algo em comum: baixas diferenças de capacitação entre a população, mas em extremos opostos. Um com a população altamente capacitada e outro com a população pouco capacitada.

O caso brasileiro: 187 milhões de habitantes, PIB per capita de US$ 8.000, 11% de analfabetos, taxa de urbanização de 84%, e 20% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, registra um Índice Gini de 0,57.

Nosso índice degradou na década de 70, época do “milagre brasileiro”, quando a economia crescia da taxas 10% ao ano. Houve uma forte demanda por mão de obra qualificada, promovendo uma grande valorização de profissionais capacitados. Nosso “quadro” educacional não melhorou a ponto de diminuir as diferenças de capacitação em relação à demanda por pessoal qualificado.

Melhoraríamos nossos indicadores de concentração de renda aumentando a oferta de pessoas qualificadas e diminuindo a oferta de pessoas com baixa qualificação. Mas, o perfil educacional brasileiro ainda é muito pobre, conforme pode ser observado no relatório “Síntese de Indicadores Sociais”, de 2007, publicado pelo IBGE, relativo à população acima de 25 anos: 50% tem menos de 8 anos de estudo (incluindo 14% de analfabetos), 20% tem curso médio completo e 9% tem curso superior completo (sem entrar no mérito da qualidade do ensino).

Com o Brasil crescendo e, cada vez mais, inserido na economia globalizada, aumenta a demanda por pessoas qualificadas. Mas, o nosso sistema educacional produz pessoal qualificado de forma insuficiente e alta oferta de pessoal com baixa qualificação, o que produz um quadro de concentração de renda, que só se reverterá com a valorização, conscientização e universalização de ensino de alta qualidade.

Se a economia brasileira crescer num ritmo constante e sustentável de 5% ao ano, o aumento do PIB per capita reduzirá a parcela da nossa população que vive abaixo da linha da pobreza, mas a demanda por pessoal qualificado ainda poderá piorar nossa concentração de renda, até que todos os brasileiros tenham a educação na qualidade que merecem e que o país precisa.

Políticas governamentais de redistribuição de renda (como programas do tipo Bolsa Família, por exemplo), podem melhorar os indicadores de distribuição de renda, temporária e paliativamente, mas, mudanças eficazes, duradouras e significativas, somente serão obtidas com a mudança do perfil educacional da população. E isso leva tempo, muito tempo.

Somente o crescimento econômico contínuo e a elevação do nível educacional da população brasileira, poderão promover a diminuição das distâncias entre as rendas mais altas e mais baixas, como ocorre em países desenvolvidos

Helio Neves Guerra

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