Processo Educacional

Sobre que assunto há unanimidade em todos os países entre políticos, responsáveis por políticas públicas, técnicos, burocratas e cidadãos comuns? Raramente podemos encontrar entre os homens uma unanimidade tão clara quanto a que existe sobre a importância da educação, entendida em seu conceito mais amplo. Mesmo considerando apenas a educação formal, não temos dúvida em manter nossa afirmação sobre essa unanimidade. Entretanto, a educação tem recebido uma quantidade desproporcionalmente menor de recursos, em face dessa importância revelada e cantada em prosa e versos, em todo o mundo! Esse tratamento desproporcional da educação varia de comunidade para comunidade. Em algumas, a desproporção é geral, isto é, atinge todos os níveis de educação formal, enquanto em outras ela é localizada.

Mas o que queremos dizer com educação? O que é educação? Dentre os vários significados registrados no Dicionário do Aurélio, o que nos parece mais adequado é o seguinte: Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. Parece-nos, entretanto, que o objetivo da educação não emerge claro do significado citado. Educação é um processo que permite ao homem habilitar-se melhor para buscar sua própria felicidade, condicionado à escassez de recursos e à organização da sociedade em que vive. Nesse sentido, Mock Turtle tem toda razão. A educação promove o maior bem-estar das pessoas porque as torna mais hábeis para competir pelos recursos necessários a tal fim. A educação enriquece as pessoas e as torna mais sociáveis, a educação reduz o custo de comunicação não só na comunidade local como no mundo globalizado. Schultz (1975) reflete sobre a importância do processo educacional na habilitação do homem para enfrentar os constantes ajustamentos a que é submetido, em decorrência dos desequilíbrios econômicos e sociais tão freqüentes na sociedade moderna.

Emerge claro das evidências apresentadas por Schultz que a educação tem favorecido a convivência do homem em meio a tanto desequilíbrio, mas que há muito a aprender sobre o processo educacional. O que parece não estar claro para muitos é se o que atribuímos ao processo educacional é de fato fruto da educação. Por exemplo, há na literatura uma tese que sustenta que a educação formal serve apenas como sinalizador. A escola é usada pela sociedade apenas para identificar as pessoas de maior potencial e mais aptas ao sucesso. O processo de ensino e de aprendizagem é apenas um jogo no qual aqueles que nele têm sucesso muito provavelmente terão sucesso nas demais atividades humanas e, por isso, devem ser os escolhidos, quando de um processo de seleção para um emprego. Embora pareça absurda a hipótese de que a educação formal seja uma peneira, muitos departamentos de recursos humanos de empresas, para evitarem custos, usam essa teoria em seu processo de seleção de novos empregados. Essa é uma forma de discriminação contra o processo educacional tão perversa quanto negar-lhe acesso a recursos.

Há muitos outros preconceitos contra a educação. Neste trabalho abordaremos três que reputamos os mais importantes por afetarem, determinantemente, a relação entre o governo e o cidadão. A ação conjunta desses três preconceitos tem reduzido, e em muito, o papel da educação na sociedade em que vivemos. O primeiro preconceito refere-se à aplicação do conceito de capital ao ser humano, isto é, capital humano. Desconsiderar o capital humano no processo educacional retira-lhe grande parte de sua eficácia. Por outro lado, seu desprezo no processo de desenvolvimento econômico-social criou, por muitos anos, a crença de que é possível a um país promover seu desenvolvimento econômico direcionando recursos, primordialmente, a investimentos em capital físico.

O segundo preconceito é o de que a educação é uma missão, e aqueles que a ela se dedicam são uns abnegados idealistas que, por isso mesmo, são mal remunerados. A visão do sacerdócio docente é um dos piores preconceitos, pois retira do professor qualquer responsabilidade profissional, reduz-lhe a auto-estima e justifica sua baixa qualificação e sua dedicação.

Educação para formar o cidadão é o terceiro preconceito. Insistentemente usado como argumento para justificar uma formação comum na escola formal, produz um grau de intervenção governamental incompatível com o ambiente de liberdade próprio do processo ensino-aprendizagem.

A ação conjunta desses três preconceitos é responsável por transformar a educação formal - um problema econômico - em um problema político. O resultado é uma educação de baixo nível, pois falta-lhe liberdade para a necessária criatividade; um excesso de controle sobre a escola, com a possibilidade do desenvolvimento de uma exploração mercantilista, que apenas cumpre as normas, e uma escola pública que não tem meios de cumprir a lei que universaliza o ensino formal em todos os níveis.

A análise desses preconceitos foi o caminho que escolhemos para nossas considerações sobre a educação. Poderíamos entediar o leitor com estatísticas que desenhem um quadro otimista ou pessimista sobre a educação brasileira. Temos certeza de não chocar o leitor ao registrarmos o fato que os gastos públicos em educação superior, no Brasil, são de cerca de 1,2% do PIB, superior ao percentual aplicado pelo setor público dos EUA (1,1%), da Alemanha e da França (1,0%), da Itália (0,8%) e de outros países desenvolvidos. Que cerca de 75% dos recursos vinculados à educação no governo federal são destinados ao ensino superior. Que existem 16 milhões de analfabetos adultos e que cerca de 17% dos trabalhadores brasileiros não sabem ler e escrever. Seria fácil e confortável esse tipo de trabalho.

Assim, apresentaremos, inicialmente, a importância do conceito de capital humano para o desenvolvimento de uma escola que, se pretende, tenha um papel determinante para o progresso do homem. Explicaremos como o preconceito contra o capital humano direcionou recursos para investimentos em capital físico, relevando a um plano inferior o homem, objeto de todo esforço de desenvolvimento econômico. Tamanho contra-senso não poderia perdurar impunemente. Os custos foram altos, mas o alerta de Denison deu novo rumo às prioridades de investimento para o desenvolvimento. A seguir, sugerimos como é possível estabelecer uma política de combate à pobreza pela abordagem do capital humano. Terminamos o trabalho com observações específicas sobre o estado da educação no Brasil.

Capital Humano

Embora não tenhamos uma resposta que justifique a forma madrasta com que tratamos tão importante aspecto da formação do homem, parece-nos que muito desse viés tem a ver com um preconceito associado ao termo capital humano. Adam Smith, embora sem utilizar a expressão de forma literal, não demonstrava qualquer preconceito contra a análise econômica do investimento feito no homem. Essa não era a postura de J.S. Mill , que se recusava a considerar o homem passível de considerações econômicas. Em 1875, com um exemplo sobre a guerra, no qual a decisão era evitar perdas de canhões ou de soldados, von Thunen não só aplica o conceito de capital humano como justifica seu uso frente ao preconceito reinante, esclarecendo que tal conceito não denigre nem reduz a liberdade do homem. Alfred Marshall, em seu Principles, reluta em utilizar a expressão capital humano por razões éticas, embora reconheça seu significado. Essa relutância de Marshall seria determinante para evitar a propagação do conceito de capital humano, a despeito de sua elaboração plena por Irving Fisher, em 1906. Muito popular como livro-texto, a relutância de Marshall expressa no Principles foi suficiente para bloquear, entre os estudiosos de economia, a popularização do conceito.

Se entre os economistas era difícil a aceitação do conceito de capital humano, não poderíamos esperar outra coisa que não uma reação violenta contra tal expressão por parte dos pedagogos. À idéia de que não é ético considerar-se o capital humano agregou-se, com excessiva ênfase, a crença de que os profissionais do ensino, principalmente os professores, se dedicam a tal tarefa não pelo pagamento que recebem, mas pela importância da missão e pelo idealismo que os deve mover! A educação não é mercadoria e, portanto, o ensino formal não pode ser objeto de comércio, devendo o Estado provê-lo gratuitamente. O ensino pago resulta da impossibilidade de o Estado atender a todos. Essa visão romântico-pedagógica em muito contribuiu para se descartar a concepção de educação como investimento e a atividade docente como uma escolha racional do professor. O velho ditado quem sabe faz, quem não sabe ensina traduz de maneira clara o preconceito contra a atividade docente, indicando que só é professor quem não sabe fazer algo que lhe permita garantir seu sustento.

Os fatos, quando não analisados com o devido cuidado, podem ser interpretados de maneira desastrosa. Professores são relativamente mal remunerados em todos os países do mundo. Entretanto, em muitos lugares a profissão é respeitada e valorizada pelas comunidades. A pouca valorização do professor decorre da visão romântica da atividade docente, visão essa que leva as pessoas, e em particular os pais, a uma desvalorização da educação formal. Contrariamente ao discurso, que enfatiza a importância da educação, na sua ação as pessoas deixam claro o pouco valor que dão à mesma. A deterioração da educação pública, em todo o mundo, é a evidência mais contundente que podemos registrar. A educação pública é pobre não por falta de recursos financeiros, mas porque é do interesse de muitos políticos, professores e administradores públicos que assim seja. A educação, de um modo geral, é pobre porque é tratada como problema, e não como um investimento que virá a resolver muitos problemas. A educação é pobre porque dela se ocupam apenas os abnegados, que ganhando pouco já fazem muito por ela.

Enquanto nutrirmos o preconceito contra o capital humano e uma visão romântico-pedagógica da educação não será possível dar o devido valor à educação formal. O professor é mal remunerado pelo simples fato de que grande parte de sua remuneração não é computada em unidades monetárias: a liberdade com que conduz seu trabalho é, sem dúvida, para os que a valorizam, a maior parcela da remuneração do professor. Não há dúvidas de que muitos professores exercem essa função sem com ela se identificarem - estes são os que outra coisa não podem fazer, não são professores por opção, mas por exclusão. É triste que isso aconteça em qualquer função, e com muito mais gravidade na função pedagógica. Nosso descaso para com a educação é que permite, não que pessoas façam o que não gostam no setor de educação formal, mas que pessoas despreparadas e incompetentes permaneçam por longos anos em funções que deveriam ser ocupadas por educadores. É comum registrarem-se clamores públicos contra pessoas que, sem habilitação profissional, fazem bem a seus semelhantes; entretanto, são mais esporádicas as manifestações conseqüentes contra o ensino público de má qualidade.

Entre 1956 e 1960, T.W. Schultz, com uma série de trabalhos sobre a transformação da agricultura, reavivava a importância da educação como investimento. Num artigo de grande repercussão acadêmica, Schultz (1961) elaborou o conceito de capital humano, conforme estabelecido por Fisher: “ Se capital é uma fonte de um fluxo de renda ou de serviços, por que não se admitir que, ao produzir um fluxo de renda ou de serviços, o homem é também um capital, mas um capital muito especial, pois carrega sua natureza humana consigo?” Essa não é apenas uma questão semântica, é muito mais uma questão filosófica, com profundas implicações para a compreensão do processo de transformação econômica decorrente do desenvolvimento econômico. Isso emerge claro dos trabalhos de Schultz: modernizar a agricultura nada mais é que modernizar o agricultor; modernizar a agricultura é investir no homem do campo, promovendo sua capacidade de aprender para, ao aumentar seu conhecimento, permitir-lhe um melhor uso dos recursos que estão à sua disposição. Não há progresso econômico sem o progresso da pessoa humana; há que se investir no homem. É esta a mensagem clara dos que entendem e exploram o conceito de capital humano.

Finalmente, com a publicação, em 1964, do livro de Gary Becker sobre capital humano, a partir do início dos anos 70 o conceito passa a ser incorporado às considerações econômicas. Com o conceito de capital humano Becker desenvolve toda uma teoria de comportamento, não mais para um indivíduo isolado, mas para um indivíduo pertencente a uma família: dentro da família, as decisões sobre consumo, investimento, especialização em tarefas domésticas ou do mercado, número de filhos e espaçamento entre os filhos constituem as principais preocupações dos estudiosos. As sementes da nova teoria do consumidor, plantadas por Margareth Reid (1934), germinam de forma esplendorosa com Becker e seus seguidores (Grossman, Gez, Pollac, De Tray e tantos outros).

O Viés dos Modelos de Desenvolvimento

O mal decorrente do viés contrário ao conceito de capital humano aparece claramente nos modelos pós-keynesianos de desenvolvimento econômico que se espalharam como erva daninha em todos os países, então chamados de subdesenvolvidos, logo após a segunda guerra mundial. Identificando terra, trabalho e capital como fatores de produção, apregoavam a relativa escassez de capital físico em tais países. Assim, para saírem do subdesenvolvimento em que se encontravam era necessário que aqueles países concentrassem esforços na construção de um estoque produtivo de capital físico. Terra não se constituía em problema, e o exemplo mais citado era o do Japão. Trabalho havia em abundância e, por incrível que possa parecer, T.W. Schultz, o promotor do capital humano como limitador de desenvolvimento agrícola, dividiu o Prêmio Nobel de Economia com Sir Arthur Lewis. O modelo Lewis de desenvolvimento baseava-se na necessidade de investir em capital físico, inclusive em infra-estrutura urbana, para a promoção do desenvolvimento econômico. Isso porque sendo a mão-de-obra abundante no campo, ela seria transferida ao setor industrial pela migração rural-urbana a custo econômico zero, uma vez que o trabalhador rural tinha produtividade próxima a esse valor. Como foi possível aceitar-se, por tanto tempo, tamanho desrespeito à realidade dos fatos?

Dentre os modelos de desenvolvimento econômico, o modelo de Harrod-Domar não só é o mais popular como também foi o que maior impacto teve sobre os responsáveis pelas políticas econômicas dos países subdesenvolvidos ou, como se quer hoje, países em vias de desenvolvimento! Há duas razões para isso: a primeira é que no pós-guerra uma onda de planejamento econômico assolou todos os países da Europa, em parte pela necessidade de sua reconstrução num curto período de tempo, em parte devido ao Plano Marshall, que era um plano de investimentos para a reconstrução européia. A segunda razão decorre, em parte, do desenvolvimento de metodologias de intervenção da autoridade pública nas atividades econômicas para direcionar recursos ou estimular, artificialmente, certas atividades de seu interesse. Aliado a essa demanda por instrumentos de planejamento e controle surge um modelo simples, mecânico, fácil de ser aplicado, exigindo pouca informação para seu uso e, o mais importante, muito pouco conhecimento de teoria econômica e de organização social pelos seus usuários.

Usando o conceito de que mais produto pode ser obtido com mais capital físico, uma vez que os outros fatores produtivos não limitam a produção, o modelo Harrod-Domar concentra sua operacionalidade sobre um único conceito: a relação capital/produto. Conhecida a relação capital/produto da economia, estabelecido o nível de investimentos em capital físico, determina-se com facilidade a taxa de crescimento do país. Só o capital físico limitava o crescimento e, portanto, o esforço desenvolvimentista deve concentrar-se na formação de capital físico. Desenvolvimento econômico passou a ser sinônimo de investimento em capital físico. O homem, mão-de-obra abundante, pouco importava, embora a retórica insistisse em investimentos em saúde, educação e saneamento básico. Em toda a América Latina e em parte da Ásia, pelo menos, era assim que os responsáveis pelas políticas públicas entendiam o processo de desenvolvimento econômico.

A ação política decorria de tal concepção. A formação acelerada de um estoque de capital físico exigia subsídios aos investimentos em máquinas e equipamentos, a concentração dos investimentos públicos na produção da infra-estrutura urbana, de energia e de transporte. Enquanto o capital físico era importado ou produzido localmente com subsídios, o trabalho, o capital abundante, era irresponsavelmente taxado.

Embora essa euforia de planejamento chegue até meados dos anos 70, a reação a tamanha miopia emerge quase que imediatamente de forma fragmentada e considerando aspectos do processo de desenvolvimento econômico e social. A falácia do desenvolvimento fácil através de investimentos em capital físico é denunciada de forma categórica por um trabalho de Denison, em meados dos anos 50 e início dos anos 60.

O alerta de Denison e o Reconhecimento Acadêmico do Capital Humano

Usando o conceito de função de produção, isto é, como é possível combinar trabalho e capital para obter uma certa quantidade de produto, Harrod concebe um índice de produção agregada. Assim, o índice de produto da economia (PIB, por exemplo) pode ser explicado por um índice de trabalho (horas trabalhadas) e por um índice de capital (horas de máquinas). Essa interpretação permite uma melhor compreensão dos trabalhos sobre produção agregada que chamavam a atenção dos estudiosos pelo fato de ser substancial a parte da variação do produto não explicada por capital e trabalho – a esse resíduo não explicado os economistas atribuíam a contribuição da tecnologia. Desse modo, tudo o que não podia ser explicado pelo trabalho ou pelo capital era imputado às mudanças tecnológicas. Até hoje, a tecnologia constitui um mistério para aqueles que desejam quantificar sua importância no crescimento do produto. Isso se deve ao fato de a tecnologia afetar não só a quantidade dos fatores mas, principalmente, sua qualidade e a qualidade do produto, para não falarmos de inovações institucionais de organização social.

Denison, num estudo sobre o crescimento da economia dos EUA, dá especial atenção a esse resíduo, isto é, a parte da variação do produto não explicada pelas variações de trabalho e de capital. Em parte, argumentava Denison, o resíduo está associado às variações tecnológicas, mas trabalho não é um fator homogêneo, e sua contribuição para o crescimento do produto não é tão simples. Assim, Denison procurou identificar como variações no número de trabalhadores, na sua qualificação e na sua alocação setorial afetavam o produto. O número de trabalhadores era caracterizado pela PEA (população economicamente ativa), enquanto sua qualidade era caracterizada pelos anos de escola formal, pela idade e pelo sexo do trabalhador. Os efeitos alocativos do trabalho sobre o produto foram caracterizados pela variação do emprego setorial, isto é, pela migração do trabalho de um setor para outro.

Desse modo, Denison reduziu a importância do desconhecido resíduo na explicação da variação do produto. Caracterizando, ainda que de forma imperfeita, o conteúdo de capital humano da PEA, Denison aumentou o conhecimento sobre a importância do homem no processo produtivo, bem como o papel desempenhado por suas diversas características gerais, como educação, idade e sexo. Como era de se esperar, a questão levantada por Denison para o fator trabalho também procede para o fator capital. Uma máquina produzida há cinco anos não é igual a uma máquina produzida hoje, mantendo-se o mesmo fabricante. Baseado nesse princípio, qual seja, a idade do equipamento está associada à qualidade do equipamento, Jorgenson-Griliches aplicaram a mesma técnica de Denison para o fator capital. O resíduo não explicado tornou-se ainda menor, sendo que parte da melhoria tecnológica passou a ser absorvida pela qualidade dos fatores: máquinas melhores incorporam a nova tecnologia que exige trabalho mais qualificado (mais escolaridade, mais experiência). Com esses resultados, passa a não fazer sentido o uso da relação capital/produto num contexto de planejamento. Sua importância, entretanto, seria preservada por mais algumas décadas, assim como o próprio processo de planejamento governamental.

O trabalho de Denison foi reproduzido por diversos autores, para vários países, apresentando, consistentemente, resultados que comprovavam a relevância do capital humano para o crescimento do produto. Aplicações da metodologia de Jorgenson-Griliches são mais difíceis de serem encontradas, pois as informações sobre estoque de capital físico por ela requeridas são mais raras. Langoni (1974) , ao aplicar a metodologia de Denison para o caso brasileiro, considerou dois períodos: 1950-60 e 1960-70. Anos mais tarde, em sua dissertação de mestrado, Dulcos (1990) reproduziu o estudo de Langoni, no que se refere à contribuição do capital humano, para os seguintes períodos: 1950-60; 1960-70; 1970-80 e 1980-86.

Esses dois trabalhos apresentam resultados semelhantes aos elaborados para outros países: para todos os períodos considerados, o fator trabalho participa com mais de 50% do PIB. A contribuição líquida da educação formal para a taxa de crescimento do produto varia de cerca de 9% a cerca de 44% no período de mais baixo crescimento (1980-86). Em resumo, os estudos sobre a importância do capital humano no crescimento da economia brasileira indicam:

a) a escolaridade é a qualidade mais importante na explicação da taxa de crescimento do PIB;

b) idade, como proxy para experiência, tem pouca relevância quando o produto cresce mais rápido, sendo mais importante nos períodos recessivos;

c) o aumento da participação da mulher está associado a uma contribuição negativa, indicando que a alternativa de maior uso do trabalho feminino decorre da escassez relativa de mão-de-obra masculina ou da possibilidade de uso do trabalho da mulher a menores salários.

d) quanto maior o dinamismo da economia, maior a contribuição da realocação do trabalho na economia.

Um subproduto importante de trabalhos à la Denison é a constatação de que os investimentos no ser humano geram um retorno superior ao retorno obtido nos investimentos em capital físico. Langoni (1974) calculou que a média ponderada do retorno de investimentos em capital humano era de 28% ao ano, enquanto o retorno de investimentos em capital físico, no mesmo período, variava entre 14% e 16% ao ano. Um outro resultado importante é que os retornos dos investimentos em capital humano, quando avaliados a custos e benefícios sociais, são superiores aos retornos dos mesmos investimentos valorizados a custos e benefícios privados, principalmente pelos ganhos que temos por convivermos com pessoas mais bem-educadas, mais bem informadas, com as quais podemos nos comunicar a custos mais baixos. Esse ganho sem custo (externalidade positiva) que a educação produz para cada membro da sociedade é maior no ensino fundamental e menor na educação superior. Só como indicação desse diferencial, registrado por todos os estudos dessa natureza, Langoni (1974) estimou para o antigo curso primário (primeiras quatro séries do atual ensino fundamental) um retorno social da ordem de 32% ao ano, enquanto os investimentos em educação superior produziam um retorno social de cerca de 12% ao ano.

Outras evidências foram consolidando o conceito de capital humano entre os economistas: Kuznets (1963), por exemplo, justificava a concentração de renda nos períodos de crescimento mais rápido pela maior escassez relativa de trabalhadores com a qualificação que tal crescimento exigia. Como é necessário tempo para que se prepare e qualifique o trabalhador segundo as demandas do mercado, os poucos com tal qualificação passam a receber um prêmio em sua remuneração pela escassez relativa de tais habilidades. Essa tese de Kuznets foi pivot de uma acirrada discussão acadêmica no Brasil, em meados dos anos 70. Em seu trabalho sobre distribuição de renda no Brasil, Langoni (1973) apresenta evidências de que a proposição de Kuznets (1963) se verifica para o Brasil no período do milagre econômico.

Dois exemplos adicionais para atestar o reconhecimento da importância do capital humano: a rápida recuperação da Europa do pós-guerra não pode ser imputada apenas ao Plano Marshall. Num período mais longo, a América Latina recebeu de ajuda externa montante superior ao que foi transferido à Europa, com seu capital físico devastado; na verdade, a grande diferença está no fato de que a Europa tem instituições sociais sólidas e uma população sobrevivente com elevado conteúdo de capital humano. Essas duas condições faltam à América Latina, e isso pode justificar o fracasso dos investimentos físicos na tentativa de promover o desenvolvimento econômico da região.

O fantástico crescimento da produtividade do trabalho é explicado pela melhoria da qualidade do fator trabalho, expressa na maior escolaridade e em investimentos das empresas no treinamento no trabalho. Vários estudos comprovam os ganhos, tanto pessoais como sociais, pelo investimento no homem. Com o acúmulo de evidências empíricas para os mais variados países, fica cada vez mais claro que os ganhos de investimento em capital humano são superiores aos dos investimentos em capital físico.

A despeito de tantas evidências sobre a importância de se investir no homem, alguns países, como o Brasil, mantêm políticas que discriminam o capital humano. A totalidade dos países trata, para efeitos fiscais, diferentemente a depreciação do capital: subsidiando a do capital físico e desconsiderando a do capital humano. Além disso, não há qualquer reconhecimento do impacto do desemprego sobre o capital humano. Na maioria dos países há restrições ao acesso a várias profissões, se não a todas, quando devidamente registradas. Como não se pode separar o homem do seu capital humano, as condições de emprego do capital humano estão sujeitas a exigências maiores que as que condicionam o emprego do capital físico.

Sob uma ótica social, as taxas de retorno dos investimentos em capital humano são muito superiores às obtidas, em média, em investimentos em capital físico em todo o mundo. Imperfeições no mercado de capitais impedem maiores investimentos em capital humano, justificando desse modo sua elevada taxa de retorno. Há, portanto, um subinvestimento em capital humano no mundo, em decorrência de imperfeições no mercado de capitais. Essas imperfeições bloqueiam o acesso ao crédito para pessoas que prometem pagá-lo com o resultado de sua maior escolaridade - sem garantias físicas não há crédito. Estudos indicam que sob o ponto de vista privado os maiores retornos médios são para os investimentos correspondentes à aquisição dos conhecimentos da escola fundamental (da 1a a 4a séries) e para a educação universitária.

Políticas de Combate à Pobreza, Pela Abordagem de Capital Humano

De um modo geral, aqueles que se intitulam social-democratas parecem querer monopolizar possíveis soluções para os chamados problemas sociais, que podem ser resumidos em uma única palavra: pobreza. O combate à pobreza é facilmente concebido através de um conjunto de políticas públicas ditas políticas sociais, e na repartição do poder político os partidos autodenominados progressistas insistem em manter o controle das secretarias ou ministérios cujas atividades estão ligadas a essas políticas sociais. Em quase todo o mundo, alegando promover a melhoria da qualidade de vida dos pobres, tais políticas têm acabado por penalizá-los. Para usarmos a imagem de Adam Smith sobre políticas públicas, as autoridades, com o intuito declarado de promover o bem-estar dos desvalidos, são como que conduzidas por uma mão visível (dos grupos de interesse) a promover o bem-estar de poucos a expensas de muitos. Os exemplos são tão abundantes que dificilmente passariam despercebidos até para um observador ingênuo dos eventos sociais: Quem gosta de pobreza é intelectual. Pobre gosta é de luxo (Joãozinho Trinta, carnavalesco).

Os desastres da intervenção equivocada das autoridades públicas têm sido objeto de análise de vários autores (ver, por exemplo, Liberdade de Escolher, do casal Friedman). No caso brasileiro, temos acompanhado os benefícios apropriados pela classe média alta em decorrência de políticas sociais (o subsídio à aquisição da casa própria pelo SFH; o subsídio à educação superior em universidades públicas), bem como a penalização de grupos que se deseja proteger com a intervenção (salário mínimo, proteção à mulher trabalhadora).

O conceito de capital humano é muito útil para considerarmos ações públicas contra a pobreza, e é disso que trataremos a seguir. Antes, porém, faremos alguns comentários sobre a contribuição da ciência econômica à análise de problemas sociais e tentaremos, depois, descrever algumas causas das dificuldades do ser humano em aprender, apresentando evidências empíricas sobre a importância da educação e da saúde na capacidade de gerar renda e, conseqüentemente, da importância do meio socioeconômico no qual as pessoas vivem. A seguir, damos algumas sugestões de como quebrar o famoso círculo vicioso da pobreza e da miséria.

A contribuição da Teoria Econômica

A ciência econômica trata do problema vital do ser humano, qual seja, a escassez dos recursos produtivos existentes vis-à-vis o desejo ilimitado das pessoas de satisfazer suas necessidades. De modo a considerar o problema da alocação dos recursos na produção de bens e serviços para satisfazer tais necessidades humanas, os economistas definiram como unidade decisória o indivíduo; entretanto, o ser humano vive em pequenos aglomerados dentro das sociedades, aos quais se convencionou chamar família. Embora extremamente útil e com boa capacidade de previsão, a teoria econômica baseada no indivíduo como unidade decisória não permitia analisar uma série de problemas que surgem dentro da família, tais como quantos filhos ter, como educar os filhos, etc. Por isso mesmo, por muito tempo tais problemas eram apenas considerados por outros cientistas sociais. Então, com o desenvolvimento do que se convencionou chamar de nova teoria do consumidor, a unidade decisória passou a ser a família e não mais o indivíduo isolado.

Na nova teoria do consumidor a unidade decisória é a família, cujos membros são vistos como produtores de bens e serviços vendidos no mercado e consumidos internamente pelos seus próprios membros. Dessa forma, as atividades dos membros da família incluem não só o trabalho remunerado fora do domicílio, como tradicionalmente se faz, mas também o trabalho não-remunerado explicitamente executado por membros da família, dentro do domicílio. Assim, as chamadas atividades domésticas, como tomar conta das crianças, lavar roupa, cozinhar etc., passaram a ser incorporadas na análise econômica do comportamento humano.

Essa reformulação permitiu que se incorporassem nas análises econômicas aspectos do comportamento humano até então tratados por sociólogos, demógrafos, psicólogos etc. Não nos cabe aqui apresentar formalmente a nova teoria do consumidor, e sim chamar a atenção para o fato de que essa teoria se constitui num excelente instrumental analítico do comportamento humano, com suas limitações, é claro, mas que pode e deve ser usado pelos demais cientistas sociais.

Como vimos, desde os primórdios do desenvolvimento da ciência econômica os economistas têm considerado a importância do homem e a importância de sua qualificação no processo produtivo. Entretanto, como já destacamos, somente a partir dos trabalhos de Schultz é que a teoria do capital humano passou a ser explicitamente considerada pelos economistas (capital é um bem durável capaz de gerar renda; assim, o automóvel pode ser um bem de capital, porquanto pode ser usado para gerar um fluxo de renda - ou mesmo de serviços).

Capital humano nada mais é que a capacidade que tem o ser humano de produzir renda (monetária ou não) ao longo de sua vida. Por certo, o valor do capital humano, isto é, o fluxo de renda por ele gerado, deve depender da qualidade do ser humano ao qual se associa esse capital. Um trabalhador braçal tem que possuir uma dose razoável de capacidade física para executar seu trabalho, enquanto um trabalhador intelectual necessita possuir uma dose menor de capacidade física para executar o seu. Assim, define-se capital humano como a capacidade física, psíquica e intelectual do indivíduo.

O valor do capital humano associado a cada indivíduo dependerá, conseqüentemente, do fluxo de renda que cada indivíduo, com seu respectivo capital humano, poderá gerar ao longo de sua vida produtiva. Podemos dizer que o capital humano de cada indivíduo corresponde aos atributos natos e aos atributos adquiridos através de um processo de aprendizagem, ao qual os economistas chamam de investimento. Dessa forma, se quisermos analisar como o capital humano é acumulado a partir dos atributos natos teremos que considerar o que limita a capacidade de aprender das pessoas na acumulação de atributos adquiridos.

Causas das Dificuldades no Aprendizado

Os atributos natos são aqueles que o indivíduo traz ao nascer, isto é, suas características hereditárias, sua capacidade de aprender, sua habilidade pessoal, etc. Esses atributos podem ser ampliados, retardados, incentivados ou desincentivados durante o processo de vida do indivíduo. Os atributos adquiridos são aqueles produzidos no seio da família ou mesmo na coletividade, e estão condicionados aos atributos pessoais originais. Os indivíduos têm capacidade consciente de promover apenas os atributos a serem adquiridos, porque os atributos natos, por definição, são as características individuais ao nascer. Dessa forma, condições de saúde e educação inibem ou incentivam, através dos atributos adquiridos, os atributos natos, formando, conseqüentemente, o capital humano do indivíduo, o que quer dizer que é possível acumular capital humano através de investimentos em saúde e educação.

Para efeito de análise, o que nos interessa são os atributos adquiridos, porque os atributos natos dependem, fundamentalmente, de questões étnicas (exceto em casos especiais), uma vez que esses atributos são determinados, até certo ponto, involuntariamente, pelos pais do indivíduo. O que determina, então, os atributos adquiridos pelo indivíduo? Evidentemente, as condições socioeconômicas nas quais o indivíduo se desenvolve são fundamentais. Cremos que a inter-relação entre renda familiar, saúde e educação deve explicar grande parte da possibilidade de os indivíduos adquirirem capital humano.

Por certo, a renda familiar é extremamente importante na determinação das possibilidades de os indivíduos adquirirem capital humano. Ela se constitui na grande restrição quantitativa imposta às famílias na aquisição de bens e serviços, inclusive aqueles necessários à formação do capital humano de seus membros. A renda familiar depende do capital humano das pessoas economicamente ativas na família, isto é, da escolaridade, das condições de saúde e, conseqüentemente, da produtividade das pessoas que trabalham. Os membros economicamente ativos em uma família têm um nível de saúde e educação no momento atual que resulta de gastos anteriores, realizados por eles mesmos ou por seus familiares. Como, de um modo geral, alta renda está associada a alto conteúdo de capital humano, a inter-relação entre saúde, educação e renda determina, para as famílias mais pobres, o que se convencionou chamar de círculo vicioso da pobreza e da miséria. Indivíduos com baixo conteúdo de capital humano possuem baixa produtividade, tudo o mais constante, comparativamente a indivíduos com alto conteúdo de capital humano. Baixa produtividade implica baixa remuneração que, por sua vez, limita a capacidade de os indivíduos terem acesso a bens e serviços que aumentem seu capital humano, principalmente educação e saúde. A grande dificuldade em se quebrar esse círculo vicioso reside principalmente na impossibilidade de os indivíduos se endividarem com base em suas rendas futuras provenientes de seu trabalho. Pela impossibilidade de investirem em si próprios, devido às restrições da baixa renda e às distorções no mercado de capitais, esses indivíduos não podem aumentar sua produtividade e, conseqüentemente, seus rendimentos provenientes do trabalho. Esse círculo vicioso estende-se aos membros da família, isto é, os filhos dos trabalhadores pobres tendem a continuar pobres, já que suas famílias não têm capacidade de lhes propiciar os meios materiais, psicológicos e ambientais necessários ao desenvolvimento de seus atributos natos (que por questões de saúde já são bastante limitados, nos casos de maior pobreza), de modo a aumentar-lhes seus conteúdos de capital humano.

Os economistas têm dedicado muito de seu tempo ao estudo da importância do processo educacional na determinação da renda dos indivíduos. As indicações são de que a sociedade como um todo se beneficia mais de investimentos nos homens do que nas máquinas. Senna (1976) verificou que grande parte das diferenças salariais observadas no setor industrial brasileiro resulta da diferença no conteúdo do capital humano dos trabalhadores - nesse caso, o capital humano foi medido apenas em termos de escolaridade formal (anos na escola) e experiência no trabalho. A experiência no trabalho pode compensar, em parte, a baixa escolaridade, mas as atividades nas quais a experiência no trabalho é mais importante requerem geralmente alto conteúdo de capital humano.

Infelizmente, poucos são os estudos na área da saúde. Ainda assim, as indicações existentes são de que as condições de saúde de nosso povo são precárias. Em estudo realizado na Cidade de São Paulo em 1973, o DIEESE constatou fortes deficiências nutricionais no trabalhador paulista para calorias, vitamina A, tiamina, riboflavina e vitamina C. Resultados semelhantes foram encontrados pelo grupo interdisciplinar da USP (Escola Paulista de Medicina e Instituto de Pesquisas Econômicas), sendo que, nesse caso, o estudo foi feito no âmbito familiar visando, primordialmente, uma análise do estado nutricional das crianças entre 6 e 60 meses de idade no Município de São Paulo. Essa pesquisa constatou problemas graves de insuficiência calórica, de ferro e de vitamina A. Em pesquisa feita com famílias de conjuntos habitacionais da cidade do Rio de Janeiro o Instituto Brasileiro de Economia – IBRE, da Fundação Getúlio Vargas, constatou, em 1973, deficiências nutricionais importantes, semelhantes àquelas encontradas nos estudos paulistas.

Esses estudos nos indicam ainda uma forte correlação entre renda familiar baixa e deficiência nutricional. Utilizando os dados coletados pelo IBRE, Carvalho (1981) conduziu uma pesquisa que visava esclarecer, em parte, a inter-relação entre renda familiar, saúde e educação, e construiu um índice nutricional um pouco arbitrário mas que, acreditamos, refletiu o estado nutricional da família. Ao analisar esse índice, utilizando métodos estatísticos, Carvalho observou que famílias cujas mães possuíam escolaridade mais alta apresentavam melhor índice nutricional. Observou também o autor, como era de se esperar, que o índice nutricional era melhor para as famílias que mais gastavam em alimentação. Embora existam controvérsias quanto ao efeito do aumento da renda sobre a ingestão de calorias, Deaton (1997) apresenta evidências robustas de que a elasticidade renda da ingestão de calorias é positiva e não tão baixa como alguns estudos apregoavam (ver, em especial, seu capítulo 4). Esse fato é de particular importância, pois indica que o progresso econômico reduz a pobreza pela melhoria nutricional das pessoas. Esses resultados evidenciam a importância da educação na produção doméstica de nutrientes, bem como a importância do aumento da renda familiar na melhoria da produção de nutrientes no domicílio

Boa nutrição é fundamental na determinação do estado de saúde da família, e o estado de saúde é importante para determinar a capacidade de aprendizado dos membros da família e, conseqüentemente, sua capacidade de gerar renda. Como Carvalho não tinha disponível um índice de boa saúde, adotou a taxa de sobrevivência dos filhos, isto é, o número de filhos vivos dividido pelo total dos filhos nascidos, como uma medida da condição de saúde na família. Essa aproximação se justifica pelo fato de que a mortalidade infantil deve estar altamente associada à má condição de saúde na família. Uma vez mais, o autor utilizou métodos estatísticos para explicar a variação da taxa de sobrevivência de filhos entre as famílias estudadas.

Entre outras coisas, a análise mencionada revelou mais uma vez que maiores níveis de escolaridade da mãe estavam altamente associados a maiores taxas de sobrevivência dos filhos, isto é, quanto maior o grau de escolaridade da mãe, maior a taxa de sobrevivência dos filhos. Tanto no caso de nutrição como no de saúde a educação do pai mostrou-se também importante, mas a significancia estatística é maior para a educação da mãe. Uma outra observação interessante que resultou dessa análise foi a constatação, de forma muito indireta, de que piores condições de moradia no passado estão associadas à baixa taxa de sobrevivência dos filhos, isto é, à alta mortalidade infantil.

Esses resultados indicam a importância da mãe no processo produtivo interno da família, bem como a importância de sua educação nas chamadas atividades domésticas e, em especial, na produção de saúde para os membros da família.

Em sua análise da inter-relação renda, saúde e educação, Carvalho constatou que a renda familiar não está estatisticamente associada à taxa de sobrevivência dos filhos. Ora, deveríamos esperar que quanto maior a renda familiar, maior a taxa de sobrevivência dos filhos; entretanto, a amostra em questão se refere apenas a famílias de renda baixa que, por certo, têm necessidade de utilizar os benefícios do INPS a um elevado custo de tempo, embora baixo custo monetário. Talvez, por isso mesmo, explica o autor, é que a renda monetária não se apresente, nesse caso, como o grande limitador da obtenção de serviços médicos.

A importância do INPS na prestação desses serviços médicos pode ser constatada pelo seguinte fato: no estudo da USP a que nos referimos, 90% das mães tiveram assistência pré-natal. Na faixa de renda familiar mais baixa, isto é, entre 0 e 0,5 do salário mínimo por pessoa na família, 73% das mães tiveram assistência pré-natal. Além disso, cerca de 95% dos partos foram feitos em hospitais. Embora esses sejam resultados de uma amostra muito particular, eles nos indicam que a existência do INPS contorna, em parte, o problema de acesso aos serviços médicos, ocasionados pela baixa renda familiar. Infelizmente, a pressão sobre os serviços do INPS e sua conseqüente deterioração devem ter mitigado, nos anos recentes, esse efeito positivo sobre as famílias de baixa renda.

Embora o INPS colabore em parte para minorar os problemas de saúde, as restrições de renda são bastante importantes. Ainda no estudo da USP, a desnutrição mais grave e o raquitismo foram observados nas famílias de renda mais baixa. A baixa renda também restringe a qualidade da habitação que, por sua vez, é muito importante para a determinação do estado de saúde da família. Habitação precária está, de um modo geral, associada a precárias condições sanitárias, o que seguramente contribui para deteriorar a saúde das famílias de renda mais baixa, restringindo-lhes, portanto, a possibilidade de, pelo acúmulo de capital humano, via educação, aumentarem sua produtividade e, conseqüentemente, sua renda. Desde o início dos anos 70, estudos comprovam um menor gasto relativo do Sistema Nacional de Saúde em atividades geradoras de melhores condições sanitárias e de saúde pública.

Como Quebrar o Círculo Vicioso da Pobreza e da Miséria

Embora a quebra do círculo vicioso da pobreza e da miséria só possa ser conseguida a longo prazo, pelo que foi exposto aqui parece-nos claro que a forma mais viável de se quebrar tal círculo é através da implementação de políticas que visem ao aumento do conteúdo de capital humano das pessoas mais pobres.

Nesse caso específico, a intervenção do Estado através dessas políticas pode ser desejada, primeiro, pelas externalidades1 associadas às condições de educação e saúde da coletividade e, segundo, pela impossibilidade de as pessoas que possuem apenas capital humano terem acesso ao mercado de capitais, isto é, tomar emprestado para acumular capital humano e então amortizar suas dívidas.

A importância da educação no processo produtivo familiar, constatada por Carvalho e em outros trabalhos empíricos, sugere um maior investimento em educação. Especi-ficamente, esses investimentos devem se concentrar nos cursos fundamental e médio, pelo seu maior impacto sobre a eficiência dos indivíduos na produção de bens domésticos ou não, e sobre sua capacidade de absorver informações.

Uma vez que a saúde se constitui no pré-requisito básico do aprendizado, é fundamental uma análise detalhada do Sistema Nacional de Saúde de modo a se redirecionar e, se for o caso, ampliar o volume de recursos nele aplicados, para que se obtenham efeitos mais positivos no sentido de solucionar o problema da pobreza.

Como vimos, o INPS exerce um papel importante no acesso a serviços médicos e hospitalares da população mais pobre. Infelizmente, seu trabalho está muito mais associado ao tratamento de pessoas doentes do que em evitar que pessoas fiquem doentes. Nesse sentido, é importante que se redirecionem recursos para a produção de melhores condições sanitárias e de saúde pública, bem como para programas de esclarecimento público, de modo a se prevenir maior incidência de doenças e, conseqüentemente, a redução na capacidade de trabalho dos indivíduos. Note-se, entretanto, que informações sobre boas práticas alimentares e de higiene só podem ser absorvidas se os chefes de família possuírem um mínimo de capacidade de absorver informações.

Investimentos em educação e saúde devem ser feitos visando, precisamente, à melhoria da qualidade de nossas crianças. É mais ou menos aceito por todos os cientistas sociais, médicos inclusive, que os seis primeiros meses de vida de uma criança são extremamente importantes no que se refere à sua capacidade de aprender e, conseqüentemente, à sua capacidade de acumular capital humano ao longo de sua vida.

Num estudo importante, Reutlinger Selowsky (1976) constataram que a má nutrição nos primeiros três meses de vida da criança pode causar danos sérios à sua capacidade de aprender. O estudo conduzido por esses autores utilizou como medida de capacidade de aprender e de inteligência testes do tipo QI. Por certo os índices de QI não representam uma boa medida para a capacidade de aprender e de inteligência, mas esses índices foram considerados em razão da dificuldade de se definir empiricamente tais conceitos e pela impossibilidade daquela pesquisa de utilizar medida melhor. Ainda que imperfeita, a análise de Reutlinger-Selowsky (1976), como de vários outros estudiosos do problema, indica-nos que programas que visem melhorar a saúde das crianças podem ser, no longo prazo, uma das melhores alternativas para o combate à pobreza.

Educação no Brasil

A Constituição brasileira dedica o Capítulo II do Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, aos denominados direitos sociais. O art.6 estabelece: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Apesar de nomear os direitos sociais, a Carta Magna não conceitua o que são tais direitos. Concentra, entretanto, toda explicação sobre os direitos dos trabalhadores (art. 7 ao 11), sem qualquer referência aos demais direitos. Não é de nosso interesse discutir o conceito de direito social. Assim, registramos apenas duas observações: a) todo direito só pode ser definido num contexto social e, b) não se pode caracterizar um direito que dependa de recursos escassos para sua existência, porquanto este fica condicionado à existência de recursos, não sendo por isso mesmo possível manter-se o princípio da igualdade - uns podem exercer esse direito e outros não.

No Capítulo III do Título VIII, Da Ordem Social, a Constituição trata da educação, da cultura e do desporto. A educação é considerada nos art. 205 a 217. Dois artigos são de particular interesse para este nosso trabalho: o art. 205, complementado pelo art. 206 (estabelece os princípios que norteiam o ensino no País), pelo 208 (caracteriza o dever do Estado para com o processo educacional) e pelo art. 209.

O art. 205, que define educação como direito de todos e dever do Estado e da família, estabelece que esta será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Sem dúvida, há necessidade de recursos para que possamos, como sociedade organizada, garantir educação para todos, em todos os níveis. Para tanto, a própria Constituição estabelece que o Executivo destine à educação recursos provenientes de receita fiscal, não inferiores a 18%, no caso da União, e 25%, nos casos dos estados e dos municípios (art. 212). Infelizmente, poucos são os estados e municípios que cumprem tal norma.

O progresso das matrículas na educação formal é incontestável. Segundo as estatísticas oficiais do MEC/INEP, a pré-escola (que inclui creche) teve sua matrícula multiplicada por 20 em 1997, se comparada com as matrículas de 1970. Em parte, essa demanda por pré-escola para crianças de zero a seis anos se deve à crescente participação da mulher na força de trabalho e, em parte, pela expansão da oferta do setor público, praticamente inexistente até o início dos anos 80. Nem toda matrícula na pré-escola ocorre em unidades escolares administradas pelo setor público: oficialmente, cerca de ¼ dessas matrículas ocorre em organizações particulares. Esse percentual deve estar subestimado, pois muitas creches funcionam informalmente, isto é, sem os devidos registros, não sendo por isso mesmo consideradas nas estatísticas oficiais.

O crescimento das matrículas, no mesmo período, nos demais níveis de ensino foi, embora menor que o da pré-escola, significante: 115% no ensino fundamental; 472% no ensino médio e 367% no ensino superior. Uma vez mais, o setor privado contribuiu para o atendimento da demanda por educação formal com importância relativa bem diversificada: 12% no ensino fundamental; 20% no ensino médio e 59% no ensino superior.

Tamanho crescimento na oferta de matrículas deve ter produzido uma substancial melhoria na qualidade do povo brasileiro, uma vez que a educação é o instrumento de liberação da pobreza. Constata-se, por exemplo, que em 1996, segundo os dados da PNAD/IBGE, cerca de 96% de nossas crianças entre 7 e 14 anos estavam matriculadas em alguma série de uma escola regular e que, no mesmo ano, o analfabetismo atingiu 14,7% da população de 15 anos ou mais, comparados com 33,6% em 1970. Por isso mesmo, em 1996 registraram-se 31,5% de analfabetos na população de 50 anos ou mais; 25,7% na população entre 30 e 49 anos; 15,2% na população de 20 a 29 anos; 6% para a população entre 15 e 19 anos e, curiosamente, 8,3% para a população entre 10 e 14 anos.

O Professor Simonsen costumava afirmar que estatística é como biquíni, mostra muito mas esconde o essencial! De fato, as estatísticas de analfabetismo dão a entender que a pobreza que nos cerca é incompatível com a melhora escolar do povo brasileiro. Melhora no atendimento escolar da população não é exatamente melhora no conteúdo de capital humano das pessoas - é preciso que a qualidade da escola tenha sido mantida ou melhorado. É preciso que as pessoas responsáveis pelas decisões familiares tenham melhorado seus níveis de conhecimento para administrar melhor seus recursos escassos, o volume de informação que as massacra e cuidar melhor de seus filhos.

Tomando os mesmos dados da PNAD/96 observamos, para os chefes de domicílios particulares, que na zona rural 50% das mulheres e 34% dos homens não têm qualquer instrução; esses percentuais caem para a zona urbana, respectivamente, para 19% e 11%. Chefes de domicílios que completaram o antigo curso primário, obrigatório por ser dever do Estado, correspondiam, no caso feminino, a cerca de 16,7% (rural 10,9% e urbana 17,4%), e no caso masculino a 18,6% (rural 17,4% e urbana 19%). Se considerarmos os chefes de domicílios que completaram a escola fundamental, esses percentuais caem para 7,3% (rural 2,5% e urbana 7,9%), no caso das mulheres e 8,8% (rural 3,3% e urbana 10,3%), no caso dos homens.

Essa mesma fonte de dados apresenta a mobilidade educacional interge racional para o Brasil e grandes regiões. A mobilidade educacional inter-geracional compara a educação da pessoa considerada com o nível de educação do seu pai e, alternativamente, de sua mãe. Excluída, como em todos os casos, a população da zona rural da região Norte, essa pesquisa indica, quando consideramos a mobilidade com relação ao pai, que cerca de 75% da população brasileira não apresentam qualquer mobilidade, isto é, os filhos têm a mesma escolaridade do pai. A mobilidade ascendente é registrada para cerca de 21% da população pesquisada, sendo que 4,6% apresentam uma mobilidade descendente com relação ao pai. A região Nordeste apresenta as maiores mobilidades, tanto ascendente (23,3%) como descendente (7,5%). Considerando a mobilidade em relação à escolaridade da mãe, os resultados são melhores: cerca de 68% apresentam imobilidade, 29,2% mobilidade ascendente e 3,0% mobilidade descendente.

Assim, parece que a melhoria da escolaridade ainda não teve um impacto significante sobre os chefes de domicílios e, conseqüentemente, sobre seus filhos. Cerca de 20% a 30% dos brasileiros atingem um nível de escolaridade superior ao de seus pais. Como partimos, em 1970, de uma baixa escolaridade para os pais (cerca de 30% sem qualquer instrução), a importância relativa da mobilidade ascendente não é forte o suficiente para reduzir, de maneira marcante, a pobreza que nos cerca. Além disso, é preciso que a melhora quantitativa venha acompanhada de uma manutenção ou melhora da qualidade de nossa escola.

Qualidade da Escola

A preocupação com a qualidade da escola é global. Avaliações sobre sistemas e sobre o ensino específico têm marcado a escola, em todos os níveis de ensino, desde o final da década de 70. Wolf-Schiefelbein-Valenzuela (1994) pesquisaram a melhoria da qualidade na educação primária em 19 países da América Latina e do Caribe, o Brasil inclusive. Em sua avaliação, os autores consideraram que as crianças que completassem a escola primária deveriam saber ler e escrever, possuir conhecimentos básicos de matemática e, dessa forma, adquirir autoconfiança para serem capazes de enfrentar e resolver problemas. Para 18 países foi constatado que bons livros e acesso à pré-escola melhoravam o rendimento do aluno na escola primária. Os salários dos professores e o tamanho das turmas afetavam muito pouco os resultados do processo ensino-aprendizagem. Entretanto, seu sucesso estava intimamente associado a métodos personalizados de ensino, à formação básica e à experiência docente do professor, ao tempo disponível para aprender e ao ambiente em que viviam os alunos, bem como à participação dos pais no processo educacional e no desenho do currículo.

Os resultados apresentados nesse relatório para o ano de 1990 são alarmantes:

· de 9 milhões de crianças entre 6 e 7 anos de idade que cursam o primeiro ano da escola primária (primeiros quatro anos do fundamental), 4 milhões fracassam;

· 42% dos alunos matriculados no ensino fundamental (primeiros oito anos) são repetentes, sendo que em 1980 esse percentual era de 50% ;

· os 19 países estudados gastam US$ 2,5 milhões por ano com a educação de 20 milhões de repetentes;

· só o Chile apresenta aumento de gastos por aluno, sendo que em 1989 o gasto por aluno na região era de US$ 118, comparados com US$ 164 em 1980.

Wolf-Schiefelbein-Valenzuela (1994) relatam os resultados de um estudo sobre rendimento escolar conduzido pela International Assessment of Educational Progress para 19 países. O estudo consistiu na aplicação de testes de conhecimento em matemática e ciências para alunos de treze anos de idade. As cidades brasileiras de São Paulo e Fortaleza foram os representantes da América Latina, numa amostra que incluiu países da Europa, Ásia e África, além dos EUA. Nos testes de matemática os jovens de São Paulo atingiram uma média de 37 (desvio-padrão 0,8) e os da cidade de Fortaleza 32 (desvio-padrão 0,6), somente superior ao resultado apresentado pelos jovens de Maputo e Beira, em Moçambique, cuja média foi de 28 (dp 0,3). Os jovens da Coréia e de Taiwan, com média 73 (dp 0,6 e 0,7), seguidos de Espanha e Estados Unidos, com média 55 (dp 0,8 e 1,0), apresentaram o melhor rendimento. Em ciências os resultados brasileiros foram melhores (São Paulo com média 53 e Fortaleza com 46), mas bem inferiores aos dos jovens da Coréia (78) e de Taiwan (76). Os 5% de brasileiros que apresentaram os melhores resultados obtiveram uma pontuação inferior às médias registradas em países como Coréia, Taiwan, Suíça, União Soviética, Hungria e França.

Os autores relatam também um estudo-piloto conduzido pelo Banco Mundial em cinco países da América Latina e do Caribe sobre rendimento escolar em matemática e ciências. Os países escolhidos foram: Argentina, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana e Venezuela. Embora a amostra de alunos de treze anos não tenha sido obtida sob critérios científicos, os resultados são ilustrativos, especialmente porque quatro tipos de escolas foram considerados: escola privada de elite; escola privada de pior qualidade e escola pública da melhor qualidade; escola pública de pior qualidade; escola pública rural. Os resultados podem ser resumidos assim:

· em quatro dos cinco países os alunos das escolas públicas apresentaram um desempenho muito inferior às médias obtidas pelos alunos norte-americanos e tailandeses, sendo que os resultados para os alunos das escolas rurais foram considerados sofríveis;

· o desempenho dos alunos das escolas privadas de elite é tão bom ou superior aos registrados em média para os norte-americanos e tailandeses (os piores resultados são para ciências);

· o desempenho dos alunos das escolas privadas de pior qualidade é ligeiramente superior ao dos alunos das escolas públicas;

· nos países considerados, 13% das matrículas são em escolas particulares.

A lição que esses estudos encerram parece ser a seguinte:

a) os alunos da escola primária particular, em todos os países considerados, apresentam um melhor preparo, segundo testes reconhecidos internacionalmente, quando comparados com os alunos da escola pública;

b) os alunos da escola primária da América Latina e do Caribe, em testes internacionais, apresentam resultados medíocres comparados aos de alunos de outras áreas do globo;

c) os alunos com melhor rendimento nos testes internacionais são de países asiáticos, onde a escola primária pública, embora subsidiada, exige uma contrapartida das famílias, e embora a educação primária seja obrigatória por lei, ela é de responsabilidade das famílias, e não do Estado.

A escola secundária também tem sido objeto de um questionamento de sua qualidade. Jimenez-Lockheed (1995) compararam a escola secundária pública com a particular em cinco países: Colômbia, República Dominicana, Filipinas, Tanzânia e Tailândia. A comparação de qualidade se fundamentou nos resultados de testes internacionais em matemática aplicados a todos os alunos e, em dois países, sobre a capacidade de expressão verbal dos alunos. Os filipinos foram testados em matemática, inglês e filipino. Informações sobre o background do aluno, sobre sua motivação, habilidade inata e performance escolar anterior foram coletadas para todos os participantes dos testes, com o propósito de isolar os efeitos dessas variáveis sobre os resultados dos testes. Isso foi feito com técnicas estatísticas de tratamento de variáveis qualitativas e análise de regressão. A pergunta básica desse estudo é: um estudante secundário, escolhido ao acaso de uma população de estudantes, tem melhor performance se proveniente da escola pública ou da escola particular? Os principais resultados desse estudo podem ser resumidos da seguinte forma:

a) embora os alunos das escolas particulares sejam de famílias mais abastadas do que as dos alunos das escolas públicas, a interseção desses dois conjuntos é significante;

b) mantendo-se constante o background familiar e o viés de seleção dos alunos, os alunos da escola particular apresentam nos testes (matemática e verbal) uma performance superior àquela dos alunos da escola pública;

c) a organização administrativa da escola particular é mais eficiente para os objetivos pedagógicos que a da escola pública;

d) é infundada a crença de que os burocratas dos órgãos reguladores e de fiscalização da educação têm mais conhecimentos sobre técnicas e procedimentos educacionais que os profissionais da escola particular;

e) os custos por aluno são menores na escola particular.

Os resultados dessa pesquisa, por decorrerem de comparações entre a escola pública e a particular, isolando os diversos elementos que afetam o rendimento de seus alunos, põem por terra dois mitos comuns em educação: o de que a escola particular é melhor porque seus alunos vivem em ambientes melhores e mais abastados, sendo por isso uma escola de elite - o resultado resumido na letra b contraria tal preconceito; o segundo mito é o de que a autoridade pública deve controlar e regular a escola particular, pois se isso não for feito sua qualidade se deteriorará. A despeito do excesso de controles sobre a escola, as evidências resumidas aqui atestam que a escola particular não só é mais efetiva no desempenho da função de educar como é mais eficiente, em termos econômicos, quando comparada à escola pública. A escola particular está sujeita às exigências dos pais e não, como a escola pública, a normas burocráticas, eivadas de preconceitos e férteis de interferência política.

Na realidade, os autores sugerem a redução de restrições e controles sobre a escola particular e que a escola pública adote os métodos e os procedimentos administrativos da escola particular. Sem dúvida, todo processo educacional está fundado na liberdade tanto de ensinar como de aprender, e normas rígidas e excesso de controles retiram da escola sua capacidade criativa e a coragem para ser inovadora. Uma escola mais autônoma, capaz de atender as demandas das famílias e, conseqüentemente, da sociedade é uma condição necessária para que uma sociedade desfrute de um sistema educacional eficaz, eficiente e em sintonia com a realidade!

No Brasil, parece que estamos seguindo em direção oposta. Embora a escola pública brasileira venha sendo modernizada e, em certo sentido, as inovações organizacionais sigam a sugestão de Jimenez-Lockheed (1995), essa modernização está eivada de preconceitos e de conteúdo político que poderão contribuir para uma maior deterioração do ensino público. A maior autonomia à escola pública no Brasil tem ocorrido pela introdução de três novos elementos de organização: eleição direta do diretor da escola; transferência de recursos financeiros a serem geridos pela própria escola e criação de conselhos dos quais par-ticipam representantes das comunidades locais e dos pais de alunos. Um relato analítico de várias experiências de implementação desses novos elementos de organização e administração da escola pública no Brasil pode ser encontrado em Xavier-Mello-Amaral Sobrinho-Silva (1995).

A eleição direta do diretor da escola foi a primeira inovação que emergiu, na década de 80, como subproduto da abertura política. A idéia da eleição direta dos dirigentes das escolas públicas muito rapidamente se transferiu às universidades públicas, sendo hoje um procedimento mais efetivo nas universidades que nas escolas. A introdução de um processo político na administração da escola é perniciosa, pois os administradores devem ter o respeito de seus subordinados por sua competência e capacidade administrativa. Uma escolha através de um processo político não necessariamente satisfará essas exigências, colocando, desse modo, em risco não só a saúde pedagógica da Escola como o próprio ambiente de ensino e aprendizagem.

O administrador, no exercício de sua função, tem um orçamento sob o qual deve fazer cumprir a missão da organização que administra. A administração direta, pela escola pública, de recursos financeiros infelizmente não mimetiza as condições a que uma escola particular está sujeita, em parte porque tais recursos são transferidos à escola pública e, em parte, porque tais recursos têm destino certo e limitado em seu escopo. Esse caminho sob as condições atuais dificilmente poderá tornar a escola pública mais eficiente. Os recursos financeiros transferidos para a escola pública só podem ser aplicados, segundo destino especificado, em manutenção de imóveis e de equipamentos, material de consumo e didático. O fato de a escola pública não ser uma unidade orçamentária, aliado à falta de pessoal preparado para essa tarefa e à conseqüente rigidez das normas para o uso desses recursos, é a principal razão de nosso pessimismo para a imposição de uma restrição orçamentária à escola pública.

A introdução de colegiados, com função de coordenar e avaliar a execução do projeto pedagógico da escola pública, é, sem dúvida, uma inovação importante. A composição desses colegiados é de fundamental importância para sua eficácia na promoção de uma melhor escola pública, mas há que se cuidar para que esses colegiados não se transformem em santuários do corporativismo, sendo indispensável evitar que se reproduzam no Brasil os nefastos efeitos dos PTA (Associações de Pais e Mestres) americanos. As experiências de escolas brasileiras com colegiados indicam composições predominantemente corporativistas, com predomínio de professores e funcionários. Os pais são os clientes e, por isso mesmo, deveriam ter uma posição majoritária, juntamente com os membros da coletividade que, em última instância, pagam a conta.

Curiosamente, as autoridades públicas e os burocratas da educação têm procurado, em muitos países, inclusive no Brasil, tornar a escola pública mais eficiente mimetizando o mercado, por considerarem que o próprio mercado não é capaz de prover a educação por eles julgada desejada. Mas, o que fundamenta essa posição? Em primeiro lugar, a concepção de um objetivo muito específico para a educação formal, conforme o art. 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

A caracterização de uma formação comum indispensável para o exercício da cidadania é a mais forte justificativa para a suposição de que, entregue às forças de mercado, a educação formal não preservaria a identidade de nação da sociedade nem tampouco os valores democráticos que caracterizam sua modernidade. Se livre, a escola formal atenderia, como acontece em qualquer mercado, aos anseios das famílias. Nessa linha de raciocínio, haveria um conflito entre os desejos das pessoas e das famílias e o objetivo social da educação formal. Mas qual é o objetivo social da educação? O que é a sociedade moderna em que vivemos?

A sociedade moderna, na qual vivemos, resulta de um longo processo de evolução. Distingue-se das organizações sociais que a precederam por identificar a liberdade como valor indispensável à condição humana. Formada por homens livres e sob a égide de três direitos fundamentais - à vida, à liberdade e à propriedade -, a sociedade moderna organizou-se economicamente através da instituição de mercados livres e, politicamente, através do processo democrático. Essa sociedade só emergiu porque homens de convicção, através de suas idéias, conseguiram, ao longo dos anos, convencer seus pares dos ganhos que cada um e todos os participantes da sociedade teriam com tal organização.

O aperfeiçoamento de nossa organização social depende da liberdade de pensar, agir, ensinar e aprender que cada um de nós pode desfrutar, dentro de uma ordem bem definida, em que os direitos individuais são protegidos contra a concentração de poder, seja ele de natureza política ou econômica. Retirar do homem a liberdade de inovar, ensinar e aprender em nome da proteção de um bem coletivo, que resulta da própria ação individual do homem, nada mais é que ditadura. É esta a diferença entre uma sociedade socialista - que valoriza o coletivo mais que o próprio homem - e a sociedade ocidental moderna, que aperfeiçoamos continuamente. É difícil resumir esse caminhar, mas podemos tomar como marco as contribuições de Descartes, Calvino e Lutero, Hobbes e Adam Smith, passando pela Revolução Inglesa, com o estabelecimento do Estado de direito, pela Revolução Americana, com a construção dos conceitos de Constituição e federalismo, e pela Revolução Francesa, com a partição dos poderes públicos e a construção do conceito de cidadania.

O desafio da educação formal não é diferente do desafio de se manter uma organização social que valorize o homem num contexto de diversidade e pluralidade. A sociedade moderna é constituída de indivíduos que embora tenham uma herança cultural comum, agregam-se em grupos menores segundo suas crenças religiosas, preferências raciais e interesses particulares. Essa convivência, num contexto de liberdade, só é possível no campo político pelo desenvolvimento do processo democrático que, embora falho, vem sendo aprimorado para responder a tamanho desafio. Não há razão para descartarmos a instituição do mercado livre na solução dos problemas econômicos. O que não devemos fazer é usar o sistema político, ainda que sob uma democracia, para resolver problemas econômicos – a educação formal demanda recursos escassos e, portanto, é um problema econômico, como bem caracterizou Adam Smith em seu Livro V: The institutions for the education of the youth may, in the same manner, furnish a revenue sufficient for defraying their own expense. The fee or honorary which the scholar pays to the master naturally constitutes a revenue of this kind.

A comprovada superioridade da economia de mercado sobre qualquer processo político na solução de problemas econômicos convida à seguinte conclusão: não se deve deixar a cargo das autoridades públicas o que pode ser cuidado de melhor maneira (menores custos sociais) pela ação dos agentes privados, em permanente, livre e voluntária interação no mercado. Produtores e consumidores de educação formal vão acabar por entenderem-se, mesmo porque ambos são, simultaneamente, e de alguma maneira, produtores e consumidores.

O Papel do Estado

Não haveria então espaço para as autoridades públicas, inclusive o Legislativo, agirem no campo educacional? Sim, há , e seu papel é de enorme importância, especialmente num país com as características do Brasil. O que justificaria a ação das autoridades públicas na educação formal e, portanto, qual seria o papel do governo (União, estados e municípios)? Seguramente, todos concordamos com o papel ordenador institucional do governo. Essa é uma de suas funções. Como qualquer mercado, o da educação formal só pode existir num contexto de Estado de direito.

Como já ressaltamos, a existência de externalidades positivas no processo educacional e as distorções no mercado de capitais, que impedem o acesso ao crédito com garantia de renda futura, justificam uma ação do governo no sistema educacional. Entretanto, esses fatos não significam que serviços educacionais não possam ser oferecidos e adquiridos num contexto de mercado livre. Na realidade, há claras evidências históricas de que o mercado funciona no provimento de serviços educacionais: Haigh-Ellig (1988) apresentam de forma resumida e didática os casos dos EUA e da Inglaterra nos séculos XVIII e XIX – os dois exemplos ilustram claramente a competência do mercado em prover as necessidades educacionais de um país pobre, como era a Inglaterra no século passado.

Tanto externalidades positivas como distorções no mercado de capitais podem ser tratadas pelo governo com políticas de financiamento da educação pela demanda , e não promovendo sua oferta. Mais adiante trataremos de medidas públicas que seguem essa orientação, como, por exemplo, o vale educação e o crédito educativo para o ensino superior.

Por certo, cabe ao governo, através de leis, prover normas básicas que venham a preservar os direitos contratuais das partes envolvidas no processo educacional. Em nome da formação comum e da formação para a cidadania, nossa legislação específica sobre educação, a LDB, estatiza o ensino, estabelece mecanismos de controle e avaliação do ensino em todos os níveis, concentrando poder nas mãos dos burocratas do MEC, indo muito além de assegurar os direitos contratuais dos agentes nesse mercado. Na realidade, o contrato de prestação de serviços educacionais, que não consta da LDB, é objeto de uma medida provisória que vem sendo renovada desde 1994 por não ser discutida e votada, pelo completo descaso do Legislativo para com o elemento normativo relevante, caso valorizássemos a liberdade de ensinar e aprender.

A Legislação do Setor Educacional

A partir da Medida Provisória no 176, de 29 de março de 1990, iniciou o governo uma série de intervenções sobre o subsistema privado de ensino, atingindo o fator crítico de sobrevivência da escola particular: a mensalidade escolar. Desde então, a violência reguladora do governo vem assolando o ensino particular, fomentando um conflito entre as famílias e a escola, cuja verdadeira origem era a inflação monetária nutrida pelo próprio governo. Examinando, num contexto de estabilidade de preços, a relação entre a escola particular e seus clientes, não distinguimos qualquer problema para o desenvolvimento desse mercado. A satisfação dos anseios das famílias, no que se refere à educação de seus filhos, será atendida pelo provimento de recursos para a escola que, desse modo, se auto-sustentará.

Inicialmente, os reajustes das mensalidades escolares estavam associados à política salarial geral do país e contemplavam aumentos decorrentes de dissídios coletivos das categorias ligadas à escola, em particular o dissídio dos professores. Através da MP no 183, de 27 de abril de 1990, o governo implantou um sistema de planilhas de custo a serem submetidas às autoridades competentes ( Conselho Federal de Educação, quando se tratar de ensino superior, e Conselho Estadual de Educação, para os demais casos) para aprovação de mensalidades escolares. Essa sistemática é incorporada na Lei no 8.039, de 30 de maio de 1990. Sem razão aparente, uma portaria do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento (de nº 348, datada de 25 de junho de 1990) introduziu a SUNAB no processo de aprovação de reajustes das mensalidades escolares. Essa manobra, de puro efeito demagógico, porquanto a Lei nº 8.039 era o diploma legal que regulava tais reajustes, visava única e exclusivamente a depreciar a escola particular e desestabilizar a cordial relação que sempre existiu entre as famílias e a escola. A depreciação viria pelas manchetes dos jornais, registrando as freqüentes visitas dos fiscais da SUNAB às escolas denunciadas.

Numa visão equivocada das particularidades da prestação de serviços educacionais e sob um conceito deturpado do que seja livre negociação, o governo impõe, uma vez mais, mudanças radicais na relação escola-família. A MP no 207, de 13 de agosto de 1990, estabelece as regras para a livre negociação definindo como interlocutora da escola a representação estudantil, no caso de ensino superior, e associações de pais, nos demais casos. Através de sua concepção de livre negociação o governo transformou o problema econômico de definir um reajuste de mensalidades em um problema político, onde outros interesses, que não os das famílias e da escola, passaram a comandar os acontecimentos. Muito rapidamente surgiram associações de pais criadas fora do ambiente família-escola, com propósitos nitidamente políticos e, por isso mesmo, freqüentemente fomentadores e promotores de atrito, imiscuindo-se, inclusive, nas negociações das mensalidades escolares de nível superior, quando, segundo a lei, não têm qualquer papel a desempenhar nesse processo.

Reeditada a cada mês com modificações marginais, contribuindo assim para um clima de incerteza e de acirramento de ânimos, a MP no 207 desembocou, em 17 de dezembro de 1990, na MP no 290 que explicita uma composição de custos que se cristalizou na Lei no 8.170, de 17 de janeiro de 1991, da seguinte forma: os reajustes das mensalidades escolares podem incorporar, no mês imediatamente subseqüente, 70% dos aumentos salariais concedidos aos docentes, incorporando a cada seis meses 30% da variação do índice de preços ao consumidor (IPC). Estabelece ainda a lei, em seu art. 4o, que a inadimplência decorrente de outros encargos financeiros que não os compatíveis com essa lei não pode provocar qualquer sanção pedagógica ou de fornecimento de documentos, inclusive matrícula e transferência para outro estabelecimento da escola para com o inadimplente.

Revendo o art. 4o da Lei no 8.170, estabelece a MP no 343, de 12 de Agosto de 1993, o direito ao ensino particular sem a necessária contrapartida do pagamento das mensalidades; portanto, a nova redação retira da escola a possibilidade de suspender seus serviços aos inadimplentes, qualquer que seja a razão do não-pagamento das mensalidades, instituindo o governo o calote à escola particular.

Não nos parece conveniente cansarmos os leitores com mais detalhes. Um conceito fundamental que emerge com a sociedade moderna é o conceito de igualdade. Não podemos nos referir a esse conceito sem deixarmos claro seu significado: entendemos que igualdade se refere única e exclusivamente à lei - todos são iguais perante a lei. É esse conceito de igualdade que o governo vem insistentemente atropelando, ao tratar de questões afetas à escola particular no Brasil.

O Estado de Direito e a Educação

O contrato é uma instituição fundamental numa sociedade moderna, individualista, sujeita ao império da lei, que garanta os direitos individuais, dentre os quais destacamos três: a vida, a liberdade e a propriedade. A organização da produção em uma sociedade só se dará através do mercado se existir propriedade privada e as relações comerciais forem amparadas por contratos, num contexto de Estado de direito. Desse modo, não há razão para tratarmos contratos de prestação de serviços educacionais diferentemente de outros contratos, no que se refere às exigências legais. Por certo, cada conjunto de contratos tem suas especificidades que precisam ser respeitadas, mas o propósito último da lei deve ser o de proteger interesses de terceiros. Como está claro pelo relato anterior, o governo tem discriminado a escola particular. Quem imaginaria uma medida provisória do governo que instituísse o calote na compra a prazo de automóveis ou outros bens duráveis? Por que a sociedade brasileira aceita - e alguns de seus seguimentos até aplaudem - tal agressão à escola e, em última instância, ao direito de as famílias escolherem livremente a educação formal de sua juventude? As explicações são longas e não serão expostas agora; por ora, adiantamos apenas que essa passividade resulta fundamentalmente do pouco valor que nós, brasileiros, damos ao direito de propriedade.

Com a MP no 434, de 27 de fevereiro de 1994 ( e suas reedições), que instituiu a URV, foi definido um procedimento voluntário para a transformação de preços em URV igual à regra imposta aos salários. Dados os riscos da irreversibilidade dessa conversão, a maioria dos setores da economia brasileira optou pela manutenção dos preços em cruzeiros reais. Essa foi a opção da maioria das escolas particulares. Através de acordos, o governo conseguiu que alguns setores fixassem seus preços na nova unidade de valor, segundo uma regra estabelecida. Com a introdução do real, as conversões remanescentes foram feitas pela paridade da URV=R$1 com o cruzeiro real.

A lei, igual para todos, não poderia ser a mesma para mensalidades escolares, aluguéis residenciais ou planos de saúde, todas essas atividades regidas por contratos próprios firmados de acordo com legislação específica de cada uma. Não se poderia tratar igualmente setores tão desiguais. Por isso, agrediu-se o pressuposto fundamental de uma sociedade democrática - o da igualdade perante a lei. A escola particular foi a primeira a ser atingida , depois de consultadas as bases estudantis. O art. 1o da MP no 524, de 7 de junho de 1994, reduzia a mensalidade escolar a cerca de 52% de seu valor real, em março do mesmo ano. A falência da escola particular não ocorreu porque, atendendo a um recurso da CONFENEN, o Supremo Tribunal Federal considerou-a inconstitucional, não pela redução da mensalidade, mas pela quebra de contrato de pleno direito. Num claro desrespeito à decisão do Supremo, volta o Executivo, com a MP no 550, de 8 de julho de 1994, a insistir na conversão das mensalidade escolares de cruzeiros reais para URV, tendo por base valores de mensalidades pertencente a dois contratos distintos. Essa nova medida provisória, além de manter o calote financeiro, dedicou-se a listar as penalidades a serem aplicadas às escolas, bem como o comportamento que os juizes devem ter em certos casos afetos às mensalidades escolares! As relações contratuais entre a escola particular e as famílias continuam sujeitas a uma medida provisória, reeditada a cada 30 dias.

Para que se tenha uma idéia do grau de controle sobre a educação formal no Brasil e da concentração de poder nas mãos dos burocratas do MEC, reproduzimos abaixo apenas o art. 9 da LDB, que caracteriza o papel da União, isto é, do MEC, na organização da educação brasileira. Estados e municípios também têm seu papel de controle. Escolhemos ilustrar o poder concentrado no MEC para não entediarmos o leitor com muitos detalhes.

Art. 9o : A União incumbir-se-á de:

I- elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios;

II. organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos Territórios;

III. prestar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva;

IV. estabelecer, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;

V. coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;

VI. assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;

VII. baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;

VIII. assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino;

IX. autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.

Por conta do inciso IV deste artigo, a Secretaria de Ensino Fundamental do MEC produziu e divulgou pela internet um detalhado documento, rico em análises e observações metodológicas e pedagógicas, estabelecendo os Parâmetros Curriculares Nacionais. Esse documento foi produzido após um trabalho cuidadoso, ao longo dos anos de 1995 e 1996, e que procurou envolver o maior número possível de responsáveis pelo ensino nos estados e municípios, técnicos e pesquisadores de fundações e organizações dedicadas à educação, docentes de universidades públicas e particulares, especialistas e educadores.

Sem dúvida, Parâmetros Curriculares Nacionais é um documento rico, bem elaborado tecnicamente e que, se examinado como um trabalho científico-pedagógico, será uma referência importante para todos aqueles que se interessem por educação; chegando a detalhes de como certos conceitos podem ser passados para os alunos, esses parâmetros podem se transformar num instrumento perigoso de controle da escola. É sempre bom termos em mente que os burocratas do MEC, que eventualmente farão aplicar esses parâmetros, podem ter uma visão muito própria do que uma escola precisa e deve fazer para construir seu projeto educativo. Dado o poder discricionário da burocracia no Brasil, é possível que na prática o conceito orientador e indicativo desses parâmetros seja transformado em exigências homogeneizadoras e em uma forte restrição à liberdade de ensinar. Se a motivação para a introdução desses parâmetros é melhorar a qualidade da escola, o Chile escolheu um caminho mais coerente com o processo educacional, que não pode prescindir da liberdade.

Em 1980, o Chile reformou todo seu ensino básico, anteriormente de responsabilidade integral do governo central. A responsabilidade desse ensino foi totalmente transferida para os municípios. Para contornar o problema de recursos, o governo introduziu um sistema de vale-educação, que consiste em financiar a escola, financiando a demanda e não a oferta, como ocorre hoje em muitos países, inclusive no Brasil. Essa forma de financiar a educação básica, além de promover a descentralização do sistema de ensino, promove as famílias a agente determinante, e não passivo, da qualidade do ensino a que seus filhos estão sujeitos. Um relato de várias experiências de financiamento da educação pela demanda pode ser encontrado no trabalho de Patrinos-Ariasingam (1998).

O vale-educação consiste, basicamente, em transferir para as famílias de mais baixa renda um volume de recursos através de uma espécie de carta de crédito, que será usado para matricular e custear os estudos de uma criança durante o ano escolar. O vale-educação pode ser usado em qualquer escola pública, e as escolas particulares que desejarem participar do programa podem fazê-lo, desde que cobrem de qualquer outro aluno o mesmo valor recebido através do vale. Castañeda (1992) relata que em 1986 as matrículas nas escolas particulares tinham dobrado em relação às registradas em 1980. O autor atribui esse crescimento da matrícula em escolas privadas ao programa de vales, uma vez que a matrícula na escola privada, paga sem o uso de vales, declinou marginalmente.

Não só a matrícula na escola básica aumentou como há fortes indicadores de sua melhora. Embora nos testes de performance em espanhol e matemática, introduzidos a partir de 1984, os alunos da escola particular em geral apresentassem resultados superiores aos alunos das escolas públicas, registram-se, nestas, quedas substanciais na taxa de abandono escolar e no percentual de repetência.

Mais importante ainda - relata o autor numa pesquisa nacional conduzida em 1985 para uma amostra de 20.000 famílias -, constatou-se que mais de 45% dos recursos destinados pelo programa de vales para a pré-escola e a escola primária (escola fundamental) foram apropriados pelos 30% mais pobres, e somente cerca de 20% daqueles recursos foram apropriados pelos 40% mais ricos.

O uso de testes de conhecimento em matemática e linguagem oral e escrita tem sido o instrumento mais eficaz na avaliação da qualidade da escola. Essa evidência internacional deveria ser suficiente para dispensarmos qualquer exigência quanto aos parâmetros educacionais por parte da burocracia oficial. A introdução de testes similares para as escolas brasileiras só faz sentido se as famílias puderem ter o direito de escolher a escola de seus filhos. Assim, enquanto insistirmos em financiar a escola pública enfatizando a oferta, e não a demanda, tais testes só têm significancia para a escola particular. Nesse caso, a participação da autoridade pública é completamente dispensável, porque as associações de escolas particulares locais podem conduzir tais avaliações com rapidez e eficiência, gerando informação para as famílias sobre a qualidade da escola particular. De um modo geral, as famílias têm um bom conhecimento sobre a qualidade das escolas particulares da comunidade em que vivem.

O inciso IX do artigo 9 da LDB atribui à União o controle pleno da educação superior no Brasil. É um fato conhecido que o sistema universitário brasileiro promove injustiças, mas poucos atribuem a esse controle alguma responsabilidade pelos resultados. Como chamamos a atenção anteriormente, são os alunos das escolas particulares, de melhor ensino, que acabam sendo admitidos na universidade pública, que não exige qualquer pagamento. As universidades e instituições de ensino superior particulares, no Brasil, necessitam de autorização do MEC para manterem quaisquer programas de graduação ou pós-graduação. Quase 60% do total das matrículas em cursos superiores no Brasil são de responsabilidade das instituições particulares.

Pela existência de distorções no mercado de capitais, as forças livres de mercado não conseguem redirecionar recursos de outras atividades para a educação. Como conciliar o fato de a maioria dos estudantes universitários, na média, oriundos de famílias com menor nível de renda, ter que pagar seus estudos universitários enquanto uma minoria, oriunda de famílias, em média, mais abastadas, não necessita fazê-lo? Em vários países o governo tem agido justamente na promoção de crédito para a educação superior de modo a contornar a distorção no mercado de capitais. É importante notar que nem todos os países que adotaram o crédito educativo têm a universidade pública isenta de pagamento direto. De um modo geral, as experiências têm sido desastrosas.

No Brasil, o CREDUC - Crédito Educativo, só é concedido para estudantes universitários em cursos de graduação de organizações de ensino reconhecidas pelo MEC e registradas no programa. Embora não exista uma estatística oficial, há um reconhecimento, pelos técnicos que trabalham na área, que a inadimplência, que já foi de mais de 80%, gira hoje em torno de 50%. Em parte, isso se deve à forma com que o governo brasileiro instituiu o programa: em parte pela existência de universidade pública gratuita e em parte pelo controle do MEC. Sem nos estendermos sobre o assunto, registramos em primeiro lugar que esse tipo de financiamento não se aplica à pós-graduação.

O CREDUC não possui um sistema efetivo de recuperação do crédito, e tanto os responsáveis pela administração do programa como os tomadores de recursos acham injusto que os devedores tenham de amortizar tais créditos por não terem tido oportunidade de cursar uma universidade gratuita. Como a escola particular é de melhor qualidade que a escola pública, estudantes que terminam o ensino básico em escolas particulares têm maior probabilidade de ingressarem nas universidades públicas, não necessariamente escolhidas pela qualidade de seu ensino, mas, de modo geral, por ter custo direto zero. Já os egressos da escola pública conseguem, de modo geral, matrícula em organizações particulares, e são eles, os oriundos de famílias de mais baixa renda, que tomam recursos do CREDUC.

A distorção maior se origina no poder regulador do MEC. Como o MEC autoriza o funcionamento e a emissão de diplomas das organizações particulares de ensino superior, legalmente qualquer diploma tem o mesmo valor, independentemente da qualidade do ensino ministrado. Assim, uma grande maioria dos estudantes que tomam recursos do CREDUC não consegue, ao completar seus cursos, empregos compatíveis com o investimento feito e, portanto, não consegue amortizar o empréstimo. É voz corrente que o governo deseja, por isto mesmo, desativar o crédito educativo.

Como esse instrumento pode contornar uma distorção existente no mercado de capitais, seu aperfeiçoamento poderia ser uma alternativa para enfrentar o problema, e o certo seria não desativar o CREDUC. Transferindo o crédito para a organização de ensino responsável pelo seu pagamento, em muito reduzir-se-ia a inadimplência. Seria necessário dar às organizações de ensino instrumentos para receber as amortizações dos devedores em seu devido tempo e flexibilidade para acertar parcerias com instituições financeiras para a administração desse novo sistema de crédito. A descentralização da concessão do crédito e a possibilidade de flexibilizar o percentual da anuidade a ser financiada em muito contribuiriam para contornar os atuais problemas do sistema.

É comum ouvirmos afirmações de que, de modo geral, os estudantes das organizações particulares de ensino superior têm uma formação média de qualidade inferior àquela dos estudantes de universidades públicas. Supostamente, a qualidade do graduado pelas instituições particulares é pior que a daqueles oriundos das universidades públicas. Por que isso acontece? É pelo fato de as organizações particulares serem de pior qualidade? Não resta dúvida que há muitas organizações particulares de ensino superior que sequer poderiam funcionar, quanto mais concederem diplomas, que precisam ser, e o são, registrados no MEC. As organizações de ensino superior são bastante diversas: no âmbito das públicas, a grande maioria é de universidades mantidas pelo governo federal; no caso das particulares, o grande número é de escolas isoladas, que também representam um percentual elevado do total de matrículas. A qualidade média dos graduados num sistema e em outro tem significado bastante diferente. A comparação deve ser entre universidades públicas e universidades particulares.

Mas, se a qualidade de muitas organizações particulares é baixa, como justificar sua existência? Em primeiro lugar, essa realidade é muito diferente da do tempo em que o preconceito foi criado. Com a necessidade de se produzirem estatísticas melhores para o país, em termos de educação superior, passamos por um período, na década de 70, de estímulo à abertura de cursos superiores. A oferta de ensino superior cresceu , e também as matrículas, pela demanda reprimida existente. O Conselho Federal de Educação, que segundo declarações oficiais na época foi extinto por ser instrumento de tráfego de influência, em muito colaborou para esse crescimento exagerado da oferta de ensino superior, sem a existência de pessoal qualificado para o exercício do magistério. O resultado não podia ser outro: queda na qualidade do ensino e, conseqüentemente, como as unidades adicionais, de modo geral , não tinham pessoal preparado, a qualidade média do graduado pelas instituições particulares caiu.

Parte da demanda reprimida buscava exclusivamente um diploma oficial; funcionários públicos de todos os níveis administrativos eram os clientes em potencial de um ensino medíocre. A racionalidade pela busca de um diploma é obvia: sua promoção automática carecia apenas da apresentação de um diploma de curso superior reconhecido pelo MEC. A situação hoje é bem diferente. Com a queda contínua da taxa de crescimento da população brasileira, há hoje um excesso de oferta de educação superior para muitas áreas específicas do conhecimento.

Preocupado com a qualidade do ensino superior, o MEC instituiu um sistema de avaliação desse ensino que compreende um exame de conhecimentos específicos aplicado aos formandos; uma avaliação do curso ministrado pela instituição, através da visita de uma comissão de especialistas e seu correspondente relatório, e uma avaliação do corpo docente com base em sua titulação, dedicação ao magistério e produção acadêmica.

Um exame de conhecimentos específicos para avaliar a qualidade do ensino superior foi instrumento utilizado em meados da década de 70 e abandonado na década de 80. Esse experimento ocorreu tanto nos EUA como em muitos países europeus, e a razão para o seu abandono se deve à precariedade de tal indicador, comparado com outras alternativas. Nesse sentido, o provão, como instituído pelo MEC, tem um caráter de indicador pior do que os testes aplicados em outros países, porquanto as normas de sua aplicação isentam o estudante de qualquer custo direto. Pelas normas vigentes, os resultados do provão só são divulgados para a instituição de ensino, e não para o estudante. Desse modo, o estudante, individualmente, não tem qualquer estímulo para empenhar-se na realização desse exame, pois o maior custo de sua má performance recairá sobre a instituição na qual se gradua.

A avaliação do curso por especialistas e a avaliação do corpo docente são dois instrumentos importantes para a caracterização da qualidade de um programa universitário. Teichler (1996), ao discutir a educação superior e o emprego, chama a atenção para a importância do professor de tempo parcial no ensino universitário profissional. Médicos, advogados, juízes, promotores, arquitetos, administradores, contadores e muitos outros profissionais têm uma grande contribuição a dar à formação de nossos jovens participando em tempo parcial de programas universitários. Considerando um critério único de avaliação do corpo docente para as diversas áreas de ensino universitário, as autoridades públicas podem ter uma percepção errada da qualidade de programas universitários, em especial os de natureza profissional.

McDaniel (1996) conduziu uma pesquisa sobre aspectos teóricos e práticos do uso de indicadores de performance em avaliação universitária. Dos 17 instrumentos de avaliação considerados, apenas sete tiveram impacto alto ou médio sobre a determinação da qualidade da instituição de ensino. Os 17 indicadores de qualidade foram apresentados a especialistas em educação superior, sendo-lhes pedido que conferissem uma nota de 1 a 7 segundo sua relevância para a determinação da qualidade. De países diversos e de instituições universitárias também diversas, 373 especialistas classificaram os 17 indicadores de performance dando-lhes notas que variaram de 1= completamente irrelevante, a 7= muito relevante. O indicador que recebeu a maior média foi a avaliação dos graduados pelos empregadores (5,55), e o que recebeu menor média foi a renda dos professores de outras fontes (4,13). Os indicadores que tiveram média superior a 5,2, além dos já mencionados, foram reputação acadêmica do corpo docente (5,49); avaliação do conteúdo curricular pelos pares (5,38); taxa de emprego dos graduados (5,34); taxa de graduação (5,21) e avaliação da qualidade pelo estudante (5,21).

É claro, portanto, que na visão dos especialistas o mercado é o melhor avaliador da qualidade do ensino superior, uma vez que quatro (avaliação do graduado pelo empregador, qualidade do currículo, taxa de emprego dos graduados e a própria avaliação do estudante, se ele tem opção de escolha onde estudar) dos seis indicadores considerados mais importantes estão diretamente associados ao mercado de educação.

Uma Reflexão Final

Le difficile est de ne promulguer que des lois nécessaires, de rester à jamais fidèle à ce principe vraiment constitutionnel de la société, de se mettre en garde contre la fureur de gouverner, la plus funeste maladie des gouvernements modernes.

Mirabeau l'aîné, Sur l'éducation publique. p. 69

Tradução do francês para português

O difícil é não promulgar apenas leis necessárias, o difícil é se manter sempre fiel a este princípio verdadeiramente constitucional da sociedade, o difícil é permanecer alerta contra a fúria de governar, a doença mais funesta dos governos modernos.

Não há dúvida alguma sobre a atualidade e a pertinência das palavras de Mirabeau aqui reproduzidas. Não nos resta qualquer dúvida, também, sobre a importância dos conceitos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade para a formação de repúblicas modernas. Ainda estão vivas em nossa memória as calorosas discussões políticas sobre liberdade e igualdade na Inglaterra vitoriana. A despeito de toda essa herança, insiste o governo brasileiro em agredir o sistema de ensino do país tratando-o ora como filho bastardo, no caso do subsistema público, ora como marginal, no caso do subsistema privado, e, em ambos os casos, retirando-lhe a liberdade.

A escola particular representa a liberdade de ensinar e aprender. Somente através da escola particular podem os pais prover, segundo sua vontade livre, a educação que julgam adequada para seus filhos. A escola pública poderia atender às exigências das famílias se estas, e não a burocracia oficial, fossem localmente responsáveis pela escola. O furor controlador do governo mantém a escola pública refém da burocracia oficial e impede o desenvolvimento e a criatividade da escola particular. Entretanto, uma nova organização administrativa da escola pública vem-se desenhando no Brasil, conforme tivemos oportunidade de comentar, e esperamos que as inovações caminhem para um controle dos pais e da comunidade local sobre a escola pública.

Nenhuma outra atividade humana no Brasil está sujeita a tanto controle quanto a educação formal da escola: a entrada no mercado não é livre e depende de uma licença que perio-dicamente precisa ser renovada; o controle se espraia pelo conteúdo pedagógico, atingindo o número de dias trabalhados e a titulação dos recursos humanos utilizados no processo. No caso da escola particular, as anuidades cobradas em parcelas mensais são monitoradas por várias autoridades governamentais e as instalações físicas estão sujeitas a exigências impostas por essas mesmas autoridades. Pura ilusão! O excesso de controles não tem promovido qualidade - ao retirar do mercado sua criatividade, pela supressão da liberdade de ensinar, o governo só tem promovido a mediocridade e penalizado as organizações que levam a sério sua missão de educar.

Se a liberdade foi abolida da escola, a igualdade só tem sido conseguida na mediocridade. As organizações de ensino, que mantêm os melhores níveis de qualidade, o fazem a despeito dos embaraços criados pelo governo. Sua qualidade, ainda que elevada no país, não se destaca num contexto internacional. A educação no Brasil não carece de recursos; carece, isso sim, de liberdade. Os países de planejamento central sempre destinaram, relativamente a países similares mas sujeitos a uma organização institucional mais livre, mais recursos públicos para a educação. Todos concordamos que é fundamental para o pleno desenvolvimento de uma nação a melhoria continuada da qualidade de seu povo. A experiência dos países socialistas do Leste Europeu deixa claro que sem liberdade os investimentos no homem têm pouco impacto sobre o desenvolvimento econômico-social. A preservação da criatividade do ser humano e a promoção de sua inventividade num contexto social dependem das instituições; instituições que promovem a liberdade individual dentro de um Estado de direito favorecem a criatividade humana, fator indispensável ao progresso econômico-social, e, por conseguinte, ao maior nível de bem-estar do homem.

O homem aprende com a experiência. Uns mais rapidamente que outros, uns a maiores custos que outros. Todo o mundo caminha no sentido de promover mais liberdade, pois só assim consegue-se mais prosperidade, porque a criatividade e a inventividade do homem decorrem de sua liberdade. Se por um lado a lei viabiliza a liberdade e a justiça garante o seu exercício, é a escola a instituição que promove a liberdade de forma mais perene, não só pela importância de sua atividade fim na formação da cultura e na preservação dos valores, como também por sua própria natureza, a busca do saber, o qual não existe sem a liberdade. Em 1978 o governo francês tentou acabar com parte da escola particular (a confessional) , na França. O povo francês reagiu rapidamente, exigindo ter o direito de escolher como educar seus filhos.

Inviabilizando a escola particular e prometendo escola pública para todos estamos corrompendo, diante das dificuldades conjunturais por que passa o povo brasileiro, nossos ideais de liberdade e de prosperidade. Não nos podemos deixar enganar com medidas demagógicas, não podemos permitir que o Estado, uma instituição inventada pelo homem, com o propósito de tornar a vida em sociedade sujeita a um mínimo de atritos, promova, por demagogia de seus governantes, conflitos artificialmente criados. É preciso que o governo saiba que não somos favoráveis à manutenção dessa política de promoção da ignorância. Explicitemos nossa vontade!

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Tradução:

"Tivemos a melhor educação possível - na verdade, nós fomos para a escola todos os dias. "

"Eu fui a um dia de escola, também", disse Alice. "Você não precisa ser tão orgulhosa com tudo isso."

"Com extras?", perguntou a Falsa Tartaruga um pouco ansiosa.

"Sim", disse Alice: "nós aprendemos francês e música."

"E a lavar?", Disse a Falsa Tartaruga.

"Certamente que não!", Disse Alice indignada.

"Ah! Então não era a sua escola realmente boa ", disse a Falsa Tartaruga, em um tom de grande alívio. "Agora, a nossa, que eles tinham, no final do projeto, 'francês, música e lavagem -. Extra"

O PROCESSO EDUCACIONAL, O DESENVOLVIMENTO

HUMANO E A ESCOLA

“We had the best of educations - in fact, we went to school every day. ”

“I’ve been to a day-school, too,” said Alice. “You needn’t be so proud as all that.”

“With extras?” asked the Mock Turtle, a little anxiously.

“Yes”, said Alice: “we learned French and music.”

“And washing?” said the Mock Turtle.

“Certainly not!” said Alice indignantly.

“Ah! Then yours wasn’t a really good school,” said the Mock Turtle, in a tone of great relief. “Now, at ours, they had, at the end of the bill, ‘French, music, and washing - extra.”