Violência

Por * Walter Hupsel . 25.03.11 - 13h47

Violência e progresso humano

“Revoluções e Direitos Humanos: Educação, revoluções e seus direitos”. Trata-se de um curso muito oportuno que será realizado em São Paulo, entre abril e maio, acompanhado de exposição de fotos e filmes. Nada mais obrigatório de se repensar hoje que esses eventos violentos e os direitos que deles advieram, num momento que uma certa direita põe em xeque o marco fundador da contemporaneidade, a Revolução Francesa, a era do terror.

Temos um verdadeiro horror à violência. Nossa cultura nos diz que toda a forma de violência é ruim e deve ser completamente banida. Herdeiros do cristianismo e também do Iluminismo, acreditamos piamente na evolução linear, no progresso quase que inercial da humanidade, num destino que nos conduz à redenção.

Essa visão otimista é também ingênua, pois parte da ideia que a sociedade é harmoniosa, que os interesses são complementares e não contrapostos. Imaginam um lugar idílico no qual, candidamente, as pessoas se abraçam e viajam num submarino amarelo. Assim, felizes, progridem.

Seria ótimo se fosse verdade. Mas vivemos numa sociedade cindida, fragmentada, cujos interesses de uns são opostos aos interesses de outros e, de certa forma, isso é resolvido (ou estancado) por meio da política. Pelo menos é assim na situação da norma, da normalidade.

Com uma sociedade cindida, alguns detêm mais recursos (políticos, econômicos, sociais) que outros e, claro, fazem tudo para se manter assim, utilizando esses recursos. As leis, e seu império, são a consolidação dessas desigualdades, e transformam os privilégios em direito, no duplo sentido que a palavra comporta.

Na normalidade, a violência pacificada está escondida na manutenção dos privilégios por meio da lei. Por isso, algumas vezes ela é deslocada do campo do direito e passa ao da ação propriamente dita. São esses os momentos de grande convulsão social, de distúrbios (como em Los Angeles, em 1992, quando um negro foi brutalmente espancado por policiais), de revoltas (como as que estão acontecendo pelo mundo árabe e persa) e de revoluções.

Se eles assustam pela violência, pela contagem de mortos, são, ao mesmo tempo, necessários para que se questione a estrutura social, para que se instaure novas formas de convivência, nova redistribuição dos recursos, e, por que não dizer, novos direitos. Historicamente falando, foram esses eventos extraordinários e violentos que trouxeram à tona discussões e concessões.

Foi a Revolução Francesa que estabeleceu a ideia de igualdade como meta para o novo mundo, para a nova era. Alguns direitos trabalhistas foram o subproduto das revoltas operárias que se espalharam na Europa do século 19. Outros direitos sociais chegaram até nós quando os bolchevistas tomaram o poder na Rússia. Com medo de eventos semelhantes, as elites ocidentais resolveram reconhecer o povo como sujeito de direitos.

O estabelecimento dos Direitos Humanos na Carta da ONU de 1948 foi também fruto de uma época de instabilidade e violência extrema, melhor representada pelo shoah, holocausto, e pelos campos de extermínio em massa da máquina nazista. Ali surgiu a noção de crime contra a humanidade, imprescritível.

Se na normalidade as peças estão forçosamente encaixadas, dando a falsa impressão de paz e coexistência, são as épocas de levante e de violência que nos forçam a repensar o modo como nos organizamos e como estabelecemos direitos e privilégios. São a partir deste eventos que rejeitamos velhas tradições e criamos novas.

Em suma, são estas que nos forçam a andar para frente. São, nas palavras de Walter Benjamin, o freio de arrumação em um trem desgovernado. Necessário para seguir adiante.

(*) Walter Hupsel é doutorando em Ciência Política pela USP e Professor de Ciência Política e Relações Internacionais na Faculdade Santa Marcelina.

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