Carta 24
DIZ o vulgo que nosso corpo quando acometido por uma dor insuportável aciona uma espécie de dispositivo automático, em autodefesa que o anestesia de modo que, não mais sentimos a insuportabilidade da dor.
Mas, e quando a insuportável dor acomete o coração? Ou melhor, e quando tal dor se instala no etéreo corpo do sentimento? E quando arde em frustração e queima na viva brasa da decepção? E quando tal dor é provocada pela demonstração explícita de toda insignificância do sentimento outrora doado? E quando tal dor é intensificada pelo permitido flagrante da falta de cuidado com o que se sente?
Digo enfim, que para estes casos não há anestésico, o coração de quem de verdade ama, não suporta e entrega-se saltando do peito em um pulsar único de insuportável dor. E se deixa ruir sozinho, fora de nós, em um lugar distante qualquer que não é o teu.
E no chão, assistimos teu agonizar silencioso, retrair-se e desidratar-se de todo o sangue que o mantinha vivo em nós. Ainda pulsa, mas em términos espasmos como fosse o ultimo suspiro antes de se enrijecer para sempre.
Tua aparência torna-se aos poucos pálida, tua tez; cinza e ríspida, tua carne; fria, tua geometria; disforme e pontiaguda, tuas curvas; irregulares, tua função; inerte... metamorfoseia-se em pedra dura.
Dentro do peito, em teu lugar, fica um vazio, preenchido por uma dor agora suportável, mas, porém, infinda.
(...) A própria dor física, em lugar de aumentar meus tormentos, me serviria de distração. Arrancando-me gritos, talvez me economizaria gemidos e as dores do meu corpo, interromperiam as de meu coração”³
Agora sei o que sentiu o caminhante solitário em sua primeira caminhada.
³J.J. Rousseau. “Os Devaneios do Caminhante Solitário”
Link para Jean Jaques Rousseau
Dezembro, de 2002
Westerley
Carta Filosófica Nº 24
A filosofia é como um bisturi
que enquanto abre meu coração
para examinar as causas
de minhas dores,
me faz esquecê-las.