Do Poder Marital e Paternal - Aristóteles

Mais acima, dividimos o governo doméstico em três poderes: o do senhor, de que acaba de se tratar, o do pai e o do marido. O pai de família governa sua mulher e seus filhos como a seres livres, mas cada um de um modo diferente: sua mulher como cidadã, seus filhos como súditos.

Na ordem natural, a menos que, como em certos lugares, isto tenha sido derrogado por alguma consideração particular, o macho está acima da fêmea e o mais velho, quando atinge o termo de seu crescimento, está acima do mais jovem, que ainda não alcançou sua plenitude.

Na ordem política, tal como ela existe na maior parte dos povos, obedece-se e comanda-se alternadamente. Todos os homens livres são considerados iguais por natureza e todas as diferenças se eclipsam; tanto que se torna preciso distinguir os que comandam dos seus inferiores por marcas exteriores, os hábitos e as dignidades, como disse Amasis, falando de sua bacia transformada em deus".

Quanto ao sexo, a diferença é indelével: qualquer que seja a idade da mulher, o homem deve conservar sua superioridade.

A autoridade dos pais sobre os filhos é uma espécie de realeza; todos os títulos ali se encontram: o da geração, o da autoridade afetuosa e o da idade. É até mesmo o protótipo da autoridade real; foi o que fez com que Homero dissesse de Zeus:

É o pai imortal dos homens e dos deuses e, por conseguinte, o rei de todos eles. Pois um rei, se recebeu da natureza alguma superioridade sobre seus súditos, continua a ter o mesmo gênero que eles, como os velhos com relação aos jovens e como um pai com relação a seus filhos.

As Virtudes Próprias aos Diversos Membros da Família

Segue-se do precedente que o governo doméstico exige atenções muito diferentes para o sustento das pessoas e para a posse das coisas inanimadas, para seus costumes e para a acumulação de riquezas, para as pessoas livres e para os escravos.

Primeiramente, podemos exigir dos escravos, além de seus serviços e de suas funções materiais, um mérito mais eminente, por exemplo, a prudência, a coragem, a justiça ou outros hábitos semelhantes? Não basta que eles cumpram suas funções? A resposta é difícil de ambos os lados. Se exigirmos deles que tenham virtudes, em que diferirão das pessoas livres? Mas, se não precisarem delas, isto chocará a razão, de que participam como todos os homens.

A mesma questão pode ser colocada a respeito das mulheres e das crianças. Devemos exigir delas certas virtudes? Por exemplo, deve uma mulher ser sábia, corajosa e justa? Deve uma criança ter contenção e sobriedade?

Em geral, são necessárias as mesmas virtudes nos que comandam e nos que obedecem, ou então outras? Se as mesmas qualidades lhes são necessárias, por que então o mando cabe a um e a obediência a outro? A diferença entre os dois não é do mais para o menos, mas sim específica e produz efeitos essencialmente diversos. Não menos estranho seria exigir virtudes de um lado e não de outro. Se quem comanda não é nem justo, nem moderado, como é possível que comande bem? Se aquele que obedece carece dessas virtudes, qual não será a obediência de um corrompido e de um mau? É preciso, pois, que ambos tenham virtudes, mas que suas virtudes tenham caracteres diferentes, da mesma variedade que se observa nos seres nascidos para obedecer.

Isto se vê imediatamente nas faculdades da alma. Dentre estas, uma há que por sua natureza comanda - é aquela que participa da razão - e outras que obedecem: são as que não participam dela. Cada uma tem um tipo de virtude que lhe é próprio.

O mesmo ocorre com os seres distintos. Assim como neles se encontram diversas espécies de superioridade e de subordinações determinadas pela natureza, há também várias formas de comando. A maneira de comandar não é a mesma do homem livre ao seu escravo, do marido à mulher, do homem adulto a seu filho. Todos têm uma alma dotada das mesmas faculdades, mas de modo diferente: o escravo não deve de modo algum deliberar; a mulher tem direito a isso, mas pouco, e a criança, menos ainda.

Seguem suas virtudes morais a mesma gradação: todos devem possuías, mas somente tanto quanto convém a seu estado. Quem comanda deve possuí-Ias todas no mais alto grau. Sua função é como a do arquiteto, isto é, a da própria razão; as dos outros se regulam pela conveniência. Todos têm, portanto, virtudes morais, mas a temperança, a força, a justiça não devem ser, como pensava Sócrates, as mesmas num homem e numa mulher. A força de um homem consiste em se impor; a de uma mulher, em vencer a dificuldade de

obedecer. O mesmo ocorre com as demais virtudes.

Quanto mais refletirmos, mais nos convenceremos disto. É ilusório contentar-se com generalidades sobre esta matéria e dizer vagamente que a virtude consiste nos bons hábitos da alma, ou então no bem agir ou outras fórmulas do gênero. Mais vale, como Górgias, estabelecer a lista das virtudes do que se deter em semelhantes definições e imitar, no mais, a precisão do poeta que disse que um modesto silêncio é a honra da mulher ao passo que não fica bem no homem.

Sendo a criança imperfeita e não podendo ainda encontrar em si mesma a regra de suas ações, sua virtude é ser dócil e submissa ao homem maduro que cuida de seu acompanhamento.

O mesmo acontece com o escravo relativamente a seu senhor: é em bem fazer o seu serviço que consiste a sua virtude; virtude bem pequena que se reduz a não faltar aos seus deveres nem por má conduta, nem por covardia.

Se o que acabamos de dizer é verdade, os artesãos a que muitas vezes ocorre trocar o trabalho pela farra devem precisar de virtude. Mas ela será de uma espécie muito diferente, pois o escravo vive conosco. O artesão, pelo contrário, está separado, e sua virtude não nos importa senão quando está a nosso serviço. A este respeito, um profissional está numa espécie de servidão limitada; mas a natureza que faz os escravos não faz os sapateiros, nem os outros artesãos. Quando os empregamos, não é a vontade de quem os ensinou a trabalhar, mas a do senhor que encomenda a obra que eles devem seguir.

Ademais, seria erro proibir, mesmo aos escravos, todo raciocínio e fazer deles, como alguns fazem, simples máquinas de obedecer; é preciso mostrar-lhes seu dever com indulgência ainda maior do que para com as crianças.

Quanto ao homem e à mulher, ao pai e aos filhos, quais são as virtudes próprias a cada um deles? Qual deve ser a maneira de viverem juntos? O que devem buscar ou evitar? Como devem praticar tal coisa e abster-se de outra? É o que é indispensável examinar quando tratamos da política. Todos eles fazem parte da família, e a família faz parte do Estado. Ora, o mérito da parte deve referir-se ao mérito do todo. A educação das mulheres e das crianças deve ser da alçada do Estado, já que importa à felicidade do Estado que as mulheres e as crianças sejam virtuosas.

Isto é mesmo do maior interesse, já que as mulheres constituem a metade das pessoas livres, e as crianças serão os que participarão do governo dos negócios públicos.