Carta 21

Em que pode ser mais preferível a mentira?

EM QUE, pode ser mais preferível à mentira? Nada me causa maior incômodo que a nossa preferência pela mentira, entendida aqui em todas as formas, extensão e profundidade de seus termos derivados ou sinônimais. Que motivo seria tão forte a ponto de nos fazer preferi-la à verdade?

Em verdade, esta reflexão não pretende ser verdadeira, mas ao menos válida, quer tão-somente, ser uma reflexão verossímil acerca do que pode ser mais preferível que a verdade.

Posto os termos do que me causa perturbação, passo então a investigar em uma reflexão como um diálogo ao espelho, sobre a mentira.

_ Meu caro, diga-me, porque preferimos a mentira?

-Digo que talvez preferimos a mentira devido ao medo da verdade.

_ Sim, É compreensível! Mas me diga uma coisa, o que pode ser mais temeroso: a verdade escondida pela mentira, que engana, ou a possibilidade da revelação repentina da mentira proferida para escondê-la?

_ É! Mas talvez preferimos a mentira para evitar um possível mal causado por uma verdade.

_ Parece justo! Mas, ainda assim tal pensamento não passa de um engano das aparências, pois, que mal poderá ser maior que o mal da mentira que engana e impede a defesa daquele que foi por ela vitimado?

_ Ainda assim permita-me insistir. Se o fim último de toda ação ética é a integridade do homem e, a causa primeira é a proteção de sua vida, posso inferir com isso, que em caso extremo, podemos preferir a mentira para proteger a nossa vida e a do outro.

_ Parece válida tal inferência. Mas, que vida poderá estar protegida por tão frágil proteção? E mais , não é a ética a realização da justiça? e está, não se funda primeiramente na verdade?

_Então, há de concordar que o sofrer é menos preferível que qualquer outra coisa, sendo assim, às vezes preferimos a mentira para evitar o sofrimento.

_ É certo que todo sofrer é menos desejado que toda verdade. Mas, não seria a causa de todo sofrimento um tipo qualquer de mentira?

_Parece que tens razão! Mas, creio que talvez não é que preferimos a mentira, mas somos levados a nos submeter a ela por causa da mentira do outro.

_ Ora, Meu caro! Toda relação é em essência uma alteridade, isto é; pressupõe o encontro e a troca entre eu e o outro, com base na verdade. E, se o outro participa dessa relação com a mentira, então estamos relacionando com um falso-outro, e isso é uma falsa-relação, logo:. Não há porquê submetermo-nos à mentira dele por uma relação que não existe em verdade, pois, não há alteridade nessa “relação”. O outro não está nela. Sendo assim, não há por que nos submetermos a mentira dele, pois ele não é ele.

_Entendi! Eis que, talvez mentimos por vaidade ou para evitarmos o desprezo de nossa pessoa ou ainda, pelo receio à desaprovação do outro.

_ Por certo, caríssimo! Ocorre que nesse caso, a mentira é um tanto pior, pois, se obtivermos o apreço ou a aprovação do outro pela nossa mentira, estaremos obtendo-os por algo que não é, ou que não somos. Pelo menos, nós saberemos que tal consideração não é dada a nós por uma verdade, mas sim por uma mentira inventada por nós para obtermos o apreço do outro e, nunca saberemos ao certo se seríamos verdadeiramente dignos do apreço e consideração dele de verdade.

_ É! Ocorreu-me que talvez mentimos para vivermos bem com os outros.

_ Ainda assim lhe digo meu amigo: que convivência poderia ser boa se fundada na mentira?

_ Para que eu me convença de vez me diga: não crê que talvez mentimos por considerar o outro despreparado para aceitar a verdade?

_ Que seu convencimento seja o resultado natural dessa reflexão! Portanto

lhe peço para refletir por si e não aceitar passivamente meus argumentos em torno da verdade e da mentira!

Quanto a sua indagação diria: como poderá esse outro de quem fala, estar preparado se lhe evitarmos a experiência da verdade usando a mentira? E quem poderá ajuizar a condição do outro de estar ou não preparado para aceitar ou não a verdade?

_Então meu amigo; talvez mentimos por não suportarmos a verdade.

_ É possível! Mas, que verdade, por maior que seja, poderá ser mais insuportável que a mentira, por menor que possa parecer ser?

- É verdade!

_ Talvez, meu caro, talvez !

Novembro, de 2002

Westerley

Carta Filosófica Nº 21