Carta 12

Quando coisificamos o outro,

acabamos por petrificar nosso coração.

COISIFICAR significa ver e tratar o outro como coisa. Uma coisa é menos que um ente é objeto de sentido utilitário. Seu valor é relacionado e proporcional à utilidade que ele tem para nós, quase sempre passageiras, provisórias.

Não há outra comparação senão a de um objeto, não há outra relação senão a de uso, quando nossa intenção ou atitude com o outro é apenas a de satisfazer nossa curiosidade ou nossos prazeres narcísicos e hedonistas.

A coisificação se dá por transferência. É quando transferimos do mundo das coisas para o mundo dos sujeitos toda nossa concepção e entendimento acerca do relacionar-se com alguém. Em outros termos: no mundo das coisas, nossa relação é sujeito/objeto, neste mundo o movimento é mantido pela sedução dos objetos que nos faz sentir um falso desejo e uma falsa sensação de realização pessoal, mas que na verdade não passa de uma relação de uso, por isso tão fugaz e aparente, por isso tão superficial e efêmera.

Já no mundo dos sujeitos, nossa relação é do tipo sujeito/sujeito, neste mundo, o movimento é mantido pela troca dos desejos reais, porque diz dos desejos humanos mais universais e internos, de ser para ser, são desejos de cada um, para todos e de todos para cada um . Não é a sedução que impera mas o enamorar que inspira, não é a utilidade dos objetos, mas a necessidade do coração. Por isso, nossa realização pessoal se dá na realização pessoal do outro conosco que, por sua vez, se realiza pessoalmente na nossa realização com ele. Isso é mais que uma troca, é um entregar-se.

A relação com o objeto não é integral, não é interna, ela é externa e unilateral, conquanto da superfície, e o que é da superfície não é outra coisa senão superficial. É quando não distinguimos estas relações é que fazemos a transferência, é justa esta planificação do nosso agir e sentir pelo outro, segundo o modelo determinado pelo mundo dos objetos, que nos faz transformar este outro ser, em coisa.

Pelo medo de nos despir internamente para o outro, ou pela mais pura ignorância, acabamos por esconder de todos, toda nossa capacidade de integrar e nos tornamos indisponíveis ao encontro.

Presos aos nossos sentimentos individuais, por medo do outro, vamos tentando fugir deste cárcere de pedras enquanto petrificamos nosso coração.

Março, de 2000

Westerley

Carta Filosófica Nº 12