Carta 18

CUMPRE-NOS entendermos bem o que seja o outro para nós. E ao entendermos, cumprir-nos-a, obrigatoriamente, distinguir os atributos principais que nos diferencia dos animais ou dos objetos que compõem a paisagem deste mundo.

O primeiro é a razão que nos aproxima, o segundo a paixão que nos une. Sem estas apreensões primeiras, difícil será situarmo-nos no mundo da razão humana e das paixões do espírito.

Sendo assim, enuncio meu ver sobre o outro. Não peço que concordes, mas que penetre na gênese do que exponho, por que vem do meu útero o embrião deste sentir genuinamente natural, no sentido de ser a única manifestação do meu ser não produzida, penso, por nenhuma interferência externa a mim mesmo exceto, pela existência naturalmente dada.

Acordado o que disse como válido; digo de como entendo o outro:

O entendo como a mim mesmo, sem o qual não seria possível o meu transitar pelo mundo, entendo-o como condição da minha existência. Existo não por mim, isoladamente e independentemente do outro, ao contrário, existo justamente porque o outro existe para mim e me confere a minha existência ao me perceber neste mundo como um sujeito capaz de razão e paixão.

O olhar do outro sobre mim é apriorístico, antecede à razão, é uma atitude contemplativa dá percepção, da intencionalidade primeira deste que não sou eu mas é a minha humanidade. E, é esta percepção dos sentidos do outro sobre mim, que me confere a forma, o brilho e a sombra que denota a tessitura de minha tez, a aparência do que me cobre, o odor do que exalo, o som da fala que me identifica, o silêncio que emite minha alma, o movimento, o gosto que tenho ao seu paladar; a estética enfim, de mim para-o-outro.

Seu olhar mais interpretativo que contemplativo, confere-me as qualidades, as características, os juízos de valor comportamental, a postura moral, o devir, o vir-a-ser, a ética enfim do meu ser.

Seu olhar mais sensitivo e passional que especulativo ou crítico, confere a mim o vital para minha existência, os sentimentos, o pensamento e a palavra. O olhar que não vejo é fala aos olhos outros que me aparecem... é a poética de que preciso enfim - Entendida aqui como aquilo que é colocado pela razão, mas que tem sua origem na paixão.

Por tanto, entendo o outro como se fosse, olhares que se cruzam aos meus, mas que sempre, porém, preferem o ângulo da razão poética para poder me olhar.

Quanto à razão do racionalismo, ela tenta ocupar um lugar que não é seu de direito natural e, hierarquiza, tecnifica, organiza, reprime, por meio do argumento superficial da convivência social e dos conceitos produzidos por ela mesma, para postular sobre o certo e o errado, que afinal, não existem.

Esta razão tenta a todo o tempo, regular o sentimento – manifestação natural e verdadeira do homem – negando-o ou permitindo-o, modificando-o ou enquadrando-o nos moldes postos por ela própria, - elemento apreendido, desenvolvido e utilizado como cárcere do nosso ser genuíno e verdadeiro que é a paixão. Já o sentir, sente em uma manifestação espontânea independentemente dos valores e dos conceitos produzidos pela razão do homem.

Resta-nos lembrar que, antes de sermos seres racionais, somos seres passionais, portanto, quando olhamos para o outro, dedicamo-lo primeiro, o nosso ser verdadeiro, mais íntimo e natural, dedicamos nossas paixões, nosso complexo passional, mutável dedicamos o que se convencionou esconder, mas que entendo como o que há de mais forte em nós. E a síntese de tudo isso, mesmo com a insuficiência das palavras, é o amor ao outro.

Dezembro, de 2002

Westerley

Carta Filosófica Nº 18

A paixão é o sentimento primeiro

e o mais genuíno nos homens,

por isso, antecede a toda razão.