Terceira Evocação

Por fim vens tu, minha silvestre rola,

Roçar-me o rosto co'as travessas asas,

Pousar-me ao ombro e com fagueiro arrulho

Dizer que em chamas só por mim te abrasas.

Oh! que lembranças na minha alma acordas!...

De nosso amor a malfadada história,

As tristes ânsias, a fugaz ventura,

Inda bem vivas tenho na memória.

Eis-te tão bela, qual eu vi-te outrora

Pousada à sombra do jambeiro em flor;

Teus lindos seios de cansaço arfavam,

E a calma intensa te avivava a cor.

Dos bosques vinhas, onde volitando

Flores e frutos a colher andavas;

Flores e frutos, que do teu regaço

Na relva em torno trêfega entornavas.

És sempre assim! - de tua primavera

Tu vais à toa despencando as flores;

E os imaturos frutos que colheste,

Os lábios teus encheram de amargores.

Bosques e montes lépida corrias,

Qual das cidades a elegante filha

De seu jardim as alinhadas ruas

Cismando amores descuidada trilha.

Quão luzidia te tombava a coma

Por sobre o colo e face cor de jambo;

Tal ser devia, porém não tão bela,

A linda esposa do infeliz Cacambo.

"Tímida corça, que incessante vagas

Do vale ao monte, da floresta ao prado,

Deixa, eu te peço, essa fragueira lida,

E nesta sombra vem pousar-me ao lado."

Assim te eu disse, e me escutando as vozes

A linda fronte reclinar vieste

Em meus joelhos, e com meigo riso

As róseas faces a beijar me deste.

Ah! que essas horas de fugaz ventura

De agros martírios eram precursoras;

Eram quais flores nas lúbricas margens

De fundo abismo a vicejar traidoras.

Da vida enquanto te reluz a aurora

Por entre abismos a cantar vagueias;

Ah! e quem sabe, que colheita amarga

De angústia e mágoas a sorrir semeias?!

Tal a gaivota descuidosa pousa

E se embalança na cerúlea vaga

De feio golfão, que mil monstros nutre,

E naus possantes no seu bojo traga.

Tímida corça, que eu amava tanto,

Por que comigo te tornaste fera?...

E em devorar-me o coração sangrento

Tu te aprazias, qual feroz pantera?...

Por que... mas ah! de que me serve agora

De tal passado renovar as penas?...

Não é melhor de nossas desventuras

Um véu lançar sobre as pungentes cenas?

Hoje contigo só desejo, amada,

De meu passado respirar as flores;

Que no futuro inquietações não faltam,

E no presente me sobejam dores.

Com vãos queixumes perturbar não devo

Desta entrevista a bem-fadada hora,

Que tu, lembrando nossa antiga chama,

Branda quiseste conceder-me agora.

Já deslembrado dos passados erros,

Só sinto agora quanto és meiga e linda:

Oh! nessas faces, que já foram minhas,

Deixa que um beijo deposite ainda...

Mas já procuras de teu bosque as sombras,

Em leve giro retalhando os ares;

Se num momento a meu chamado acodes,

Noutro me foges, sem sentir pesares.

Adeus! se a sorte ou desvarios nossos

A tanto amor deram funesto fim,

Fiel saudade dele guarda ao menos

Lá no teu ermo, e lembra-te de mim...

Rio, agosto de 1864