Não queiras morrer

Poesia oferecida a meu amigo e colega

o Sr. desembargador José Antônio Alves de Brito,

à memória de sua filha Zulmira, falecida na idade de 20 anos

"Por que motivo, linda e fresca rosa

Inclinas para o chão a fronte pura?...

Por que tão cedo, virgem lacrimosa,

Suspiras pela paz da sepultura?...

"Não, não queiras morrer. No albor da vida,

Na quadra da esperança e da ventura,

Quando a flores colher o céu convida,

Não, não fales na paz da sepultura.

"Não, não queiras morrer. Deus te conforte;

Nem sempre no céu reina noite escura;

Moça e linda, qual és, pede outra sorte.

Ah! não queiras tão cedo a sepultura.

"Não, não queiras morrer. Flor tão mimosa

Não deve assim murchar na desventura;

Resista aos vendavais a frágil rosa,

Não traje a aurora o véu da sepultura.

"Não, não penses em morrer. É cedo ainda;

Pede, espera do céu paz e ventura;

Não morras, não; sê forte, como és linda;

Não, não queiras a paz da sepultura.

"Não, não chames a morte. Àquela estrela,

A mais formosa, que no céu fulgura,

Confia o teu destino, e ao brilho dela

Esquece-te da paz da sepultura."

*

Assim a teus ouvidos murmurava

Branda aragem com tímidos rumores,

Beijando o rosto teu, que desbotava

Em lívidos palores.

Assim da fonte o quérulo marulho

Aos prazeres da vida te chamava;

Assim a rola com sentido arrulho

Também te soluçava.

Os céus de azul, os campos de verdura

Miríficos painéis desenrolando

Com mil cenas de amor e de ventura

Te estavam acenando.

De um pai o afeto, o maternal carinho

Erguiam a teus pés piedoso altar;

De ventura e esperança um doce ninho

Sorria-te no lar.

Mas essas brandas queixas, essas preces

Morriam pelo ar sem vibração,

E nem podiam, mesmo que o quisesses,

Chegar-te ao coração.

Do grosseiro envoltório da matéria

Teu espírito há muito solto andava,

E atravessando a região sidérea

Nos céus esvoaçava.

Quem sondar pode um coração, que arqueja

Envolto em triste, merencório véu,

E o vôo suspender do anjo, que adeja,

E só procura o céu?...

*

"Não, eu não vou morrer. Deus me conforta;

Não me aterra da campa a sombra escura,

Bem moça vou bater dos céus à porta;

E essa porta qual é?... a sepultura.

"Não, eu não vou morrer. Flor melindrosa

Preciso de aura mais serena e pura;

Não resiste ao tufão a frágil rosa;

É meu abrigo o véu da sepultura.

"Por que devo eu viver na terra ainda?...

Só espero no céu paz e ventura;

Irei lá renascer mais forte e linda,

Será meu novo berço a sepultura.

"Não, eu não vou morrer. Aquela estrela,

A mais formosa, que no céu fulgura,

Me guia ao meu destino; ao brilho dela

Vou descer sem pavor à sepultura."

*

Assim, não os teus lábios, mas tua alma

Murmurar parecia. Não falavas,

Mas do triste sorrir na expressão calma

Do teu peito os mistérios revelavas.

Eram eles, quais folhas desbotadas

Que a flor deixa cair uma por uma;

Larga no chão as pétalas mirradas

Mas de eflúvio suave o ar perfuma.

Assim, alma gentil, no extremo arquejo

Do corpo o frágil cárcere quebraste,

Nos espaços azuis soltaste o adejo,

E para os céus voaste.