Maria Fernanda Alves Guimarães (1958), trineta

Maria Fernanda Alves Guimarães é jornalista e genealogista

Pois é, gente, "A Escrava Isaura" acabou de ser premiada em Pequim, onde fez estrondoso sucesso. É isso mesmo, lá na distante Pequim – na China ex-vermelha e atualmente surpreendendo em delicados tons rosados – a novela "A Escrava Isaura" acabou de ser homenageada. Quem vai receber o prêmio é a atriz Lucélia Santos, que encarnou a Isaura, na adaptação da obra de Bernardo Guimarães.

Daqui, a gente fica matutando: como é que uma obra tão regional (afinal, o pai de verdade do texto original, Bernardo Guimarães, foi um autor tipicamente de histórias, ou melhor, de "causos" regionais), como uma história tão fixada numa época específica – o Brasil do II Reinado, quando idéias abolicionistas e republicanas começavam a fervilhar – pode fazer sucesso entre um povo como o chinês, de cultura, história e experiências completamente diferentes das nossas?

Lá no bairro das Cabeças, onde morava, na venerável Ouro Preto, em fins do século passado, essa coisa de prêmios, láureas e homenagens jamais passou pela cabeça de Bernardo Guimarães. Ele, poeta e juiz de Direito, era um homem simples.

No velho casarão – que resiste ao tempo e à especulação – Bernardo vivia com sua mulher Teresa e seus filhos João Nabor, Horário, Afonso, Constância, Isabel e Bernardo, conhecido por Didico. (O último, Pedro, ele não chegou a conhecer pois morreu quando sua mulher estava no sétimo mês de gravidez).

Num quartão enorme dessa casa, Bernardo escrevia. Sem pretensão, sem sonhar com prêmios e honrarias.

Acho que se Bernardo Guimarães soubesse desse prêmio ficaria enormemente espantado. Mas não perderia sua famosíssimo senso de humor. Como na ocasião em que, na Corte, d. Pedro II lhe pediu que apresentasse suas melhores obras, e ele foi buscar suas duas filhas, Isabel (de quem muito orgulhosamente sou bisneta) e Constância (morreu aos 15 anos de idade).

Curioso é o sucesso da novela "Escrava Isaura". No Canadá, quando foi exibida para a colônia portuguesa de Toronto (dublada com sotaque e tudo), em 1980, ela bateu recordes de audiência. As diferenças culturais, que muitas vezes podem ser empecilhos à compreensão de uma obra, não acontecem no caso de Isaura.É na vida (tão "romanceada" por alguns) e na obra (tão severamente criticada por outros) de Bernardo Guimarães que eu encontro a explicação para o sucesso d’A Escrava Isaura entre comunidades tão diferentes.

A explicação é a simplicidade, a marca registrada da vida e obra de Bernardo Guimarães.

A história de Isaura é a história de todos nós, de pessoas simples, de encontros e desencontros, de procura da verdade, de lutas pela Liberdade e pela Justiça. Da busca eterna do amor.

Bernardo Guimarães escrevia sobre a vida.

(Crônica publicada no Diário Popular, de São Paulo, em 29 de março de 1985, sob o título Isaura em Pequim)