Índio Afonso, 1ª edição (1873)

Ao leitor

A notícia começa por estas palavras: — Índio Afonso, herói de um dos contos de Bernardo Guimarães, etc... — Semelhante notícia a ser exata vem desmanchar completamente a figura do meu herói, a quem atribuí caráter magnânimo, índole bondosa e sentimentos generosos.

Ora, em vista disto, para que não se pense que em meu conto tive o propósito de fazer a apologia de um facínora, cumpre-me declarar o que há de real e de fictício em minha narrativa, e em que baseei para prestar ao Índio Afonso o caráter com que aparece em meu romance.

Como se vê, o Índio Afonso é personagem real e vivo ainda. Sua figura, costumes, maneiras, tom de voz, modo de vida são tais quais os descrevi, pois tive ocasião de vê-lo e conversar com ele.

Os dois sobrinhos que andam sempre em sua companhia também realmente existem; Caluta, Batista e Toruna são porém meras criações de minha imaginação, assim como o são quase todos os feitos e proezas que faço o meu herói praticar.

É verdade que quando estive na província de Goiás em 1860 e 1861, ouvi contar diversas façanhas do afamado caboclo; mas quando me lembrei, há pouco mais ou menos um ano, de escrever este romance, já delas me restava apenas uma vaga-reminiscência e, por isso é possível que uma ou outra tenha algum laivo de veracidade.

Para desenhar-lhe o caráter baseei-me no que em Catalão ouvia dizer a todo o mundo. Todos o pintavam com o caráter e o costumes que lhe atribuo, e era voz geral que ele só havia cometido um homicídio, e isso para defender ou vingar um seu amigo ou pessoa de família.

A descrição dos lugares também é feita ao natural, pois os percorri e observei mais de uma vez. Com o judicioso e ilustrado crítico o Sr. Dr. J. C. Fernandes Pinheiro, entendo que a pintura exata, viva e bem traçada dos lugares deve constituir um dos mais importantes empenhos do romancista brasileiro, que assim prestará um importante serviço tornando mais conhecida a tão ignorada topografia deste vasto e belo país.

Por isso faço sempre passar a ação dos meus romances em lugares que me são conhecidos, ou pelo menos de que tenho as mais minuciosas informações, e me esforço por dar às descrições locais um traçado e colorido o mais exato e preciso, o menos vago que me é possível.

Eis o que há de real em meu romance. Se porém o Índio Afonso é um bandido ordinário, um facínora feroz e ignóbil como tantos outros, pouco me importa.

O Índio Afonso de meu romance não é o facínora de Goiás; é pura criação de minha fantasia.

Ouro Preto, 28 de fevereiro de 1873.

Bernardo Guimarães