A cismadora

Sedutora moreninha,

Que à tardinha

Vens pousar nessa janela,

Em que cismas tão calada,

Debruçada,

Com a mão na face bela?...

Os raios do sol poente

Docemente

Beijam-te a fronte mimosa:

E em teus sonhos engolfada

Descuidada

Nem sabes quanto és formosa.

O cabelo em longos fios

Luzidios

Pelos ombros te serpeia:

E os contornos do semblante

Deslumbrante

De leves sombras ondeia.

E quando assim apareces,

Me pareces

A estrela crepuscular,

Entre nuvens escoando

Clarão brando,

Que de amor nos faz cismar.

Quando cismas à tardinha

Tão sozinha,

O que vês lá no horizonte?

O que assim teus olhos prende,

E te pende

A donosa e pura fronte?

Acaso na flor da idade

Da saudade

Sentes já o agro pungir?

Ou nos sonhos de criança

Da esperança

Vês a estrela reluzir?

Que sopro te verga o colo

Para o solo,

Flor apenas entreaberta,

E faz pelos horizontes,

Sobre os montes,

Vaguear-te a vista incerta?

De algum anjo, teu irmão,

A canção

Estás ouvindo nos céus?

Ou do éden as campinas

Descortinas

Da tarde por entre os véus?

Do primeiro amor no enleio

Já teu seio

Acaso sentes arfar?...

E sofres n'alma o império

De um mistério

Que não sabes decifrar?

Ah! se nessa cisma vaga,

Que te afaga,

Minha imagem perpassasse...

Se no pobre bardo amante

Um instante

Tua idéia repousasse...

Se a mim fora reservado

Pelo fado

Levantar o casto véu,

E de amor as chamas puras,

E as venturas

Relevar-te, anjo do céu...

Mas não; -- em tal não pensemos,

E deixemos

O anjo envolto em seus sonhos;

São leves nuvens, que passam,

Que esvoaçam

Em seus céus sempre risonhos.

São da inocência a fragãncia,

Que na infância

D'alma pura se evapora;

Aroma, que pelos vales

Verte o cálix

Do lírio ao raiar da aurora.

Sim, deixemos a alma bela

Da donzela

Em seus sonhos embebida;

É perfume da existência,

Pura essência,

Que embalsama o albor da vida.

Também a rola inocente,

Quando sente

A noite que se avizinha,

Arqueia o colo plumoso,

E em repouso

N'asa esconde a cabecinha.

Agosto de 1869.