Adeus da musa do Itamonte
[Itamonte é o nome que o poeta Cláudio Manuel da Costa
deu ao pico Itacolomi, das montanhas de Ouro Preto]
...Lá, onde levantado
Gigante, a quem tocara
Por decreto fatal de Jove irado
A parte extrema e rara
Desta inculta região Itamonte,
Parte da terra transformado em monte.
(Cláudio Manuel da Costa)
Eu a vi, nesse dia, em que na lira
Vibrou tristes endeixas,
E da montanha aos ecos consternados
Mandou sentidas queixas
Eu vi a gentil filha do Itamonte;
Foi numa tarde esplêndida e formosa;
Nessa hora deleitosa
Já o sol se escondendo no horizonte
Aí também, depois de longamente
Peregrinar no mundo,
Sentiu cansaço e tédio da existência,
E desprazer profundo.
E ainda no verdor dos belos anos
O meu saudoso amigo
Sorrindo de desdém foi reclinar-se
No fúnebre jazigo.
***
Seu gênio era tão límpido e brilhante
Bem como o diamante
De seu país natal;
Impetuoso como a catarata,
Que tomba e se desata
Pelo profundo vai.
Da pátria sua as fontes e os rochedos
Melódicos segredos
Nos lábios lhe infiltraram;
E as fadas dos arroios diamantinos
Mil delicados hinos
Sorrindo lhe ensinaram.
A negra, pertinaz melancolia
Longe de si bania
Tangendo a doce lira;
Se algum pesar o seio lhe roçava,
As asas lhe queimava
Da inspiração na pira.
Mas nem somente a musa galhofeira
Alegre e prazenteira
Vinha inspirar-lhe o canto.
Ah! quantas vezes, quantas, sobre a lira
O bardo não sentira
Correr acerbo pranto.
Outras vezes rasgando etéreos véus
O arrebatava aos céus
Valente inspiração.
Então não era mais simples poeta;
Falava qual profeta
A Deus e à criação.
Sua bela alma nunca vi vazia
De amor, de poesia,
De altivos sentimentos.
Se alguma dor por dentro o flagelava,
Para si só guardava
As penas e os tormentos.
Rindo e cantando perpassou de leve
Da vida espaço breve
Luzente meteoro.
Rindo e cantando foi para o jazigo
O tão saudoso amigo,
Por quem té hoje choro.