Ode

Ao meu amigo Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa,

por ocasião do falecimento de seu pai

Durum, sed levius fit pacientia

Quid, quid corrigere est nefas.

(Horário, Odes.)

Em frente de um sarcófago funéreo

Vejo-te, amigo; - atroz melancolia

Te paira sobre a mente conturbada,

Como nuvem sombria.

É grave a tua dor; austera e funda

Como da campa o seio tenebroso;

E o peito aflito como que se fende

No arquejo doloroso.

Uma nuvem de lúgubres idéias

Eu vejo em tua mente esvoaçando,

Como abutres sinistros de teu peito

As fibras lacerando.

Nem um suspiro, nem uma só lágrima

Pelas imóveis pálpebras transuda;

A dor, que é forte e grande, não tem prantos

E como a campa é muda.

Debalde invocas de tua alma a força

Nesse transe de acerbo sofrimento;

Corre-te em bagas pela fronte pálida

Suor de desalento.

Nesse ataúde entre brandões funéreos,

Quem é que aos sons de um dobre pesaroso

Lá vai caminho da mansão medonha

Do perenal repouso?

Por que fitas, amigo, olhar sombrio

No quadro dessa campa há pouco aberta?...

Por que razão ante a visão sinistra

Te ondeia a mente incerta?

Ai! que lá tomba sobre os frios restos

De um pai querido a lápida pesada!

Aos olhos teus sumiu-se para sempre

Aquela efígie amada.

Fatal destino, que te enluta os dias,

Te abre no coração cruel ferida;

Ei-lo deitado sobre o chão da morte

Esse, que deu-te a vida.

Em dia infausto o pálido fantasma

Co'as fuscas asas te roçou nos lares,

E os transformou em lúgubre morada

De angústias e pesares.

O vendaval quebrou o tronco anoso,

E o debruçou no leito do jazigo,

Deixando as tenras plantas, que o rodeiam

Sem sombra, e sem abrigo.

Mas não entregues indefeso o peito

Da dor cruel ao despiedado embate;

No broqueI da razão, que te ilumina,

Os golpes seus rebate.

Quem na campa de um pai, ou mãe querida

Não tem vertido o pranto da saudade?

Quem neste mundo não trajou chorando

O luto da orfandade?...

Tal é da humanidade sempre a sorte;

Foi sempre o mundo um vasto cemitério,

Onde a morte implacável alardeia

O seu fatal império.

Da vida o curto e afadigado cuiso

Vai por sendas de túmulos orladas;

De extintas gerações a cada passo

Calcamos as ossadas.

A vida é sonho breve, o mundo um ermo,

Que transpomos à pressa; - a realidade,

Essa existe somente além da campa,

Está na eternidade.

Desvia pois teus olhos macerados

Dessa tristonha e lúgubre mansão;

E eleva a idéia a regiões mais altas

Nas asas da razão.

Ergue tua fronte, e impávido te apresta

A prosseguir tua missão no mundo;

Ah! não fraqueies na afanosa luta

De teu pesar profundo.

Na poeira das campas não mais deixes

Rebolcar-se abatido o pensamento,

E da esperança nas esferas puras

Respira novo alento.

Paz aos mortos!... a nós cumpre marcharmos

Até da vida os arraiais extremos,

Onde um dia também o eterno pouso,

E lágrimas teremos.

Avante pois! - tua formosa estrela

Inda alumia as sendas do porvir,

E na carreira de teus belos dias

É força prosseguir.

IBem sei, que mágoas tais não se consolam;

Deixe-se envolta em seu lutuoso véu

Tão justa dor; consolações a ela

Só podem vir do céu.

Assim nas magoas, que te pungem n'alma,

Que mais eu posso, humilde trovador,

Senão mesclar às lágrimas do amigo

Um cântico de dor?

O anjo das dores santas, que em teu peito

Verte hoje a flux o fel das amarguras,

Venha ele mesmo os prantos enxugar-te

Com suas asas puras.

Ouro Preto, dezembro de 1867

O Dr. Francisco de Paula Pereira Lagoa, a quem B.G. dedicou essa Ode,

foi clínico de prestígio em Ouro Preto. O médico morreu cerca de um mês depois

de a Ode ter sido escrita, em 24 de janeiro de 1868, com menos de 40 anos.