O sabiá

L'oiseau semble la véritable embléme

du chrétien ici-bas; il pref`ère, comme le

fidèle, la solitude au monde; le ciel à la

terre, et sa voix bénit sans cesse les

merveilles du Créateur

(Chateaubriand)

Tu nunca ouviste, quando o sol é posto,

E que do dia apenas aparece,

Por sobre os ermos píncaros do ocaso,

A orla extrema do purpúreo manto;

Quando lã do sagrado campanário

Já reboa do bronze o som piedoso,

Abençoando as horas do silêncio;

Nesse instante de místico remanso,

De maga solidão, em que parece

Pairar bênção divina sobre a terra,

No momento em que a noite vem sobre ela

Desdobrar o seu manto sonolento;

Tu nunca ouviste, em solitária encosta,

De anoso tronco na isolada grimpa,

A voz saudosa do cantor da tarde

Erguer-se melancólica e suave

Como uma prece extrema, que a natura

Envia ao céu, - suspiro derradeiro

Do dia, que entre sombras se esvaece?

O viandante para ouvir-lhe os quebros

Pára, e se assenta à margem do caminho;

Encostado aos umbrais do pobre alvergue,

Cisma o colono aos sons do etéreo canto

Já das rudes fadigas deslembrado;

E sob as asas úmidas da noite

Aos meigos sons em êxtase suave

Adormece embalada a natureza.

Quem te inspira o doce acento,

Sabiá melodioso?

Que mágoas triste lamentas

Nesse canto suspiroso?

Quem te ensinou a canção,

Que cantas ao pôr do dia?

Quem revelou-te os segredos

De tão mágica harmonia?

Acaso a ausência tu choras

Do sol, que além se sumira;

E teu canto ao dia extinto

Mavioso adeus suspira?

Ou nessas notas sentidas,

Exalando o terno ardor,

Tu contas à meiga tarde

Segredos do teu amor?

Canta, que o teu doce canto

Nestas horas tão serenas,

Nos seios d'alma adormece

O pungir de acerbas penas.

Cisma o vate ao brando acento

De tua voz harmoniosa,

Cisma, e deslembra tristuras

De sua vida afanosa.

E ora n'alma se lhe acorda

Do passado uma visão,

Que em perfumes de saudade

Vem banhar-lhe o coração;

Ora um sonho lhe vislumbra

Pelas trevas do porvir,

E uma estrela d'esperança

Em seu céu lhe vem sorrir:

E por mundos encantados

Lhe desliza o pensamento.

Qual nuvem que o vento embala

Pelo azul do firmamento.

Canta, avezinha amorosa,

Em teu asilo soidoso;

Saúda as horas sombrias

Do silêncio e do repouso;

Adormenta a natureza

Aos sons de tua canção;

Canta, até que o dia morra

De todo na escuridão.

Assim o bardo inspirado,

Quando a eterna noite escura

Lhe anuncia a fatal hora

De baixar à sepultura,

Um adeus supremo à vida

Sobre as cordas modulando,

Em seu leito sempiterno

Vai adormecer cantando.

Colmou-te o céu de seus dons,

Sabiá melodioso;

Tua vida afortunada

Desliza em perene gozo.

No tope do tronco excelso

Deu-te um trono de verdura;

Deu-te a voz melodiosa

Com que encantas a natura;

Deu-te os ecos da valada

Pra repetir-te a canção;

Deu-te amor no doce ninho,

Deu-te os céus da solidão.

Corre-te a vida serena

Como um sonho afortunado;

Oh! que é doce o teu viver!

Cantar e amar eis teu fado!

Cantar e amar! - quem dera ao triste bardo

Assim viver um dia;

Também nos céus os anjos de Deus vivem

De amor e de harmonia:

Quem me dera qual tu, cantor dos bosques,

Na paz da solidão,

Sobre as ondas do tempo ir resvalando

Aos sons de uma canção,

E exalando da vida o sopro extremo

Num cântico de amor,

Sobre um raio da tarde enviar um dia

Minh'alma ao Criador!...