Minha rede
Minha rede preguiçosa
Amorosa,
Em teu seio me embalança;
Quero ler nos céus risonhos
Doces sonhos
De ventura e de esperança.
Neste lânguido desleixo
Correr deixo
Minha vida descuidora,
Contemplando ali defronte
No horizonte
Uma nuvem cor-de-rosa.
Pelo vão dessa janela,
Pura e bela,
Eu a vejo deslizar;
Pelo campo etéreo voga
Qual piroga
Cortando o cerúleo mar.
Linda vem, quem me dera
Pela esfera
Em teus ombros ir boiando,
E pairando sobre os montes,
Horizontes
Infinitos devassando!
Veria da minha terra
A alta serra,
Que há tanto tempo deixei;
E veria na janela
A donzela
Por quem tanto suspirei.
E os lares de minha infância,
Em distância
Pelo menos eu veria,
E as campinas, os ribeiros,
E os coqueiros,
A cuja sombra dormia...
Veria coisas infindas,
E tão lindas,
Que eu nem posso descrever,
O nuvem, se em teu regaço
Pelo espaço
Eu pudesse espairecer.
Mas se tio puro recreio
Em teu seio
Não quer dar-me a sorte escassa,
Ao menos esvoaçando
Lá te mando
De meu charuto a fumaça.
Nela vai meu pensamento
Pachorrento
Feio ar vogando a esmo;
Para mim isto é tão doce,
Qual se fosse
Para ti voando eu mesmo.
Entanto daquele corvo
Negro e torvo
Quanto invejo o feliz fado!
Sobre as nuvens me parece
Que adormece
Nas asas equilibrado.
E adejando em céus de anil,
Esse vil
Ri talvez de compaixão
De mim, pobre armalejo,
Que rastejo
Neste ingrato e duro chão.
Que me importa, se em descanso
Me embalanço
Cantando uma barcarola;
E agitando-me nos ares,
Dos pesares
Minha rede me consoIa.
Tudo prazeres exprime,
E sorri-me
Em puro céu de bonança,
Quando esta rede amorosa,
Preguiçosa,
Em seu seio me embalança.
Minha rede é meu tesouro,
Nuvem d'ouro
Que me embala pelo espaço;
Fim seu lânguido vaivém
Eu também
Sobre os ares esvoaço.
Se penso nos meus amores,
Entre flores
Me sorri doce esperança:
E entre sonhos cor-de-rosa,
Amorosa,
Minha rede me embalança.
Os pesares, os queixumes,
Os ciúmes
Com horror dela se arredam;
Só prazeres sorridores,
Só amores
Em suas malhas se enredam.
Mas amigos, em mim crede;
Esta rede
Foi um presente divino;
Esta rede é encantada;
Uma fada
Me a deu em troco de um hino.
Minha rede sonolenta,
Vai mais lenta,
Vai-me agora embalançando;
Enquanto o suave sono
De teu dono
Sobre os olhos vem baixando.
Rio, abril de 1864.