Ao cigarro

Cigarro, minhas delícias,

Quem de ti não gostarás?

Depois do café, ou chá,

Há nada mais saboroso

Que um cigarro de Campinas

De fino fumo cheiroso?

Cigarro, quanto és ditoso!

Já reinas em todo mundo,

E esse teu vapor jucundo

Por toda parte esvoaça.

Até as moças bonitas

Já te fumam por chalaça !...

Sim; - já por dedos de neve

Posto entre lábios de rosa,

Em gentil boca mimosa

Tu te ostentas com vaidade.

Que sorte digna de inveja!

Que pura felicidade!

Anália, se de teus lábios

Desprendes subtil fumaça,

Ah! tu redobras de graça,

Nem sabes que encantos tens.

À invenção do cigarro

Tu deves dar parabéns.

Qual caçoula de rubim

Exalando âmbar celeste,

Tua boca se reveste

Do mais primoroso chiste.

A tão sedutoras graças

Nenhum coração resiste.

Embora tenha o charuto

Dos fidalgos a afeição,

E do conde ou do barão

Seja embora o favorito;

Mas o querido do povo

Es tu só, meu cigarrito.

Quem pode ver sem desgosto,

Esse charuto tão grosso,

Esse feio e negro troço

Nos lábios da formosura?...

E uma profanação,

Que o bom gosto não atura.

Mas um cigarrinho chique,

Alvo, mimoso e faceiro,

A um rostinho fagueiro

Dá realce encantador.

E incenso que vapora

Sobre os altares de amor.

O cachimbo oriental

Também nos dá seus regalos;

Porém nos beiços faz calos,

E nos faz a boca torta.

De tais canudos o peso

Não sei como se suporta!...

Deixemos lá o grão-turco

No tapete acocorado

Com seu cachimbo danado

Encher as barbas de sarro.

Quanto a nós, ó meus amigos,

Fumemos nosso cigarro.

Cigarro, minhas delicias,

Quem de ti não gostará?

Certo no mundo não há

Quem negue tuas vantagens.

Todos às tuas virtudes

Rendem cultos e homenagens.

És do bronco sertanejo

Infalível companheiro;

E ao cansado caminheiro

Tu és no pouso o regalo;

Em sua rede deitado

Tu sabes adormentá-lo.

Tu não fazes distinção,

És do plebeu e do nobre,

És do rico e és do pobre,

És da roça e da cidade.

Em toda a extensão professas

O direito de igualdade.

Vem pois, ó meu bom amigo,

Cigarro, minhas delícias;

Nestas horas tão propícias

Vem dar-me tuas fumaças.

Dá-mas em troco deste hino,

Que fiz-te em ação de graças.

Rio de Janeiro, 1864

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O charuto