Afonso Guimarães (1876-1955) - filho

Nasci em Queluz de Minas, a antiga Vila dos Carijós, aos 30 de abril de 1876, chamo-me Afonso e sou o quinto filho de meu pai. Meu pai -- que exemplar! -- alto, robusto, cabelos anelados, grande olhos rasgados e mansos, boca espirituosa, sorridente, nariz romano, barba bipartida e encaracolada, tendo o melhor dos seus retratos naquele sátiro do Sátiro e a Vendedora de frutas, de Rubens e naquele portrait-charge de Ângelo Agostini, estampado na revista D. Quixote e pelo qual foi, decerto, que Bernardelli modelou aquele busto da herma da Praça da Liberdade, que mais parece o busto de um fauno - boêmio, romancista e poeta.Se bem que ele tivesse tocado às raias da inspiração genial em Devanear de um Cético, primor literário de tão pungente ceticismo filosófico, e da originalidade com Orgia dos Duendes, Evocações e Combate de Touros, foram a sua bonomia e a sua fortaleza que mais calaram na alma e nela revivem nas recordações de minha infância, já tão longínqua...

Estou a vê-lo, quando de Ouro Preto, abalávamos para o retiro do primo João, atravessando o açude profundo do moinho e, a sacudir a água da cabeleira parnasiana, transpô-lo às braçadas em nado silencioso, os braços poderosos e as mãos enormes transformadas em remo que lhe arrastavam facilmente o corpo à flor das águas como um yole!

Estou a vê-lo...

Afonso Guimarães

(Este depoimento foi publicado no Correio da Manhã)