Pedro Bernardo Guimarães (1884-1948), filho

As Esculturas de meu Pai

As esculturas de meu Pai - Há muito de exagero, às vezes, muito de ficciosa criação nos que fazem a história anedótica dos que morrem em cheio de celebridade, rebuscando excentricidades características da vida dos que biografam.

Sem que me constranjam preconceitos ou convenções a que a afinidade de sangue me levaria, limitando minhas expansões admiradoras ao autor d' A Escrava Isaura, eu posso dizer muito à vontade que meu pai, BernardoGuimarães, sendo o mais popular e o mais nacional dos nossos romancistas até hoje não escapou a esse vezo.

Por todas as terras onde andou, em Goiás, onde exerceu o juizado de Catalão; em Queluz de Minas, onde foi professor, em Ouro Preto, onde nasceu e residiu durante mor parte de sua vida; em S. Paulo, onde estudou direito em companhia de Aureliano Lessa e Álvares de Azevedo, e arrancou sua carta de "bacharel formado", como rezam os dizeres do pergaminho, pelo seu bom humor comunicativo e gênio delicadamente bondoso, deixou só amigos.

Não raro eu encontro com um desses, que tiveram relações íntimas com o Poeta, e se os topos, de[s]fiam o rosário de anedotas, em sabendo que sou filho.

Seriamente que me mostro encantado, embora nas narrativas confundam-se coisas aceitáveis com as fabulosas piadas de que o inteligente savoir-faire de meu pai seria incapaz.

Assim, tenho caladamente digerido facécias de Bocage que andam impressas em edições de dez tostões, para gáudio do povo, lançadas à conta da responsabilidade espiritual de Bernardo.

E sempre, finalizando, os narradores invocam que eu, "filho do rebento ilustre", diga se não "foi exato" o episódio, coagindo-me, dentro do silêncio de devida gentileza, a autenticar o "caso contado" entre muito elogio que põe uma peia e não permite que se negue, contrariando.

Ademais, chegando o centenário de meu pai, dispenso-me de dizer que esses seus contemporâneos sobreviventes tenham já sobre a cabeça alvíssima respeitável neve, e à velhice devemos um culto que não admite contradizer narradores venerandos, mesmo que constitua, pela sua sensaboria, um crime de lesa-espírito atribuir a piada ao talentoso poeta boêmio.

Valem mais, porém, as intenções do que as palavras, - e no fundo as intenções desses evocadores são deliciosamente puras e boas, encerrando sempre o desejo de homenagem cativante.