Segunda evocação

Oh! quem és tu, que assim n'alma me vibras

Olhar ardente e vivo,

E com sorrir lascivo

Do peito meu vens abalar as fibras?...

Em crespas ondas cai-te nas espaldas

Negra madeixa em cachos abundantes,

Bem como da montanha pelas faldas

A coma ondula às selvas sussurrantes.

Gentil como Moema,

Alças vaidosa o colo teu moreno,

Como garbosa ema,

Que ufana vaga pelo campo ameno.

Oh! vem! - bem te conheço; - és tu, que outrora

Febre fatal nas veias me ateaste;

E com teus risos, tua voz canora,

Humilde às tuas plantas me arrojaste;

E acodes hoje aos sons de minha lira,

A ver o amante, que por ti suspira.

Travessa como sempre, e bandoleira,

Nos teus lábios constante paira o riso,

E o brando olhar e a boca feiticeira

De delícias promete um paraíso.

Mas ah! que essa aparência tão fagueira

Dá morte ao coração, dá morte ao siso...

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Foi breve o nosso amor, mas devorante

Como o incêndio, que um vento impetuoso

Assopra na floresta,

Que lavra furioso, e num instante

Tudo aniquila; e do vergel frondoso

Somente a cinza resta.

Sobre meu peito a leve cabecinha

Um dia reclinaste,

Mas sem saber que nele se continha

Um coração, qual nunca suspeitaste;

Mal pensando, que fogo alimentavas,

Sobre um vulcão a fronte repousavas.

De meus sentidos na fatal cegueira

Eu tomei por amor teus desvarios;

E por mais que sorrisses-me fagueira,

Aos beijos meus achei teus lábios frios.

As faces tuas encostaste às minhas,

Mas não me deste a alma, que a não tinhas.

Ah!... bem cedo entendi que me embaias

Com teus risos e afagos sedutores;

Que essas carícias frias

Também davas a outros amadores,

E como um sol a todos aquecendo,

Teus mimos e favores

A uns e outros ias concedendo.

Inda bem que esse amor durou tão pouco!

Meu coração de angústias estalava...

Ardendo em raiva, de ciúmes louco,

Veloz me arrebatava

Meu rápido corcel,

Transpondo brenhas e galgando serras,

Para bem longes terras.

Para longe de ti, minha infiel!...

Porém não quero já com vãos queixumes

O prazer destruir que hoje me trazes;

Oh! não! sem recordar velhos ciúmes

Façamos hoje as pazes.

Como se lança um manto funerário

Sobre o lívido rosto de um finado

Para ocultar-lhe a feia hediondez,

Assim do olvido o gélido sudário

Sobre as desgraças e erros do passado

Lancemos de uma vez.

Se eu agora lembrei-te tais loucuras,

Comigo não te enfades,

Que a despeito de tuas travessuras

De nosso amor me lembro com saudades.

Oh! recordemos antes as delícias

Que me deste a sorver; - as noites breves,

Que ampararam com sombras tão propícias

Prazeres, que do tempo as asas leves

Depressa nos roubaram,

E deles só lembranças nos deixaram.

Ouvir dos lábios teus hoje desejo

Doces palavras, que disseste outrora;

Quero mostrar-te num fervente beijo,

Que minha alma té hoje inda te adora.

Sobre os joelhos meus vem pois sentar-te,

Bem como outrora; - quero um só instante

Beijar-te o riso, e as graças contemplar-te...

Vê... minha fronte férvida, anelante,

No doce afã de amor perdido o siso,

Inda nos seios mórbidos descai-te;

Cinge-me ao peito teu, dá-me um sorriso...

Toma este beijo, e vai-te...