Estrofes
Ao Dr. F.L. Bittencourt Sampaio,
por ocasião de sua vinda a Ouro Preto, em 1875.
Eu te saúdo, ó cisne de outras margens,
Que o vôo teu abates
Por um momento nestas fundas vargens,
Ninho de ilustres vates,
Cujo canto até hoje inda suspira
Na viração, que pelos montes gira.
Sejas bem-vindo nas alpestres plagas,
Onde Cláudio e Dirceu
Co'as liras encantando as duras fragas
O nome e o gênio seu
Vão mandando em canções imorredouras,
As mais remotas gerações vindouras.
Estes vales te acolhem prazenteiros;
Saúdam-te estes montes,
Sacudindo os espessos nevoeiros
Das enrugadas frontes,
E se ufanam de ver dentro em seu seio
O cisne, que de estranhas terras veio.
Grata sombra, suave murmúrio
Encontres neste vale;
Com fagueiros rumores este rio
Saudade e amor te fale;
Estas auras te cantem doces hinos,
Inspire-te este céu sonhos divinos.
De Marília o cantor ternas endeixas
Aqui gemeu na lira;
E de Marília o nome inda entre queixas
A viração suspira;
Inda estes montes guardam na memória
De seu fiel amor a triste história.
Ali do velho Cláudio nos encara
A sombra veneranda,
Excelso vate, vítima preclara
De atrocidade infanda.
Dirceu finou-se em mísero degredo
De Cláudio a morte é tétrico segredo.
Não vês aquele píncaro altaneiro,
Que o azul do céu invade?...
Tímido ainda ali fulgiu primeiro
Clarão de liberdade,
Frouxo arrebol, que anunciava o dia,
Em que o cetro aos tiranos cairia.
Mas ai! que esse lampejo tão formoso,
De luz incerta e vaga,
De Xavier no sangue generoso
Por fim se esvai, se apaga!
Sucede-lhe de novo noite espessa,
E nas trevas alveja uma cabeça!
Uma cabeça lívida e mirrada
Aos ventos balançando,
Em afrontoso poste está cravada,
Troféu negro, execrando,
Que recomenda às maldições da história
De cruentos algozes a memória.
Sangue de Xavier! sangue fecundo!...
Sobre esta terra escrava
Regaste a planta, que no chão profundo
Oculta germinava.
Sangue bendito! generoso brado
Às gerações futuras arrojado!...
Sangue de Xavier, surge de novo
Da terra, que embebeu-te,
Salpica o rosto deste ignavo povo,
Que tão cedo esqueceu-te!
Quem do presente aos brados não acorda,
Também glórias passadas não recorda.
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Não canta o sabiá na riba imunda
De podre lodaçal;
Não mescla o canto à grita furibunda,
Que atroa o pantanal,
Emudece, ou rompendo os livres ares
Vai desprender mais longe os seus cantares.
Não lhe aprazem mesquinhas ribanceiras,
Escassos horizontes;
Quer amplos vales, selvas altaneiras,
Imensuráveis montes;
Quer céu de amor, quer sol de liberdade,
Quer diante de si a imensidade.
Não mais cantemos: deixe-se em repouso
A lira desmontada,
No recesso do lar silencioso
A um canto pendurada;
Não se casam acentos de harmonia
Aos vis tripúdios de asquerosa orgia.
Novembro de 1875.