O bandoleiro (canção)
Se mil forem belas,
Amarei todas elas.
(Lundum brasileiro)
A minha amada de ontem
Era formosa e linda;
Mas tu, que eu hoje adoro,
És mais formosa ainda.
Porém não vás queixar-te
De eu ser tão inconstante;
De que meu peito mude
De amor a cada instante.
Meu bem, se assim não fôra,
Como hoje havia amar-te,
Se inda ontem tinha presa
Minha alma em outra parte.
Se ontem me encantavam
Uns olhos de safira,
Agora o teu sorriso
Maior paixão me inspira.
E a minha amada de ontem
Era formosa e linda;
Mas tu, que eu hoje adoro,
És muito mais ainda.
Não sabes que a mudança
É lei da natureza,
Que nada há de constante
Em toda a redondeza?
O rio às verdes margens
Saudoso adeus murmura,
E para outras paragens
Saudoso se apressura.
O mar se agita inquieto,
O abismo revolvendo,
E de uma a outra praia
Balança-se gemendo.
Os astros, que cintilam
Da noite no mistério,
Nos fogem do horizonte
Buscando outro hemisfério.
Se tudo neste mundo
É tão inconsistente,
Como há de ser só firme
O coração da gente?
Ao menos sou sincero;
Mentir eu não sei, não;
Só sei aos pés das belas
Cantar esta canção.
Nas vagas da inconstância
Deixai-me pois boiando;
E à flor de emoções doces
Contente resvalando,
Qual leve colibri,
Que nos jardins adeja,
E o seio às flores todas
Voando veloz beija.
Ai triste do que esgota
A taça dos amores,
E quer teimoso e cego
Sorver-lhe os amargores.
Nas bordas a beleza
Lhe verte mel, perfumes;
Mas fervem-lhe no fundo
Remorsos e ciúmes...
Porém por que te enfadas
Com mostras de desgosto?
Murchar eu não pretendo
Os risos no teu rosto.
Adeus! - se amor não queres
Assim fácil e breve,
Do teu amante o nome
Do peito teu proscreve:
Que nos jardins de amor
Existem outras flores,
Bem como tu formosas,
Mas sem os teus rigores.
E aos pés de outra beleza
Depondo o coração,
Irei, sem ter remorsos,
Cantar-lhe esta canção:
A minha amada de ontem
Era formosa e linda;
Mas tu, que eu hoje adoro,
És mais formosa ainda.
Rio de Janeiro, 1860.