Esperança

Espère, enfant! - demain! - et puis demain encore;

Et puis, toujours demain! (V. Hugo)

Singrando vai por mares não sulcados

Aventureiro nauta, que demanda

Ignotas regiões, sonhados mundos;

Ei-lo que audaz se entranha

Na solidão dos mares - a esperança

Em lisonjeiros sonhos já lhe pinta

Rica e formosa a terra suspirada,

E corre, corre o nauta

Avante pelo páramo das ondas;

Além um ponto surde no horizonte

Confuso - é terra! - e o coração lhe pula

De insólito prazer.

Terra! - terra! - bradou - e era uma nuvem!

E corre, corre o nauta

Avante pelo páramo das ondas;

No profundo horizonte os olhos ávidos

Ansioso embebe; - ai! que só divisa

Ermos céus, ermas ondas.

O desalento já lhe coa n'alma;

Oh! não; eis nos confins lá do oceano

Um monte se desenha;

Não é mais ilusão - já mais distinto

Surge acima das ondas - oh! é terra!

Terra! - terra! - bradou; era um rochedo,

Onde as ondas batendo eternamente

Rugindo se espedaçam.

Eis do nosso passar por sobre a terra

Em breve quadro uma fiel pintura;

É a vida oceano de desejos

Intérmino, sem praias,

Onde a esmo e sem bússola boiamos

Sempre, sempre com os olhos enlevados

Na luz desse fanal misterioso,

Que alma esperança mostra-nos sorrindo

Nas sombras do porvir.

E corre, e corre a existência,

E cada dia que cai

Nos abismos do passado

É um sonho que se esvai,

Um almejo de noss'alma,

Anelo de felicidade

Que em suas mãos espedaça

A cruel realidade;

Mais um riso que nos lábios

Para sempre vai murchar,

Mais uma lágrima ardente

Que as faces nos vem sulcar;

Um reflexo de esperança

No seio d'alma apagado,

Uma fibra que se rompe

No coração ulcerado.

Pouco e pouco as ilusões

Do seio nos vão fugindo,

Como folhas ressequidas,

Que vão d'árvore caindo;

E nua fica nossa alma

Onde a esp'rança se extinguiu,

Como tronco sem folhagem

Que o frio inverno despiu.

Mas como o tronco remoça

E torna ao que d'antes era,

Vestindo folhagem nova

Co volver da primavera,

Assim na mente nos pousa

Novo enxame de ilusões,

De novo o porvir se arreia

De mil douradas visões.

A cismar com o futuro

A alma de sonhar não cansa,

E de sonhos se alimenta,

Bafejada da esperança.

Esperança, que és tu? Ah! que minha harpa

Já não tem para ti sons lisonjeiros;

Sim - nestas cordas já por ti malditas

Acaso tu não ouves

As queixas abafadas que sussurram,

E em voz funérea soluçando vibram

Um cântico de anátema?

Chamem-te embora bálsamo do aflito,

Anjo do céu que nos alenta os passos

Nas sendas da existência;

Nunca mais poderás, fada enganosa,

Com teu canto embalar-me, eu já não creio

Nas tuas vãs promessas;

Não creio mais nessas visões donosas

Fantásticos painéis, com que sorrindo

Matizas o futuro!

Estéreis flores, que um momento brilham

E caem murchas sem deixarem fruto

No tronco desornado.

- Vem após mim - ao desditoso dizes;

Não esmoreças, vem; - é vasto e belo

O campo do futuro; - lá florescem

As mil delicias que sonhou tua alma,

Lá te reserva o céu o doce asilo

A cuja sombra abrigarás teus dias.

Porém - é cedo - espera.

E ei-lo que vai com os olhos enlevados

Nas cores tão formosas

Com que bordas ao longe os horizontes...

E fascinado o mísero não sente

Que mais e mais se embrenha

Pela sombria noite do infortúnio.

E se dos lábios seus queixas exala,

Se o fel do coração enfim transborda

Em maldições, em gritos de agonia,

Em teu regaço, pérfida sereia,

Co'a voz embaidora, inda o acalentas;

- Não esmoreças, não; - é cedo; espera;

Lhe dizes tu sorrindo.

E quando enfim no coração quebrado

De tanta decepção, sofrer tão longo,

Nos vem roçar do desalento o sopro,

Quando enfim no horizonte tenebroso

A estrela derradeira em sombras morre,

Esperança, teu último lampejo,

Qual relâmpago em noite tormentosa,

Abre clarão sinistro, e mostra a campa

Nas trevas alvejando.