Elegia

A meu amigo e sobrinho o Dr. Gabriel Caetano Guimarães Alvim

por ocasião do falecimento de sua esposa,

D. Áurea Carolina de Andrade

Hoje, que já do luto se escoaram

As horas mais infaustas,

E da saudade o pranto vai secando

Nas pálpebras exaustas,

Agora, que talvez do céu benigno

Baixou-te ao coração

Essa, que é do infeliz refúgio extremo

Triste resignação,

Minha musa trajando entre suspiros

O crepe dos pesares

Ousa transpor o limiar tristonho

De teus lutuosos lares,

Mas não pretende te arrancar do peito

Da dor o escuro véu;

Consolação para tamanha angústia

Só pode vir do céu.

Da viuvez o pranto é fel, é sangue

Suado entre torturas;

Não há no mundo encanto, que mitigue

Tão fundas amarguras.

Chora, nem quero opor um dique às lágrimas

Que pelas faces pálidas te rolam;

Chora, que às vezes nos tormentos d'alma

As lágrimas consolam.

Chora, mas deixa que na campa triste

Um dístico de dor agora engaste,

E desfolhe uma flor sobre o jazigo

Dessa, que tanto amaste.

Flor sem perfume, pálida de morte,

Mirrada pelo sopro da saudade,

Que te ofereço, apenas orvalhada

Do pranto da amizade.

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Pelos teus aposentos merencórios

Sobre teus tetos a tristeza pousa;

Ai! que de mágoas! quanta voz dorida

Chorando a mãe, a esposa;

Esposa e mãe! que tão suaves nomes!

Que fonte inesgotável de venturas!

Que inefável tesouro de alegrias

Tão santas e tão puras!

E tudo isso um vendaval raivoso

Num momento fatal arrebatou-te,

E de luto cercando-te a existência

Em solidão deixou-te.

Vede esse tronco seco fulminado

Pelo fogo do céu; - ali outrora

Balanceava nítida folhagem

Aos zéfiros da aurora.

Pelos seus ramos acordava a brisa

Brando bulício e doces rumorejos,

E o sabiá na sombra desprendia

Dulcíssonos arpejos.

Pelo tope florido se enleava

Viçosa trepadeira; - o passarinho

Nesse ditoso perfumado abrigo

Vinha fazer seu ninho.

Em torno dele tudo era harmonia,

Tudo ali respirava amor, ventura;

Era asilo de paz e de perfumes,

De sombras e frescura.

Mas em dia sinistro o raio ardente

Cai sobre ele; - queima-lhe a ramagem,

E deixa apenas do despido tronco

A merencória imagem.

Não mais sussurro, nem frescura amena;

Nem ledos trinos de canoras aves;

Não mais a brisa a suspirar amores

Com frêmitos suaves.

Não mais balança os ressequidos galhos

Ao respirar da viração fagueira;

Somente em horas de pavor vem neles

Piar ave agoureira.

O inútil tronco está cravado à terra,

Mas o tope sem viço e sem folhagem,

Como esqueleto, que da campa surge,

Ergue a funérea imagem.

Eis como vives; - estás preso à terra,

Mas tua estréia em trevas ocultou-se,

A grinalda de amor, que te cingia,

Na campa desfolhou-se.

O tufão do infortúnio num momento

Da vida os horizontes te enlutou,

E a coroa de tuas esperanças

Da fronte te arrancou.

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Ela ausentou-se bem como a andorinha

Antes de finda a estação das flores,

E entre coros angélicos sumiu-se

Do céu nos esplendores.

Santa resignação no transe extremo

O espírito sereno lhe conforta;

E esse golpe, que a vida em flor lhe ceifa,

Tranqüila ela suporta.

Entre luzentes nuvens perfumadas

A ela vêm baixando anjos do empíreo,

Que em torno lhe adejando, da agonia

Adoçam-lhe o martírio.

Sua alma de cristã formosa e pura

Voar não teme ao seio de seu Deus;

Mas o materno coração confrange-se

No doloroso adeus!

Adeus eterno aos cândidos filhinhos,

Ao esposo, aos pais, a tão queridos entes!

Ah! ninguém pode conceber a angústia

De mágoas tão pungentes.

Da morte, que lhe estende os braços gélidos

No torvo aspecto nada vê, que assuste-a:

Mas da saudade maternal não pode

Dissimular a angústia.

Que importa, que entre cânticos os anjos

Para guiá-la ao céu sua alma esperem,

Se junto a si gemidos e soluços

O coração lhe ferem?

Se em torno espairecendo os olhos turvos

Cruel tormento lhe lacera o peito,

Vendo os tenros filhinhos, que soluçam

Junto do infausto leito?

Ah! são anjos também esses, que deixa

Sobre a terra chorando em orfandade;

E a triste ao vê-los duas mortes sofre,

E morre de saudade.

Quantos laços de amor e de ventura

Despedaçados no fatal momento!

Nos tristes lares que porvir sombrio

De dor e sofrimento!

Sua alma pura foi gozar no empíreo

A luz da aurora que não tem ocaso

E o frágil corpo quebra-se na campa

Bem como inútil vaso.

Sim, - ela foi para os jardins eternos

Sobre as asas dos anjos adejando;

E os tenros filhos, - anjos da orfandade,

Cá ficam soluçando.

E tu, mísero esposo, eternamente

Da esposa chorarás a eterna ausência;

Roubou-te o céu do coração metade

Metade da existência.

Essa grinalda, que te perfumava

O lar ditoso, - tão viçosa e bela

Por que tão cedo se mudou na campa

Em fúnebre capela?!...

Doces laços de amor, que só devíeis

De prazeres nos dar suave fruto,

Ah! por que vos tomais fonte perene

De lágrimas e luto?!...

Viuvez! orfandade! ai tristes crepes,

Com que de luto o coração cobrimos,

Vós sois bem como lúgubre mortalha,

Que em vida já vestimos.

13 de fevereiro de 1869.