Lembrança

Ah! por que vindes me sorrir agora,

De meus campos natais doces lembranças,

E nest'alma, que em vão por eles chora,

Reavivar as mortas esperanças?

Por que me trazer à mente esmorecida

Miragens da ventura já perdida?...

Ah! por que vindes pelas noites minhas,

Veladas na agonia,

De sonhos vãos encher-me a fantasia,

Como bando de alegres avezinhas,

Que vêm pousar cantando nos gradis

Do cárcere onde geme um infeliz?

Por essas longas margens desabridas,

Por onde o mar monótono esbraveja,

A minha vista adeja

Demandando as saudosas avenidas,

Que além dos horizontes

O rumo indicam de meus pátrios montes.

A nuvem que desponta aurirrosada

Por trás daquela erguida serrania,

E a viração macia,

Que de lá vem de aromas saturada,

A vaga que com brando rumorejo

Na branca praia deposita um beijo;

São mensageiros que de lá me envia

O meu país amado;

São vozes que à porfia

Me dizem com acento entrecortado:

"Volta aos teus montes, volta aos lares teus,

E à terra estranha dize eterno adeus.

"Vai; - lá sorri-te bela a natureza

Trajada de esplendores

Nessas campinas de sem par beleza,

Onde nunca desbotam-se os verdores,

E num só ramo a um tempo o botão cresce,

Abre-se a flor, e o fruto amadurece.

"Lá inda rolam trépidos ribeiros

As ondas cristalinas

Por entre longas filas de coqueiros,

Que se perdem ao longe nas campinas;

E as selvas com seus tetos de verdura

Inda te ofertam sombras e frescura.

"Vem; - lá te aguardam sombras benfazejas

E plácidos asilos,

Onde teus dias volverás tranqüilos

No regaço da paz, que tanto almejas;

E a lira suspirosa

Farás ouvir na pátria deleitosa.

"E ao teu cantar as virgens mais formosas

Sentirão palpitar seus corações,

E com as mãos mimosas,

De um festim entre as ledas libações,

Bem como outrora ao velho Anacreonte,

De murta e rosa hão de cingir-te a fronte.

"E quando alfim da morte a mão gelada

Estender sobre o leito funerário

Teu frio corpo, vítima do nada,

Hão de seguir-te ao campo mortuario

Gemidos de saudade,

E lágrimas sinceras de amizade.

"Ama a pomba a floresta em que vagueia,

E em que fabrica o ninho;

E sem perder de vistas a colmeia

A abelha colhe no vergel vizinho

No âmago das flores

O suco necessário a seus labores.

"A águia, que com vôos alterosos

Perlustra toda a esfera,

Volta constante aos píncaros rugosos,

Onde entre os filhos o repouso a espera;

E nem mesmo a feroz suçuapara

De seu covil os antros desampara.

"Somente o homem, qual se sobre o dorso

Com aguilhão constante o perseguira

A fúria do remorso,

De país em país inquieto gira,

Transpõe os mares, sotopõe os montes,

E acha estreitos da terra os horizontes!

"Oh! deixa de correr terras e mares,

Suspende enfim teus vagabundos passos,

E vem passar à sombra de teus lares

Esses, que inda terás, dias escassos.

Sim! volta aos campos teus,

E à terra estranha dize eterno adeus."

E estas tristes vozes dentro d'alma

Vêm ecoar-me em minha soledade,

E sem ao pensamento dar-me calma

Me fazem mais sentir cruel distância,

E avivam-me a saudade

Do formoso país de minha infância...

Mas, que me importa agora em que paragens

Consumirei o resto de meus dias,

E qual será a lajem

Que terá de guardar-me as cinzas frias,

Se a vida e a morte é tudo um breve sonho

Que se apaga no túmulo medonho?...

Que irei fazer no declinar dos anos

Nessas plagas saudosas que hei deixado?...

Irei do tempo contemplar os danos,

E chorar sobre as ruínas de um passado

Que nunca, ah! nunca mais há de luzir

Pelo sombrio céu de meu porvir.

Meu nome encontrarei quase esquecido

Pela força do tempo e da distância,

E quase estranho à terra em que hei nascido;

Os amigos fiéis de minha infância

Mortos uns acharei, outros dispersos

Por países longínquos e diversos.

E lá me ocorrerão agras lembranças

Do tempo em que cansei meu pensamento

Com sonhos vãos, com vagas esperanças,

E saudarei com triste desalento

O lar paterno, - ninho abandonado,

Talvez de estranhos donos habitado.

Irei verter em muita sepultura

De dor e de saudade estéril pranto,

E lastimando tanta desventura

Da lira exalarei funéreo canto,

Té que também por entre esses destroços

Um lugar acharão meus frios ossos.

Sim! tudo isso é verdade! mas que importa!

Dentro em meu coração mais alto clama

A voz que me ressoa a toda hora,

E ao meu pais me chama,

Mais terna que a da rola, que à tardinha

Chamando o esposo ao ninho se encaminha.

Campos de minha infância, oh! quem me dera

Ir descansar de meus tristes errores

Em vosso seio, embora a primavera

Não junque mais de flores

De minha vida as sendas desoladas,

Hoje só de ruínas povoadas.

Oh! quem me dera respirar os ares

De minhas solidões,

E ao suave rumor de seus palmares

Mesclar minhas canções,

Embora lá depare só lembranças

De minhas malogradas esperanças...

Brisas do mar, transponde as altas serras,

Ide adejar no meu país amado,

E a essas longes terras,

De que hoje me separa um cruel fado,

Levai nestas endeixas

Minhas saudades, minhas tristes queixas.

Rio de Janeiro, 1864.

Nota: o biógrafo Basílio Magalhães observa que esse poema revela o quanto B.G. sentia de nostalgia quando estava ausente de Minas Gerais. Para Magalhães, Nostalgia "é uma das mais belas e sinceras trovas de B.G.".