Primeiro sonho de amor

Que tens, donzela, que tão triste pousas

Na branca mão a fronte pensativa,

E sobre os olhos dos compridos cílios

O negro véu desdobras?

Que sonho merencório hoje flutua

Sobre essa alma serena, que espelhava

A imagem da inocência?

Ainda há pouco eu via-te na vida,

Qual entre flores douda borboleta,

Brincar, sorrir, cantar...

E nos travessos olhos de azeviche,

De vivos raios sempre iluminados,

Sorrir doce alegria!

Branco lírio de amor aberto apenas,

Em cujo puro seio brilha ainda

A lágrima da aurora,

Acaso sentes já nos tenros pétalos

O nímio ardor do sol crestar-te o viço,

Vergar-te o frágil colo?

.............................................................

.............................................................

Agora acordas do encantado sono

Da descuidada prazenteira infância,

E o anjo dos amores

Em torno meneando as plumas d'ouro,

Teu seio virginal com as asas roça;

E qual macia brisa, que esvoaça

Roubando à flor o delicado aroma,

Vem roubar-te o perfume da inocência!..

Com sonhos dourados, que os anjos te inspiram,

Embala, ó donzela, teu vago pensar,

Com sonhos que envolvem-te em doce tristeza

De vago cismar:

São nuvens ligeiras, tingidas de rosa,

Que pairam nos ares, a aurora enfeitando

De gala formosa.

É bela essa nuvem de melancolia

Que em teus lindos olhos desmaia o fulgor,

E as rosas das faces em lírios transforma

De meigo palor.

Oh! que essa tristeza tem doce magia,

Qual luz que esmorece lutando co'as sombras

as vascas do dia.

É belo esse encanto do afeto primeiro,

Que assoma envolvido nos véus do pudor,

E ondeja ansioso no seio da virgem

Que cisma de amor.

Estranho prelúdio de mística lira,

A cujos acentos o peito afanoso

Se agita e suspira.

Com sonhos dourados, que os anjos te inspiram

Embala, ó donzela, teu vago pensar,

São castos mistérios de amor, que no seio

Te vêm murmurar:

Sim, deixa pairarem na mente esses sonhos,

São róseos vapores, que os teus horizontes

Enfeitam risonhos:

São vagos anelos... mas ah! quem te dera

Que nesses teus sonhos de ingênuo cismar

A voz nunca ouvisses, que vem revelar-te

Que é tempo de amar.

Pois sabe, ó donzela, que as nuvens de rosa,

Que pairam nos ares, às vezes encerram

Tormenta horrorosa.