Nênia

Oferecida à Ex.ma D. Maria da Conceição Soares Ferreira,

esposa do capitação Soares Ferreira, morto em Valentinas

É justo o pranto que te inunda as faces!

Bem sei, senhora, a viuvez é triste,

É triste como a morte.

Ai daquela que viu em flor cortada

A vida do consorte!

Viúva e moça! que painel sombrio!

És qual pálido goivo debruçado

Sobre uma sepultura;

Linda estátua da dor pousada à margem

De uma vereda escura.

As galas da ventura e da esperança

Que um momento trajaste, se trocaram

Em fúnebre sudário!

E o véu de esposa cedo converteu-se

Em crepe mortuário!

Sim, tu viste sumir-se em negra sombra,

Tua aurora de amor; fugir-te aos braços

O infortunado esposo,

E em féretro horrendo transformar-se

O tálamo ditoso!

O sol da pátria, a paz do lar saudoso,

Um risonho presente que escoava

No seio da bonança,

Um porvir de venturas embalado

Nos braços da esperança;

Beijos de amor, abraços de ternura,

E o tálamo feliz onde inda há pouco

A esposa meiga e bela

Desatara da fronte pudibunda

A virginal capela,

Tudo ele deixa, tudo troca afoito

Pela dura tarimba do soldado

Em longe, estranha terra,

Pelos perigos e ásperas fadigas

De encarniçada guerra.

Que cruel sacrifício!... que tortura

Imposta a um coração!... porém a pátria,

A pátria o braço implora

De seus heróis, e cumpre ao seu reclamo

Voar e sem demora.

A pátria sofre; a meiga esposa em pranto

Detê-lo em vão procura entre carinhos,

Em seus mimosos braços;

Vai batalhar, - aos beijos furta a face,

Arranca-se aos abraços.

Ai! viste tudo isso, e dor pungente

Em teu sensível coração cravou-se

Qual venenoso arpão,

Mais cruel do que a lança, que varara

Do esposo o coração.

Ébrio de glória e de patriotismo

Ei-lo do leito nupcial se arroja

Aos campos do combate,

Por onde ao lidador a extrema hora

A cada instante bate.

Presto aparece na sangrenta liça;

No mais aceso da revolta briga

Não sabe o que é perigo;

E em cem combates tinge a heróica espada

Em sangue do inimigo.

Garboso e denodado avança e rompe

Selvas de lanças, chuvas de metralha,

Incólume...mas ai!

Sua hora soou... ao ferro imigo

Ei-lo sucumbe e cai!...

Ei-lo estendido no sangrento campo!...

Ei-lo o valente repousando ao lado

De seus irmãos de glória,

No extremo transe ouvindo o restrugido

Dos hinos da vitória.

Vitória! - suspirou, e com seu sangue

Regava os louros imortais colhidos

Em Lomas Valentinas.

Vitória! - foi o eco derradeiro

Que o ouviu nessas campinas.

Ele cai, mas volvendo os olhos turvos

No baluarte inimigo vê plantada

A nacional bandeira,

Morre, e em seus braços a vitória o toma

Na hora derradeira.

Digna de inveja foi tão bela morte!...

A heróica fronte a glória lhe circunda

De funerária rama,

E a pátria agradecida entre seus bravos

O nome seu proclama.

Ah! não mais recordeis o triste transe,

Nem tais cenas de horror; tudo acabou-se

Mas não dele a memória,

Sobre a campa do bravo eternamente

Resplende o sol da glória.

Basta de pranto. Teus formosos olhos

Já de orvalho saudoso assaz regaram

Os louros do guerreiro;

Nem mais turbemos com funéreo canto

Seu sono derradeiro.

Em vez de macerar as lindas faces

Com lágrimas de dor, repete ufana

Do caro esposo o nome,

Esse nome que a pátria não esquece,

Que o tempo não consome!

Ouro Preto, 1869.