Foge de mim

Foge de mim, qual foge o passarinho

Do tronco estéril sem raiz na terra,

Sem sombra nem folhagem;

Foge, - não queiras perscrutar desta alma

A lúgubre voragem.

Não vás crestar nas chamas de meu peito

Do cálix teu a mádida frescura,

Gentil, cândido lírio;

Foge, - não queiras esgotar comigo

A taça do martírio.

Sorris?. . . oh! quanto é belo o teu sorriso;

Mas em minha alma derramar não podem

Nem sombra de ventura;

São como os raios da manhã fulgindo

Em feia sepultura.

Ah! tu choras; - e as lágrimas que vertes,

Na aridez de meu peito vêm secar-se,

Bem como almo rocio,

Que o céu derrama em vão na ardente areia

De páramo bravio.

Dizem que os dias meus correm serenos!...

Não creias, não; - a paz que me rodeia

E lúgubre ironia;

E como essa que os túmulos povoa,

Paz gélida e sombria.

Quem me dera chorar! - o pranto é sangue

Que nos escorre das feridas d'alma,

E o gérmen peçonhento

Delas lavando, um pouco a dor acalma,

E adoça o sofrimento.

Não vertem sangue as úlceras desta alma,

E nem ressoa fora de meu peito

De minha dor o grito.

Em suspiros não sai; - tenaz se agarra

Ao coração aflito.

Eu bem quisera amar-te; - mas como hei de

Guiar-te pelas sendas em que piso,

Em que só vejo espinhos?...

Como?!... se para mim estão fechados

Do porvir os caminhos?...

Fica-te pois em teu puro horizonte,

Belo astro de amor, e não pretendas

Perder tua luz pura,

Nesta, que a triste vida me escurece,

Medonha noite escura.

Hera mimosa e tenra, oh! não te abraces

Ao tronco estéril sem raiz na terra,

Sem folhagem no céu;

Melhor seria te envolvesse a fronte

O mortuário véu.

Rio de Janeiro, 1860.