Alphonsus de Guimaraens Filho (1920), sobrinho-bisneto

O meu tio Bernardo (*)

O meu tio Bernardo,

cruzando tais paragens há cem anos,

mais de cem anos, viu subitamente

transmudar-se o que era

ermo, somente o ermo, e na valada

linda cidade branquejando.

"Aí murmurará a voz de um povo",

num verso registrou.

Estou a vê-lo daqui, de austeras barbas

e chapéu sertanejo, surpreendendo nos rios

torres, palácios, coruchéus brilhantes.

E a tudo, a tais visões,

e à paisagem em que seus olhos tinham

a paz, total, do ermo, a tudo envolvia

a especialíssima ternura bernardina,

a que nunca faltou sabor e o frêmito

de lendas, costumes, solidão dos campos,

de cantigas do povo, e do ponteio

longínquo (dir-se-ia que inaudível

de tão longínquo)

de uma viola...

No Catetinho (*)

Ali no Catetinho há olhos d'água

bosque em que a sombra como que reluz.

Do Catetinho foi que Juscelino,

como o terno Bernardo, imaginou

ao longe uma cidade se espraiando.

Qual não teria sido o sentimento

que o dominou na solidão completa

deste planalto! Pois que ontem, agora,

ao longe se ergue a que ofegante alma

adivinhou, ao grande descampado

fluindo em brisa e luz, transluminosa

e docemente branquejando como

bando de garças. (Foi assim que um dia,

pitando o seu cigarro do mais puro

fumo goiano, o meu tio Bernardo

dentro do coração te adivinhou.)

(*) Em Ao Meu tio Bernardo e No Catetinho, AGF remete ao poema O Ermo, no qual Bernardo Guimarães teria antevisto a construção de Brasília. Ambas as poesias, do livro Ao Oeste Chegamos, foram escolhidas em 14 de setembro de 1998 pelo próprio autor e pela "muita querida Hemyrene", sua mulher, para constar deste site. Agradeço aos dois. (PRL)