Adeus ao meu cavalo branco chamado Cisne

Meu Cisne, é hora de dizer-te adeus!

De tudo que abandono

Não és por certo quem menos saudades

Mereces a teu dono.

...........................................................

Lá nos viçosos campos

Por onde entre colinas graciosas

O Quebranzol sereno remanseia,

E as ondas vagarosas

A luz de um céu esplendido alardeja,

Achei-te outrora livre como o vento

Em largo campo aberto,

Garboso chefe de formosa tribo,

Pascendo em paz as ervas do deserto.

Ao teu relincho qual clarim sonoro,

Retroando no fundo das valadas,

Alegres acudiam

Pela devesa as trépidas manadas,

E o bando das selváticas amantes,

Em torno arrebanhadas,

O colo luzidio

Airosas recurvando,

A crina ao vento dando,

Tu conduzias, rei das solidões,

Pelos infindos, verdes chapadões.

Mas, ah! foi esse o derradeiro dia

Da grata liberdade,

E dócil te curvaste à lei tirana,

De que tanto se ufana a humanidade.

A fronte altiva ao freio abandonaste,

Do homem à vontade

Curvaste o colo, e os passos regulaste.

Recebeste nos pés o férreo cravo;

De rei, que eras, te tornaste escravo!

Escravo, oh! não! deixaste sem queixume

De teu rio natal saudosas margens,

E a vida rude e inquieta,

Em que folgavas nas incultas vargens,

Para ser companheiro do poeta.

E pois adeus! pelas montanhas pátrias,

Em teu dorso possante

Não mais me levarás de hoje em diante,

Vagando a esmo nos estreitos vales,

Devaneando,

Cantarolando

Ou já cismando amores,

Ou da montanha aos ventos rugidores

Entregando a lembrança de meus males.

Embalado em teu rápido galope,

Não mais irei sozinho demandando

Do Itamonte o descalvado tope,

A escutar pelos penedos broncos

A voz dos ventos lôbrega ululando

Ou da cascata os roncos

Na profundez do abismo trovejando.

À minha voz com ímpeto brioso,

Resfolegando,

Caracolando,

Comigo te lançavas pelas sendas

Escabrosas das broncas serranias,

E nas quebradas invias

Como um tufão veloz desparecias;

A basta e longa cauda

Te ondeava, bem como alva cascata,

Que em rotas catadupas espumando

Dos montes se desata;

Aos ventos sibilando a coma esparsa,

A esvoaçar-te no garboso colo,

Dir-se-ia nívea garça

No vôo apenas desflorando o solo.

E então cuidava, vendo às minhas plantas

Baixar a terra no horizonte raso,

Ir voando do Pégaso nas asas

Aos cumes do Parnaso.

Oh! se o destino te chamasse à guerra ...

Foras nos campos do sangrento Marte

Cavalgadura digna de Sesóstris,

De César, de Alexandre ou Bonaparte.

Mas se nas lides da feroz Belona

Não respiraste o pó de cem batalhas,

Se os pés não ensopaste em sangue humano,

Ao rebentar de bombas e metralhas,

Em mais doces conquistas

Já fizeste proezas nunca vistas.

(Cantá-las eu não posso, nem desejo;

Das línguas maldizentes tenho medo;

Es tu só que as conheces; e estou certo

Que guardarás fiel o meu segredo.)

.........................................................

Adeus, ó Cisne, sempre na minh'alma

De ti conservarei viva saudade;

E se eu puder, nas asas de um soneto,

Teu nome mandarei à eternidade.

Fica-te em paz, e em teus últimos dias

Livre-te o céu do mísero destino

Que teve o decantado lazarento

De mestre Tolentino.

Ouro Preto, 1858.