Apólogo

Num ano, em que excessiva fora a seca,

Contam que os animais ervi-vorazes

Desciam das montanhas ressecadas

Buscado um fresco prado.

Tornaram-se porem ao cume estéril,

Porque das margens da ribeira amena,

Única, onde verdejava a erva,

Tomara um leão posse.

Nela o carnivoraz atalaiado

Tinha como infalível sempre a presa

Da corça, vaca ou boi, cabrito ou lebre,

Do burro, ou do cavalo.

Não lhe caíam nas sangrentas garras

O tigre, o lobo, e outros desta casta,

Que dispersos no monte, murmurando

Dos leões, como ele matam.

À vista de tal fome a guerra, os míseros

Juntos no serro estéril consultavam,

Qual seria o remédio a tantos males,

E o último recurso.

Veado

"Vós sabeis que o leão tem altos brios;

Tem hora de serão. Se está bem farto,

Outra presa não faz. Se está doente,

É pacífica ovelha.

"Sigamos todos juntos à ribeira.

Certo o leão está em um dos casos,

Vamos, antes que o lobo, ou tigre, ou fome

Aqui no mate a todos."

Boi

Se o leão não estiver nem são, nem farto?!...

A mim, que sou maior, e mais pesado,

Se avança; fico, e o lépido veado

Foge-lhe alegre às garras!...

"Oh! não me agrada o alvitre." Do conselho

Sabendo os coelhos vinham de lotada

Entrar nele por ver se a fome extinguem

À sombra dos Milords.

Ao vê-lo, eis que zurra um velho burro:

"Amigos! eu descubro agora um meio

Para não acabarmos todos juntos

Em desgraçada fome.

"Um de nós sobre quem cair a sorte,

Deve como espião baixar ao prado,

E nos dar ao leão notícia certa,

Se está doente, ou farto."

O conselho agradou. Lançou-se a sorte;

Caiu, -- já se previa, -- sobre um coelho.

Tardou; vão dous, vão três, vão quatro, e ficam;

Vão mais, e nunca voltam.

O burro alegre diz: "Descer podemos;

Decerto os coelhos ao leão fartaram;

Pois se um só não voltou do nosso mando,

Comem, ou são comidos."

Desceram. Viram quedo o monstro farto.

Fartaram-se. -- Padecem pelos grandes

Desta sorte os pequenos, se com eles

Emparelhar pretendem.