Camões

Poesia recitada no Teatro do Ouro Preto por ocasião do

terceiro centenário do grande épico português

Aquele, cuja lira sonorosa

Será mais afamada que ditosa

Que sombra ilustre vê-se hoje pairando

Nos horizontes fúlgidos da história!...

É nobre o porte, o aspecto venerando;

Traz impresso na fronte merencória

Selo fatal, que bem está revelando,

Que foi homem fadado para a glória,

Poeta herói de uma nação possante,

Como na Itália fora outrora o Dante.

Foi poeta e herói esse, que vejo

Pelo clarim da fama apregoado.

Des dos mares da Índia à foz do Tejo

Oferece à pátria o peito denodado,

E cisne altivo de valente adejo

Soltando aos ares canto sublimado,

No limiar do templo da memória

Está cantando de seu povo a história.

Uma das mãos repousa sobre a espada,

A outra brandamente empunha a pena,

Que des da infância às musas foi sagrada;

Uma combate em sanguinosa arena

Pelo esplendor da pátria sua amada;

A outra em uma esfera mais serena

Em versos de ouro aos séculos proclama

Do Portugal antigo o nome e a fama.

No largo peito a rígida armadura

Dando realce ao rosto seu severo

A vida do soldado áspera e dura,

De mil tribulações o peso austero,

Pátria, amor, poesia e desventura,

Eis o troféu do lusitano Homero,

A quem ao par do engenho peregrino

Coube em partilha mísero destino.

Sono de glória à sombra de seus louros

Há três séculos, que dorme no jazigo

Aquele, que entre o silvo dos pelouros,

Longe da Pátria, errante e sem abrigo

Soube enviar aos séculos vindouros

Nobre epopéia, em que o mundo antigo

Reconta aos filhos deste mundo novo

Altas façanhas de um heróico povo.

Ao vivo sol das plagas indianas

Suas pálidas faces se crestaram;

Cruéis vexames, dores sobre-humanas

Nos lábios os sorrisos lhe murcharam;

Em rija pugna as balas mauritanas

O lume em um dos olhos lhe apagaram,

Mas nada disso o alento lhe esmorece,

E nem do engenho as chamas lhe amortece.

Deus, a Pátria, o amor tendo por norte

Emboca a tuba épica e derrama

Em sonoroso verso, altivo e forte

Por toda a parte a gloriosa fama

Daqueles, que afrontando o mar e a morte,

Guiados pelo audaz, incuto Gama

Foram fundar entre remota gente

Novo império na extrema do oriente.

Escuta, com que sons harmoniosos

As suas gentis Tágides invoca;

Castro, Albuquerque e outros heróis famosos

Dos gloriosos túmulos evoca;

Depois vibrando acentos vigorosos

Nos faz tremer quando nas mágoas toca

Do Adamastor feroz, torvo gigante,

Que em vão defende os mares do levante.

Da triste Inês o caso lamentoso

Com que sentidas vozes rememora!...

Já não é mais o eco clangoroso

De épica tuba, que se ouve agora,

Mas uns sons de alaúde lamentoso,

Que em piedoso carpir a sorte chora

Dessa infeliz tão bela, quão mesquinha,

Que só depois de morta foi rainha.

Ainda hoje as filhas do Mondego

Choram da mãe e amante a sorte escura;

Onde ela foi buscar vida e sossego,

Só encontrou a morte e a desventura;

Ainda a voz de Inês em triste ofego

Parece soluçar na fonte pura,

Que sempre com saudade rega as flores,

E o nome tem de seus fiéis amores.

Mas calam-se os gemidos bem depressa

Desses amores mal afortunados;

De novo a tuba os cantos recomeça

Celebrando os heróis assinalados;

Na belicosa lida, que não cessa;

Vêde, como se arrojam denodados

Já contra as fortes lanças castelhanas,

Já espancando as hordas mauritanas.

E depois com que mimo e que frescura

Aos olhos mostra a ilha dos amores!...

A linfa clara, as sombras, a verdura

Desse asilo, que aos lusos lidadores

Faz esquecer a guerra e a má ventura,

Descansando dos ásperos labores.

Refúgio enganador, treda miragem!

Pois de novo os espera atra voragem.

Ao vate escapa às vezes com tristeza

Um sarcasmo de mágoa acerba e funda

Quando fulmina os vícios e a rudeza

Dos tempos seus, a fronte lhe circunda

Altivez genial. Com que franqueza

Essa musa imortal, nobre e fecunda

Verbera aqueles, que ao fatal jazigo

Levaram logo o Portugal antigo!...

Porém, com desbotada, fraca tinta

Não desmaiemos o painel sublime,

Em que essa musa altiva agora extinta

Tanta grandeza com verdade exprime.

E fraco o engenho meu; a custo pinta

O que a alma sente; tanto peso o oprime,

E mal pode entoar débeis canções

Ao glorioso nome de Camões