À saia balão

Balão, balão, balão! cúpula errante,

Atrevido cometa de ampla roda,

Que invades triunfante

Os horizontes frívolos da moda;

Tenho afinado já para contar-te

Meu rude rabecão;

Vou teu nome espalhar por toda parte,

Balão, balão, balão!

E para que não vá tua memória

Do esquecimento ao pélago sinistro,

Teu nome hoje registro

Da poesia nos galantes fastos,

E para receber teu nome e glória,

Do porvir te franqueio os campos vastos.

Em torno ao cinto de gentil beldade

Desdobrando o teu âmbito estupendo,

As ruas da cidade

Co'a longa cauda ao longe vais varrendo;

E nessas vastas roçagantes pregas

De teu túmido bojo,

Nesse ardor de conquistas em que ofegas,

O que encontras, levando vais de rojo,

Qual máquina de guerra,

Que inda os mais fortes corações aterra.

Quantas vezes rendido e fulminado

Um pobre coração,

Não vai por essas ruas arrastado

Na cauda de um balão.

Mal despontas, a turba numerosa

À direita e à esquerda,

De tempo, sem mais perda

Amplo caminho te abre respeitosa;

E com esses requebros sedutores

Com que saracoteias,

A chama dos amores

Em mais de um coração a furto ateias.

Sexo lindo e gentil - foco de enigmas! -,

Quando és ambicioso,

Que o círculo espaçoso

De teus domínios inda em pouco estimas;

Queres mostrar a força onipotente

De teu mimoso braço;

De render corações já não contente,

Inda pretendes conquistar o espaço!...

Outrora já c'os atrevido pentes

E as toucas alterosas,

As regiões buscavas eminentes,

Onde giram as nuvens tormentosas;

Como para vingar-te da natura,

Que assim te fez pequena de estatura.

Mudaste enfim de norte,

E aumentando o diâmetro pretendes

Avantajar-te agora de outra sorte

Na cauda do balão, que tanto estendes.

Queres em torno espaço.

Té onde possas desdobrar teu braço.

Assim com tuas artes engenhosas

Sem medo de estourar tu vais inchando,

E os reinos teus c'oas vestes volumosas

Ao longe sem limites dilatando,

Conquistas na largura

O que não podes conseguir na altura.

Mas ah! por que o meneio gracioso

De teu airoso porte

Sepultas por tal sorte

Nesse mundo de saias portentoso?

Por que razão cuidados mil não poupas

Pra ver tua beleza tão prezada

Sumir-se-te afogada

Nesse pesado pélago de roupas?

Sim, de que serve ver as crespas ondas

De túrgidos balão

A rugirem bojudas e redondas

Movendo-se em contínua oscilação;

- Vasto sepulcro, onde a beleza cega

Seus encantos sepulta sem piedade,

- Em pavezada nau, em que navega

A todo pano a feminil vaidade? -

De que serve enfeitas da vasta roda

Os estufados flancos ilusórios

Com esses infinitos acessórios,

Que vai criando a inesgotável moda,

De babados, de gregas, fitas, rendas,

De franjas, de vidrilhos,

E outros mil badulaques e fazendas,

Que os olhos enchem de importunos brilhos,

Se no seio de tão tofuda mouta

Mal se pode saber que ente se acouta?!

De uma palmeira à graciosa imagem,

Que flácida se arqueia

Ao sopro d'aura, quando lhe meneia

A trêmula ramagem,

Comparam os poetas

As virgens de seus sonhos mais diletas.

Mas hoje onde achar pode a poesia

Imagem, que as bem pinte e as enobreça,

Depois que deu-lhes singular mania

De atufarem-se em roupa tão espessa;

Se eram antes esbeltas qual palmeiras,

Hoje podem chamar-se - gameleiras.

Também o cisne, que garboso fende

De manso lago as ondas azuladas

E o níveo colo estende

Por sobre as águas dele enamoradas,

Dos poetas na vívida linguagem

De uma bela retrata a pura imagem.

Mas hoje a moça, que se traja à moda,

Só se pode chamar peru de roda.

Quais entre densas nuvens conglobadas

Em hórrido bulcão

Vão perder-se as estrelas afogadas

Em funda escuridão,

Tal da beleza a sedutora imagem

Some-se envolta em túmida roupagem.

Balão, balão, balão! - fatal presente,

Com que brindou das belas a inconstância

A caprichosa moda impertinente,

Sepulcro da elegância,

Tirano do bom gosto, horror das graças,

Render-te os cultos meus não posso, não;

Roam-te sem cessar ratos e traças,

Balão, balão, balão.

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Ó tu, que eu amaria, se na vida

De amor feliz restasse-me esperança,

E cuja linda imagem tão querida

Eu trago de contínuo na lembrança,

Tu, que no rosto e no ademã singelo

Das filhas de Helen és vivo modelo;

Nunca escondas teu gesto peregrino,

E da estreita cintura o airoso talhe,

E as graças desse teu porte divino,

Nesse amplo detalhe

De roupas, que destroem-te a beleza

Dos dons de que adornou-te a natureza.

De que serve entre véus, toucas e fitas,

Ao peso dos vestidos varredores,

De marabouts, de rendas e de flores

Tuas formas trazer gemendo aflitas,

A ti, que no teu rosto tão viçosas

De tua primavera tens as rosas?...

Pudesse eu ver-te das belezas gregas,

Quais as figuram mármores divinos,

Na túnica gentil, não farta em pregas,

Envolver teus contornos peregrinos;

E ver dessa figura, que me encanta,

O altivo porte desdobrando a aragem

De Diana, de Hero, ou de Atalanta

A clássica roupagem!...

Em simples trança no alto da cabeça,

As fúlgidas madeixas apanhadas;

E a veste pouco espessa

Desenhando-te as formas delicadas,

Ao sopro das aragens ondulando,

Teus puros membros mórbida beijando.

E as nobres linhas do perfil correto

De importunos ornatos destoucadas,

Em toda a luz de seu formoso aspecto

Fulgindo iluminadas

Por sob a curva dessa fronte bela,

Em que tanto esmerou-se a natureza;

E o braço nu, e a túnica singela

Com broche de ouro aos alvos ombros presa.

Mas não o quer o mundo, onde hoje impera

A moda soberana -

Esquivar-se pra sempre, oh! quem pudera

À sua lei tirana!...

Balão, balão, balão! - fatal presente,

Com que brindou das belas a inconstância

A caprichosa moda impertinente,

Sepulcro da elegância,

Tirano do bom gosto, horror das graças!...

Render-te os cultos meus não posso, não;

Roam-te sem cessar ratos e traças,

Balão, balão, balão.

Rio de Janeiro, 18 de julho de 1859

À moda