Ao charuto (ode)

Vem, é meu bom charuto, amigo velho,

Que tanto me regalas;

Que em cheirosa fumaça me envolvendo

Entre ilusões me embalas.

Oh! que nem todos sabem quanto vale

Uma fumaça tua!

Nela vai passear do bardo a mente

Às regiões da lua.

E por lá embalado em rósea nuvem

Vagueia pelo espaço,

Onde amorosa fada entre sorrisos

O toma em seu regaço;

E com beijos de requintado afeto

A fronte lhe desruga,

Ou com as tranças d'ouro mansamente

As lágrimas lhe enxuga.

Ó bom charuto, que ilusões não geras!

Que tão suaves sonhos!

Como ao te ver atropelados correm

Cuidados enfadonhos!

Quantas penas não vão por esses ares

Com uma só fumaça!..

Quanto negro pesar, quantos ciúmes,

E quanta dor não passa!

Tu és, charuto, o pai dos bons conselhos,

O símbolo da paz;

Para cai santa pachorra adormecer-nos

Nada há mais eficaz.

Quando Anarda com seus caprichos loucos

Me causa dissabores,

Em duas baforadas mando embora

O anjo e seus rigores.

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Quanto lastimo os nossos bons maiores,

Os Gregos e os Romanos,

Por não te conhecerem, nem gozarem

Teus dotes soberanos!

Quantos males talvez não pouparias

À triste humanidade,

O bom charuto, se te possuísse

A velha antiguidade!

Um charuto na boca de Tarquinio

Talvez lhe dissipara

Esse ardor, que matou Lucrécia linda,

Dos mimos seus avara.

Se o peralta do Páris já soubesse

Puxar duas fumaças,

Talvez com elas entregara aos ventos

Helena e suas graças,

E a régia esposa em paz com seu marido

Dormindo ficaria;

E a Tróia antiga com seus altos muros

Inda hoje existiria.

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Quem dera ao velho Mário um bom cachimbo

Que lhe abrandasse as sanhas,

Para Roma salvar, das que sofrera,

Catástrofes tainanhas!

Mesmo Catão, herói trombudo e fero,

Talvez se não matasse,

Se a raiva que aos tiranos consagrava,

Fumando evaporasse

Fumemos pois! - Ambrósio, traze fogo...

Puff!...Oh! que fumaça!

Como me envolve todo entre perfumes,

Vai-te, alma minha, embarce-te nas ondas

Desse cheiroso fumo,

Vai-te a peregrinar por essas nuvens,

Sem bússola, nem rumo.

Vai despir no país dos devanejos

Esse ar pesado e triste;

Depois, virás mais lépida e contente,

Contar-me o que lá viste.

Ouro Preto, 1857

Ao cigarro