O brigadeiro Andrade Neves (ode)
Que lidador é esse, altivo e forte
Qual novo Gedeão,
Que na ponta da lança leva a morte,
O horror, a confusão,
Às consternadas, inimigas hordas
Do Paraguai pelas sangrentas bordas?
Ei-lo que avulta nas guerreiras lides
Intrépido, incansável
O brasileiro Alcides;
Aos botes de sua lança formidável
As hostes inimigas
Caem bem como espigas
Aos golpes do ceifeiro infatigável.
Seu cavalo é veloz como o tufão;
E pronto como o raio
Seu braço leva ao campo paraguaio
Morte e destruição.
Onde o valente passa,
À frente da falange gloriosa,
E bem como borrasca impetuosa,
Que tudo arrasa, tudo despedaça.
Ao tropel dos ginetes alterosos
Como um trovão longínquo o solo freme,
E aos ecos temerosos
O inimigo de susto enfia e treme.
Eles passam qual nuvem tormentosa,
Que rijo vento impele;
Não há mão, nem barreira poderosa,
Que a carreira veloz lhes arrepele.
Nem bombas, nem metralhas,
Fossos, redutos, nem despenhadeiros,
Nem todo o horror de ríspidas batalhas,
Nem traidores esteiros
Podem conter seu denodado arrojo,
Que os valentes, briosos cavaleiros,
Tudo ante si levando vão de rojo.
E quem é esse herói de altivo porte,
Que falanges de heróis conduz à glória,
E que assoberbando a própria morte
Lhes ensina o caminho da vitória?
Guerreiro o crereis no verdor dos anos,
Que inda nas veias sente
Pulsar da juventude o fogo ardente:
Através dos perigos mais insanos
Tão férvido se atira
Tanto denodo o peito seu respira.
Mas não: -- é branca a barba, e já de neve
Tingiu-lhe o tempo a fronte veneranda;
É velho, sim, mas sua destra é leve,
E cheia de pujança
Ao longe a morte manda,
Quando sopesa a formidável lança.
A branca barba longa idade atesta,
Mas de seus feitos é mais longa a história;
E cada ruga, que lhe sulca a testa,
Marca um troféu de glória.
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És tu, Neves invicto,
Que, à frente de teus bravos,
Te arrojas no mais forte do conflito.
E de Lopez os míseros escravos
Cutilas, estrafegas,
Em porfiadas, ríspidas refegas.
De Itapiru às Lomas Valentinas,
Por toda a parte onde a peleja ferve,
Teu forte braço, sem que a idade o enerve
Vai semeando estragos e ruínas.
Tua destra um momento não descansa,
Desde que viste tua pátria amada
Por bárbaros vizinhos ultrajada,
E co'a ponta de tua invicta lança
Por toda a parte, valeroso Neves,
Com sangue do inimigo o nome escreves.
Amor da pátria e glória só te anima;
Teu peito desconhece
Cálculos vis de sórdido interesse
Honras, riquezas tem em pouca estima,
E outro galardão mais não pretendes,
Do que vingar a pátria que defendes.
Teu generoso coração abriga
Virtude heróica, altivos sentimentos,
Dignos de Roma a antiga,
E a que a Grécia erguera monumentos,
Mas a tantas fadigas gloriosas
Sucumbe o corpo enfermo;
E à série de proezas assombrosas
A morte impôs um termo.
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Dorme, ó guerreiro, dorme o eterno sono
À sombra de teus louros,
E do bardo a canção teu nome envie
Aos séculos vindouros.
Dorme: deixaste ao mundo exemplo nobre
De esforço e lealdade;
Um dos mais belos, mais ilustres nomes
Dás à posteridade:
Descansa: esse teu braço infatigável
Só pode achar repouso
Nesse leito em que a morte nos prepara
O sempiterno pouso.
Já de tuas proezas gloriosas
Está completa, a história;
Viveste sempre, encaneceste, e morres
Nos braços da vitória.
Paz aos manes do ínclito guerreiro!
Honra à sua memória!
Junto ao seu monumento funerário
Está velando a glória.
Dorme, velho guerreiro, o sono eterno
À sombra de teus louros;
E do bardo a canção teu nome envie
Aos séculos vindouros.
José Joaquim de Andrade Neves, barão do Triunfo, morreu em Assunção,
na Guerra do Paraguai, no dia 6 de dezembro de 1869, aos 52 anos.