Desalento

Nestes mares sem bonança,

Boiando sem esperança,

Meu baixel em vão se cansa

Por ganhar o amigo porto;

Em sinistro negro véu

Minha estrela se escondeu;

Não vejo luzir no céu

Nenhum lume de conforto.

A tormenta desvairou-me,

Mastro e vela escalavrou-me,

E sem alento deixou-me

Sobre o elemento infiel;

Ouço já o bramir tredo

Das vagas contra o penedo

Onde irá - talvez bem cedo -

Soçobrar o meu batel.

No horizonte não lobrigo

Nem praia, nem lenho amigo,

Que me salve do perigo,

Nem fanal que me esclareça;

Só vejo as vagas rolando,

Pelas rochas soluçando,

E mil coriscos sulcando

A medonha treva espessa.

Voga, baixel sem ventura,

Pela túrbida planura,

Através da sombra escura,

Voga sem leme e sem norte;

Sem velas, fendido o mastro,

Nas vagas lançado o lastro,

E sem ver nos céus um astro,

Ai! que só te resta a morte!

Nada mais ambiciono,

Às vagas eu te abandono,

Como cavalo sem dono

Pelos campos a vagar;

Voga nesse pego insano,

Que nos roncos do oceano

Ouço a voz do desengano

Pavorosa a ribombar!

Voga, baixel foragido,

Voga sem rumo - perdido,

Pelas tormentas batido,

Sobre o elemento infiel;

Para ti não há bonança;

À toa, sem leme avança

Neste mar sem esperança,

Voga, voga, meu baixel!

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