Prelúdio

Neste alaúde, que a saudade afina,

Apraz-me às vêzes descantar lembranças

De um tempo mais ditoso;

De um tempo em que entre sonhos de ventura

Minha alma repousava adormecida

Nos braços da esperança.

Eu amo essas lembranças, como o cisne

Ama seu lago azul, ou como a pomba

Do bosque as sombras ama.

Eu amo essas lembranças; deixam n'alma

Um quê de vago e triste, que mitiga

Da vida os amargores.

Assim de um belo dia, que esvaiu-se,

Longo tempo nas margens do ocidente

Repousa a luz saudosa.

Eu amo essas lembranças; são grinaldas

Que o prazer desfolhou, murchas relíquias

De esplêndido festim;

Tristes flores sem viço! - mas um resto

Inda conservam do suave aroma

Que outrora enfeitiçou-nos.

Quando o presente corre árido e triste,

E no céu do porvir pairam sinistras

As nuvens da incerteza,

Só no passado doce abrigo achamos

E nos apraz fitar saudosos olhos

Na senda decorrida;

Assim de novo um pouco se respira

Uma aura das venturas já fruídas,

Assim revive ainda

O coração que angústias já murcharam,

Bem como a flor ceifada em vasos d'água

Revive alguns instantes.