Ilusão desfeita

cabou-se o ardor antigo,

Tenho o peito sossegado;

Nem para fingir-me irado

Acho agora em mim paixão.

(Tradução de Metastásio)

"Oh! acredita, nunca olhar de virgem

Coou-me n'alma tanto ardor assim;

Nunca amor me sorriu com tanta graça

Em lábios de carmim!

"Tu és o anjo sonhado que minha alma

Aos céus pedia; - a flor que em meus caminhos

Encontrei a sorrir pura e fragrante

Do mundo entre os espinhos.

"Pio romeiro, irei aos pés depor-te

Oferenda singela, porém fida;

A ti a lira e o coração do bardo!...

A ti a minha vida.

"Cantar-te as graças, e mandar teu nome

Unido ao meu aos séculos vindouros,

Seria para mim melhor que um trono,

Melhor que mil tesouros.

"Porém passar meus dias a teu lado,

Ouvir-te as falas, contemplar-te o riso,

Gozar teus mimos, fôra para esta alma

Melhor que o paraíso!"

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Assim dizia-te eu naquele dia,

- O mais doce talvez da minha vida,

Em que na meiga luz desses teus olhos

Minha alma vi perdida.

Foi um sonho fugaz; - breve delírio.

De novo tenho o coração vazio;

E se no peito meu a mão pousares,

Achá-lo-ás bem frio!..

Caíste enfim da região de encantos,

A que meus puros sonhos te elevaram;

Desfez-se o talismã; - foram-se enganos,

Que outrora me embalaram.

Perdeste um coração que te adorava...

Porém que importa? se por um, que esfria,

Mil outros corações após teus risos

Vão correndo à porfia.

Mas não receies que eu maldiga aquela

Que num momento a vida me dourara;

E que num pego de emoções bem doces

Outrora me entranhara.

Oh! não receies, não, que eu te maldiga;

Graças a ti, aprendo hoje por fim

A não crer tanto nos fagueiros risos

De uns lábios de rubim.

Proveitosa lição nos fica n'alma,

Quando a ilusão se esvai:

Deixa um fruto no ramo, em que nascera

A flor, que murcha e cai.

Ouro Preto, 1855.