No meu aniversario

Hélas! hélas! mes années

Sur ma tête tombent fanées,

Et ne refleuriront jamais.

(Lamartine)

Não vês, amigo? - Lá desponta a aurora

Seus róseos véus nos montes desdobrando;

Traz ao mundo beleza, luz e vida,

Traz sorrisos e amor;

Foi esta qu'outro tempo

Meu berço bafejou, e as tenras pálpebras

Me abriu à luz da vida,

E vem hoje no circulo dos tempos

Marcar sorrindo o giro de meus anos.

Já vai bem longe a quadra da inocência,

Dos brincos e dos risos descuidos os;

Lá s'embrenham nas sombras do passado

Os da infância dourados horizontes.

Oh! feliz quadra! - então eu não sentia

Roçar-me pela fronte

A asa do tempo estragadora e rápida;

E este dia de envolta com os outros

Lá s'escoava desapercebido;

Ia-me a vida em sonhos prazenteiros,

Como ligeira brisa

Entre perfumes leda esvoaçando.

Mas hoje que caiu-me a venda amável!

Que as misérias da vida me ocultava,

Eu vejo com tristeza

O tempo sem piedade ir desfolhando

A flor dos anos meus;

Vai-se esgotando a urna do futuro

Sem do seio sair-lhe os dons sonhados

Na quadra em que a esperança nos embala

Com seu falaz sorriso.

Qual sombra vá, que passa

Sem vestígios deixar em seus caminhos,

Eu vou transpondo a arena da existência,

Vendo irem-se escoando uns após outros

Os meus estéreis dias,

Qual náufrago em rochedo solitário,

Vendo a seus pés quebrar-se uma por uma

As ondas com monótono bramido,

Ah! sem jamais no dorso lhe trazerem

O lenho salvador!

Amigo, o fatal sopro da descrença

Me roça às vezes n'alma, e a deixa nua,

E fria como a laj em do sepulcro;

Sim, tudo vai-se; sonhos de esperança,

Férvidas emoções, anelos puros,

Saudades, ilusões, amor e crenças,

Tudo, tudo me foge, tudo voa

Como nuvem de flores sobre as asas

De rábido tufão.

Onde vou? Para onde me arrebatam

Do tempo as ondas rápidas?

Por que ansioso corro a esse futuro,

Onde reinam as trevas da incerteza?

E se através de escuridão perene

Só temos de sulcar ignotos mares

De escolhos semeados,

Não é melhor abandonar o leme,

Cruzar no peito os braços,

E deixar nosso lenho errar às tontas,

Entregue às ondas da fatalidade?

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Ah! tudo é incerteza, tudo sombras,

Tudo um sonhar confuso e nebuloso,

Em que se agita o espírito inquieto,

Até que um dia a plúmbea mão da morte

Nos venha despertar,

E os sombrios mistérios revelar-nos,

Que em seu escuro seio

Com férreo selo guarda a campa avara.