Recordação

Qual berra a vaca do mar

Dentro da casa do Fraga,

Assim do defluxo a praga

Em meu peito vem chiar.

É minha vida rufar,

Ingrato, neste tambor!

Vê que contraste do horror:

Tu comendo marmelada,

E eu cantando, aqui, na escada,

Lembranças do nosso amor!

Se o sol desponta, eu me assento;

Se o sol se esconde, eu me deito;

Se a brisa passa, eu me ajeito,

Porque não gosto de vento.

E, quando chega o momento

De te pedir um favor,

Alta noite, com fervor,

Canto, nas cordas de embira

Da minha saudosa lira,

Lembranças do nosso amor!

Mulher, a lei do meu fado

É o desejo em que vivo

De comer um peixe esquivo,

Inda que seja ensopado.

Sinto meu corpo esfregado

E coberto de bolor...

Meu Deus! Como faz calor!

Ai! que me matam, querida,

Saudades da Margarida,

Lembranças da Leonor!

O anjo da morte já pousa

Lá na estalagem do Meira,

E lá passa a noite inteira

Sobre o leito em que repousa.

Com um pedaço de lousa,

Ele abafa toda a dor,

E, por um grande favor,

Manda ao diabo a saudade,

E afoga, por amizade,

Lembranças do nosso amor!