À morte de Teófilo B. Otôni

Escutai!... Não ouvis entre soluços

Com medonho estridor da morte as asas

Rugindo pelo espaço;

E o som de um baque, que reboa ao longe

Com lúgubre fracasso?...

Lá desabou coluna veneranda

Que largos anos escorara o templo

Da augusta liberdade!

Apagou-se o farol, que os átrios santos

Encheu de claridade!...

Quando ao passar o carro das tormentas,

Pela fúria dos ventos abalado

O cedro altivo tomba,

Na profundez das selvas um bramido

Horríssono ribomba;

Soltam as brenhas lúgubres sussurros,

Pávidos ecos nas profundas grotas

Por longo tempo estrugem,

E com sinistros brados lamentosos

Ao longe os montes rugem.

Um murmúrio de dor, de angústia imensa

Rompe de ao pé de um fúnebre ataúde,

E ao longe se propaga,

E entre soluços a lutuosa nova

Voa de plaga em plaga.

Morreu Otôni!... aquele facho ardente,

Que através de perigos e tormentas

O povo conduziu,

Num momento fatal da morte ao sopro

Em trevas se sumiu.

Já não existe o lidador valente,

Que largo tempo as santas liberdades

Da pátria defendeu,

Dos ilustres soldados do progresso

O egrégio corifeu.

Caiu enfim esse, que vimos sempre

Dos livres o estandarte desfraldando

Ante o povo oprimido;

Perdeu da liberdade a santa causa

O apóstolo querido.

Ai! era cedo ainda; a pátria aflita,

Entre cachopos e perigos grandes

Vacila e luta incerta;

Contra os filhos do erro e do regresso

A liça ainda está aberta.

Ainda escuros surdem os caminhos

Aos homens do porvir; inda estão cheios

De dor e de provança.

Tímido ainda bruxuleia ao longe

O farol da esperança.

Esse povo leal, que ele guiava

Através dos desertos, inda a terra

Não viu da promissão,

Ainda fulge longe de seus olhos

A luz da redenção.

Sim, era cedo: - ainda de seus lábios

Em torrentes de férvida eloqüência

Jorrava a sã verdade,

E por eles falava sem rebuço

A voz da liberdade.

Oh! era cedo! - na altaneira fronte

De puras, nobres crenças inda inteiro

Ardia o fogo santo,

E vigoroso o coração pulsava,

Que a pátria amava tanto.

E ele era do povo o filho amado,

E pelo povo a sanha dos tiranos

Intrépido afrontava,

Profeta ardente, que da liberdade

As sendas preparava.

Como a Isaias nas remotas eras,

O anjo do Senhor com brasa viva

Os lábios lhe tocou,

E da pátria no amor nobre e sublime

O peito lhe abrasou.

De Washington aluno, nunca humilde

Foi mendigar nem honras, nem favores

Aos pés do régio sólio;

Do laurel popular cingida a fronte

Alçou no capitólio,

Para servir a pátria e a liberdade

Jamais cansou das lides gloriosas

No generoso afã;

Era sua voz elétrica centelha,

Seu nome um talismã.

Morreste, Otôni; - mas tua sombra augusta

Pairar eu vejo ainda no horizonte,

Que de esplendor se veste,

E nos céus desfraldar de nossas crenças

O lábaro celeste.

Morreste; - mas ainda o verbo ardente

Do tribuno inspirado entre nós troa;

Do seio dessa tumba

Com um brado, que irá transpondo os séculos,

Tua voz inda retumba.

Morreste, sim; - porém bem como outrora

Ressurgiam os mortos ao contacto

Dos ossos de Eliseu,

Da liberdade o amor ressurge e vive

Otôni, ao nome teu.

Ouro Preto, 1 de novembro de 1869.

Otoni (1807-1869) foi político mineiro.