Elegia

À morte de D. Pedro I

Deus, a quem sagra o Tempo este Penedo,

Que às nuvens tocar vejo solitário,

Imagem da Grandeza e do Segredo,

Aqui me tens sozinho e temerário,

Buscando neste espaço sinuoso

Verter oculto um pranto necessário.

Tenho este voto, que cumprir piedoso;

Dá-me, que o faça nesta estância escura,

Propícia à mágoa, e ao tempo perigoso.

Se em Roma já se viu à morte dura

Ser condenada a mãe, por que chorara

De extinto filho a infausta desventura,

Não se renove em mim a cena ignara,

Por lastimar um povo, a quem o susto

Faz hoje atassalhar, o que onte honrara.

Se curvados comigo ao fado injusto

Muitos não unem hoje aos meus lamentos,

Preces, que votam ao varão mais justo...

Eu sei que um dia, puros sentimentos

Saudosos lhe darão. Eu sei que gratos

Hão de lhe erguer honrosos monumentos.

Vós, da tristeza lúgubres retratos,

Negras sombras, letal melancolia,

Turvos painéis de dor, de angústia ornatos,

Eu vos imploro, me sejais propícios;

E na triste expressão de minha pena,

Vós mesmo, de pesar dareis indícios.

Se a lei, que à morte o corpo nos condena,

A vida eterna d'alma não marcasse,

Funesta de uma perda fora a cena.

Talvez um fido amigo não achasse

Outra consolação, que a lastimosa

De acabar com aquele, que acabasse.

Porém a mão suprema, assaz piedosa,

Com sábia precaução envia o meio,

Mitigador da mágoa venenosa.

Deixar o ignóbil mundo, o humano enleio,

E pela das virtudes esperança

Ir do empíreo habitar o claro seio,

Abandonar do barro a intemperança

Os fados, os trabalhos, e entre os santos,

Santo gozar da bem-aventurança,

Deixar de ouvir enternecidos prantos,

Intrigas, ódios, lástimas, gemidos,

Para dos anjos escutar os cantos,

Obter na glória eternamente unidos,

Sem o favor de humanas criaturas,

Os prêmios cá no mundo merecidos,

Ó Pedro, ó grande herói! são estas puras

Imagens, que do céu me estão chegando,

Para alívio de tantas amarguras!...

Porém...que nova dor me vai passando

Da idéia ao peito!...vendo em triste aperto

Lísia, a Esposa, os filhos soluçando?!...

Os lusos lá descubro em desconcerto,

Sem que na acerba dor atingir possam,

Se acaso um tal herói morreu decerto!...

Vejo uns, que co'a incerteza a mágoa adoçam,

Outros, que ao todo já desenganados

Do Tejo as águas com seu pranto engrossam;

E lá vejo os dos herói sócios honrados

Trajando dó, em torno ao monumento

Co'as mãos no rosto, de pesar cortados.

Ah!... rei, amigos, filhos, cara esposa,

Tudo acaba no mundo!... a morte dura

Impune perenal triunfo goza.

Ou torva guerra, ou febre lenta, impura

Faz que um palmo de terra se não pise,

Onde não haja humana sepultura,

Que uma só obra a vista não divise,

Sem que de seu autor memória triste

Nossa alma não confranja e penalize.

Mas, se à série fatal não se resiste,

Se o curso inevitável não se muda

Para que tanta mágoa em nós existe?!...

Fora por certo menos carrancuda

Qualquer perda, buscando no transporte

Do amigo idéia, que a saudade iluda.

Se a mágoa traz antes do tempo a morte,

E com ela nós damos insensatos

Da dor ao gume mais buído corte,

Fujamos destes lúgubres retratos,

E à luz do sol, que do zenith dardeja,

Das lágrimas se enxuguem os regatos.

Sim! do futuro o arcano amplo se veja;

Nunca mais o pesar em nós influa

A perda de um mortal, que em glória esteja.

Musa consoladora em mim reflua

Mais segura cristã filosofia,

Que da santa razão minha alma instrua.

Em vez de estéril, vã melancolia

Os feitos me ressurjam à lembrança

Do justo, que viveu como devia

Assim futuro gênio se abalança

Co'exemplo a praticar ações, que dobrem

Do mundo as honras, e dos céus a herança.

Se um pouca terra os restos teus se encobrem,

Os teus heróicos feitos, teus talentos

Nos hemisférios ambos se descobrem.

Não carecem heróis de monumentos;

Duram mais que as estátuas, que as colunas,

Exemplos nobres, sábios documentos.

Nem são os feitos seus, pra que os reúnas,

Ó fama, co'esses dos heróis antigos,

Roubadores de estados e fortunas.

Pompeus, Césares são do céu castigos,

Como são prêmios, quando à terra envia,

Franklins amáveis, da igualdade amigos.

Se livre um Deus no mundo o homem cria,

Aquele, que o reverte à liberdade,

Faz o que um Deus já fez, e ainda faria.

Tal cheio de valor e humanidade

A pátria vindicaste o seu direito,

Patriarca da lusa liberdade.

Nem há feito maior do que este feito,

No mundo uma tal obra concluída,

Nos céus achaste o prêmio satisfeito;

Nem te era mais precisa a mortal vida.