À moda (1878)

Balão, balão, balão, perdão te imploro,

Se outrora te maldisse,

Se contra ti em verso mal sonoro

Soltei muita sandice.

Tu sucumbiste, mas de tua tumba

Ouço uma gargalhada, que retumba.

"Atrás de mim virá inda algum dia,

Quem bom me há de fazer!"

Tal foi o grito, que da campa fria

Soltaste com satânico prazer.

Ouviu o inferno tua praga horrenda,

E pior que o soneto veio a emenda.

Astro sinistro no momento extremo

De teu ocaso triste,

Do desespero no estertor supremo

O bojo sacudiste,

E surgiram de tua vasta roda

Os burlescos vestidos hoje em moda.

Moda piramidal, moda enfezada,

Que donairoso porte

Da moça a mais esbelta e bem talhada

Enfeia por tal sorte,

Que a torna semelhante a uma chouriça,

Que em pé desajeitada se inteiriça.

***

Se vires pelas ruas aos saltinhos

Mover-se um obelisco,

Como quem vai pisando sobre espinhos,

Com a cauda varrendo imenso cisco,

Do espectro esguio a forma não te espante

Não fujas, não, que aí vai uma elegante.

Mas se de face a moça assim se ostenta

Esguia e empertigada,

Sendo por um dos lados contemplada

Diversa perspectiva se apresenta,

E causa assombro ver sua garupa

Que área imensa pelo espaço ocupa.

Formidável triângulo desenha-se

Com base igual à altura,

De cujo agudo vértice despenha-se

Catadupa, que atrás se dependura,

De fofos e babados

Com trezentos mil nós empantufados.

A linha vertical pura e correta

Eleva-se na frente;

Atrás a curva, a linha do poeta

Em fofos ondulando molemente

Nos apresenta na suave escarpa

A figura perfeita de uma harpa.

Pela esguia fachada nua e lisa,

Qual maciço pilar,

Se brincar co'a roupagem tenta a brisa,

Não acha em que pegar;

E só o soro de um tufão valente

Pode abalar da cauda o peso ingente.

***

Onde vais, virgem cândida e formosa,

Assim cambaleando?!...

Que zombeteira mão despiedosa

O teu donoso porte torturando,

Te amarrou a essa cauda, que carregas,

Tão atufada de medonhas pregas?!...

Trazes-me à idéia a ovelha timorata,

Que trêmula e ofegante

Do tosquiador se esquiva à mão ingrata

E em marcha vacilante

Vai arrastando a lã despedaçada

Atrás em rotos veios pendurada.

Assim também a corça malfadada,

Que às garras do jaguar

À custo escapa toda lacerada,

Co'as vísceras ao ar,

De rojo pela senda das montanhas

Pendentes leva as tépidas entranhas.

***

Onde estão os meneios graciosos

De teu porte gentil?

O nobre andar, e os gestos majestosos

De garbo senhoril?...

Abafados morreram nessa trouxa,

Que assim te faz andar cambeta e coxa.

E a fronte, a bela fronte, espelho d'alma,

Trono do pensamento,

Que com viva expressão, turvada e calma,

Traduz o sentimento,

A fronte, em que realça-se a beleza

De que pródiga ornou-te a natureza,

Tua fronte onde está?... Teus lindos olhos

Brilhar eu vejo apenas

Na sombra por debaixo de uns abrolhos

De aparadas melenas...

Ah! modista cruel, que por chacota

Te pôs assim com cara de idiota

Ouro Preto, agosto de 1877.

À saia balão