Prelúdio

Vinde, vós todas, que nos meus caminhos

Derramastes outrora algumas flores,

E destes-me a colher por entre espinhos

A rosa dos amores.

Surgi do limbo escuro, em que escondeis-vos

Do passado na bruma adormecidas,

Onde minha alma ingrata há tanto tempo

Deixou-vos esquecidas.

Eia! ao chamado meu acudi prontas,

E do olvido por entre a névoa espessa,

Belas, donosas, quais vos vi outrora,

Erguei vossa cabeça.

Contam vates que Orfeu, cantor divino,

A morta esposa à luz restituira,

As infernais potencias encantando

Aos sons de ebúrnea lira.

Também da lira aos sons quero evocar-vos

Sombras queridas, pálidas imagens;

Do esquecimento quero hoje arrancar-vos

Às lúgubres voragens.

E quem impedirá? da fantasia

Tenho n'alma o condão onipotente,

Que o passado nos túmulos acorda,

E o faz surgir nos campos do presente.

Das musas o poder não tem limites,

Do sepulcro as barreiras ultrapassa,

Destrói a ausência, as trevas alumia,

E do porvir os áditos devassa.

...................................................................

...................................................................

...................................................................

...................................................................

Dizem que a vida é breve; - eu vejo longos

Por trás de mim os anos já volvidos

Estéreis e tristonhos se estenderem

Em nevoentos longes escondidos.

Entretanto nas sendas da existência

Apenas sete lustros hei transposto,

Nem da velhice ainda a mão pesada

Curvou-me a fronte, nem sulcou-me o rosto.

E nesses anos, que lá vão saudosos,

Quantas vidas de amor tenho vivido;

Que vários fados me hão enchido o tempo,

Quanto hei gozado, e quanto mais sofrido?

Pelas devesas tristes do passado

Como vão meus caminhos alastrados

Dos destroços de minhas esperanças,

De mil laços de amor despedaçados.

Dizem que a vida é breve! - é para aqueles

Que vão singrando em mares de bonança,

Ou resvalando em flóridas veredas

Embalados nos braços da esperança.

Não para quem por sendas escabrosas

Deixa em sangue o vestígio de seus passos,

E aqui e além, em seus tristes errores

Como que o coração larga aos pedaços.

...................................................................

...................................................................

...................................................................

...................................................................

Deslizai ante mim, visões queridas,

Como silfos gentis, na asa da aragem,

Vinde pousar do ressequido tronco

Na pálida ramagem.

Viveis talvez ainda, quase todas,

Muitas no viço da beleza em flor;

Porém decerto há muito já riscastes

Da lembrança meu nome e meu amor.

Viveis ainda? - embora! - na minha alma

Já entre nós o túmulo se ergueu;

Vós éreis meu amor; - pra mim morrestes

Quando esse amor morreu.

Se aos braços meus a campa não roubou-vos

Vejo entre nós barreira inda mais forte;

O fado, a ausência, as ilusões perdidas

Têm muitas vezes mais poder que a morte.

Não sois mais para mim que puros sonhos,

Suaves, que inspirais amor sem zelos;

Como o porvir, nosso passado é sonho,

Porém sem pesadelos.

Aos sons da lira agora vos conjuro,

Vinde um momento conversar comigo;

Vinde num beijo as mal extintas chamas

Reavivar de nosso amor antigo.

Meu coração viúvo e solitário

Já tendo dito adeus às esperanças,

Evocando as imagens do passado

Só vive de lembranças,

Qual em deserto vale albergue em ruínas,

Onde nos rotos tetos adejando

Da noite as auras ululando vagam

Saudades acordando.